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Luíza Boê mostra leveza em disco de estreia

Luíza Boê mostra leveza em disco de estreia

Cantora lança álbum homônimo que transita pela MPB e traz o frescor de uma estreante

Publicado em 2 de abril de 2018 às 23:17

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Cantora Luíza Boê. (Almir Vargas/Divulgação)

Uma tardezinha fresca num café em Botafogo na zona sul do Rio de Janeiro, uma boa conversa sobre música, dois copos de suco. Foi assim que o C2 conversou com Luíza Boê sobre seu disco de estreia. Capixaba radicada na capital fluminense, a cantora lançou álbum homônimo num show no último 28 de março, no Rio de Janeiro.

Nascida por aqui, Luíza foi criada entre o Espírito Santo e Minas Gerais, entre o mar e as montanhas. Seu pai tinha uma plantação de café em Lajinha (MG), mas a família morava em Vitória. Essa dualidade reflete na capa e em toda a identidade do disco – trabalho feito pela artista capixaba Julia Paternostro com foto de Arthur Dalla.

“As montanhas de Minas e os colibris capixabas encenam as duas terras de que sou feita, os dois lugares em que cresci. Tenho terra e mar em mim e isso é a minha história“, declara.

E a história de Luíza na arte começou cedo. Com oito anos ela já se arriscava a escrever poemas. Aos 17 ela resolveu unir suas duas paixões, a música e a poesia, e passou também a compor.

REFERÊNCIAS

Assim como suas origens, as referências de Luíza são múltiplas. Apaixonada por literatura, ela cita como inspiradores Alice Ruíz, Paulo Leminski, Vinicius de Moraes e Sophia de Mello. Na música, ela tem como guias Caetano Veloso, Otto, Céu, Silva, Anelis Assumpção e Rodrigo Amarante.

Mas não se engane: essa fartura de referências não faz com que Luíza sofra de falta de originalidade. Pelo contrário, ela mostra facilidade na construção das letras e melodias e não cai em clichês recorrentes na MPB. A mistura de “peso e sutileza”, como ela define, faz com que o disco flua.

A habilidade do produtor Hugo Noguchi (também baixista das bandas cariocas Ventre e SLVDR) com a utilização de “pannings” (distribuição e transição do áudio pelos canais de som) faz com o que o álbum seja melhor apreciado com fones de ouvido estéreo. Em algumas músicas, Luíza parece andar, em outras, parece falar ao pé do ouvido.

Esse efeito funciona, no início, como um gancho que te puxa sem fazer força pela suave viagem de um dia junto a Luíza. Esse dia começa numa manhã com a solar “Cocoon”, entardece preguiçosamente com “Receita de Domingo”, chega ao auge da madrugada com “Lua Nova” e vê o dia raiar novamente junto aos passarinhos do Cosme Velho de “Valsa para Roberto”. “Eu percebi essa relação quando fui montar a ordem do disco, não pensei antes de compor as músicas, foi natural”, pondera Luíza.

O trabalho foi todo gravado com recursos próprios. “Eu fiz um intercâmbio em Paris e, na volta, passei três semanas trabalhando num café em Lisboa. Com esse dinheiro e com o dinheiro do estágio, eu financiei o disco”, conta. Isso garantiu a ela que a gravação fosse natural. “Foi tudo muito orgânico. Meu processo foi o de construir meu próprio caminho.”

FAIXA A FAIXA

"Cocoon"

Cocoon é uma das palavras que inglês que me soam mais bonitas para mim - parece tupi e significa casulo. Casulo é o lugar da formação, da construção, mas onde só cabe você e ninguém te vê. Ainda. É uma música sobre construção, não só da minha música, mas também de mim mesma. Curiosidade: Eu compus na véspera da gravação de voz, a música me chegou de uma vez, mas ficou faltando um verso. Na manhã seguinte, antes de ir pro estúdio, estava tentando encontrar esse verso e entrou um beija-flor pela janela do meu quarto minha casa, foi até o bebedouro na janela da cozinha e saiu pela mesma janela que entrou. Aquilo foi tão bonito, ver a capacidade daquele pássaro se orientar dentro da minha casa me inspirou a escrever o verso que faltava “eu sou um beija-flor que se norteia”.

