A verdade é mais estranha que a ficção. Isso acontece porque a ficção é obrigada a se ater às possibilidades. A verdade não. A frase escrita por Mark Twain (1835 1910) em Seguindo o Equador: uma jornada em volta do mundo se encaixa perfeitamente bem em Eu, Tonya, recorte biográfico da vida da ex-patinadora artística Tonya Harding, uma celebridade nos EUA, mas uma figura de pouca fama mundo afora, pelo menos até agora.
Típica white trash (apelido pejorativo dado aos brancos de baixa renda nos EUA), Tonya era um peixe fora dagua no mundo da patinação, um esporte de elite, de pessoas educadas e ricas. Sua persistência e seu talento, no entanto, o colocaram na elite no esporte. A personalidade da patinadora era ainda mais explosiva ao lado do marido, Jeff Gillooly os dois, juntos com um segurança, conspiraram para tirar a também patinadora Nancy Kerrigan, a queridinha dos EUA, das Olimpíadas de Inverno de 1994. A trama culminou num ataque a Nancy e, claro, numa punição a Tonya e seus comparsas.
Toda essa ambientação serve para atrair o leitor a Eu, Tonya, que estreia hoje no Estado. Dirigido por Craig Gillespie (Horas Decisivas), o filme acompanha, à sua forma, a vida da patinadora desde a infância problemática até o julgamento pelo ataque à rival.
Quem não conhece a história pode ter um pouco de dificuldade em acreditar que aquilo realmente aconteceu. Gillespie, no entanto, é esperto em sua narrativa, colocando os personagens contando a história anos depois, em depoimentos, e por vezes até literalmente afirmando para o público que algumas situações absurdas são verídicas a utilização de imagens de arquivo durante os créditos só reforça esse aspecto.
A australiana Margot Robbie (O Lobo de Wall Street), indicada ao Oscar pelo papel, convence como a protagonista tanto nas cenas de patinação quanto nos depoimentos, com Tonya mais velha. O único problema está nas sequências que mostram Tonya e Jeff (Sebastian Stan) adolescentes; a caracterização de época até ajuda, mas são claramente dois atores adultos vivendo adolescentes.
Quem também se destaca talvez até mais do que a protagonista é Allison Janney, que vive LaVona Harding, mãe de Tonya. Favorita ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, Janney mostra todos os abusos físicos e psicológicos com que Tonya teve que conviver ao longo dos anos.
Edição
Eu, Tonya é uma aula de montagem, o que torna o filme ágil e divertido. Mas por baixo da superfície existe o drama de uma pessoa que não conhece soluções e respostas que não envolvam violência. Tonya não teve pai presente, sua mãe era incapaz de amar e seu marido, namorado desde a adolescência, só potencializou essa característica.
O filme não é perfeito reside sobre ele a crítica de dar muita voz ao agressor (Tonya e sua trupe) e nenhuma à agredida (Nancy Kerrigan); além disso, o roteiro às vezes se perde entre o real e o romanceado, tornando a situação confusa para o espectador. Apesar disso, com a já citada qualidade na montagem/edição e com suas qualidades e atuações (Margot e Alisson Janney principalmente), Eu, Tonya mereceria estar entre os indicados a Melhor Filme no Oscar 2018 é melhor e mais completo que ao menos dois dos indicados.
A não-indicação, no entanto, não diminui o filme de Craig Gillespie, que entrega um produto de qualidade que, com uma roupagem ágil e moderna, resgata e reconta a história de uma das mais controversas figuras americanas do século passado.
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