"Engodo"

"Engodo" se passa num baile brega, uma troca de olhares que vira um convite para dançar e uma mistura de desejos tentadores que fazem querer ficar e fugir ao mesmo tempo. É saber do engano, mas ainda assim, querer ver onde vai dar.

"Postal"

"Postal" é uma música sobre não conseguir esquecer um amor, mesmo que tudo em volta esteja dizendo: deixe ir; é sobre continuar carregando esse amor - e todas as mágoas em torno dele - dentro de si, mesmo que você tenha partido para o outro lado do oceano; é sobre buscar algum sentido novo, para aquilo que já é muito bem conhecido. Mas você não consegue fugir. E você fica.

"Lopes Quintas"

A música é um choro que tem o nome de uma rua que leva a uma cachoeira. A rua onde nasceu Vinícius de Moraes. "Lopes Quintas" fala sobre os caminhos que se cruzam e encruzilham na vida, que “é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Curiosidade: Eu estava na loja escolhendo um pandeiro e pedi opinião de um senhor que estava lá. Ele me perguntou pra que eu estava comprando e eu disse que era para gravar um choro pro meu disco, que tem um 7 cordas e um bandolim. “Quem gravou?” - ele me perguntou. “Ah, acho que você não conhece - meu professor de violão, Caetano Tropiano e o amigo dele, Gian Gomes”. “Po, eu toco com eles direto na feira da Glória!” - Eu incrédula com essa conexão! - “Quem vai gravar o pandeiro?” - ele me perguntou. Disse que eu mesma, sei tocar um pouco e ia gravar. “Eu gravo, pra você!”. Foi assim que conheci Jota Gomes.

"Receita de domingo"

Receita de Domingo é o nome de uma crônica do Paulo Mendes Campos. Ele fala dos momentos-ingredientes de um bom domingo. São coisas tão comuns, tão banais, como o jornal e o café, a ida à praia, que existe um encanto nisso. Mas é a perspectiva de um homem carioca, nos anos 60, e eu quis fazer a minha Receita de Domingo. Domingo tem um quê de ritual pra mim, gosto de seguir uma receita do dia e essa era a Receita de um certo momento da minha vida.

"Cigana" (part. Posada)

"Cigana" é uma música que carrega o poder feminino; é a dança em volta da fogueira e o poder de transformação do fogo. É o canto da sereia que enfeitiça e conduz às profundezas do ser. É o canto que chama e é chama.

Curiosidade: Quando compus "Cigana", sonhava com a voz de um homem com sotaque pernambucano recitando os versos da música enquanto rolava o canto da sereia. Sentia que era a sonoridade que a música pedia e falei isso com o Hugo. Dias depois o Hugo me fala “Lu, falei com o Posada sobre Cigana e ele topou gravar a voz”. Foi um presente! Sou fã do Posada e a voz dele carrega uma força que é o que faltava pra essa música ficar ainda mais mágica!

"Lua nova"

A lua nova é o momento de renovação de ciclos. É quando existem expectativas de se construir o novo e também pode ser o momento de ressignificar o antigo. É uma música sobre mergulhar nesse desejo do renovar, ao mesmo tempo em que se sente as angústias do que é conhecido.

"Carta de despedida"

É a última música que compus pro disco e fala sobre o encerramento de um ciclo. É uma carta escrita à mão, por isso não pedia mais do que voz e um violão para harmonizar as diferentes emoções que emergem no momento de nomear os sentimentos. É uma despedida com enorme gratidão.

"Portas fechadas"

É uma música felina, sobre estar diante de portas fechadas, ou corações inacessíveis e não poder abri-los. É sobre sentir distância, apesar da presença, e entender que as respostas estão na história, no passado, e não no futuro.

"Valsa para Roberto"

É a música mais especial do disco. É a música que fiz pro meu pai. Chamei duas pessoas que amo pra gravarem comigo. Senti que a música tinha que ser uma valsa semanas antes da gravação, sentia que pra ela ser leve, precisava ser uma dança, uma dança do etéreo - o violino - com o terreno - a voz. No dia da gravação da voz, colocamos um microfone para gravar também o canto dos pássaros. Não editamos nada, e o canto mais intenso aconteceu bem no verso mais denso da música. Tudo estava em harmonia.

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