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João Donato apresenta show inédito no Santa Teresa Jazz & Bossa

João Donato apresenta show inédito no Santa Teresa Jazz & Bossa

Aos 83 anos, o mestre dos pianos conta em bate-papo sobre a paixão pela música, seu processo criativo e lembranças da década de 50

Publicado em 22 de maio de 2018 às 22:36

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Músico e compositor de prestígio nacional e internacional, João Donato é um mito ou um gênio, como diria Tom Jobim, que o classificou certa vez como “o maior músico do Brasil”. Uma das atrações deste sábado, dia 26, do Santa Teresa Jazz & Bossa – 7º Festival Internacional de Jazz & Bossa de Santa Teresa, João apresenta o seu espetáculo “A Mad Donato”, que marca o lançamento da sua coleção de CDs inéditos neste ano. Além das canções deste rico acervo, na apresentação o artista toca as clássicas “Bananeira”, “A Paz”, “The Frog” e “Emoriô”, como adiantou João em entrevista ao

Gazeta Online

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O festival acontece neste final de semana (25, 26 e 27 de maio) e no próximo (31 de maio, 1º e 2 de junho) e vai reunir artistas nacionais e internacionais do jazz, da bossa nova e do blues em 31 shows. Confira abaixo o bate-papo com João Donato:

 

Aos 83 anos você continua na ativa. A que atribui essa vontade contínua de fazer música e não parar?

Dedico a maior parte do tempo a ouvir música e a praticar piano. O restante do tempo a música ocupa os meus pensamentos e o meu senso de observação. Acho que é porque música é a coisa que mais gosto. Lembro que quando eu comecei a repetir de ano na escola, o meu pai me encarou e perguntou: é música mesmo que você quer? Eu respondi que sim. Então, me disse ele, faz o seu melhor. E é o que tenho feito estes anos todos, me dedicado integralmente à música. Minha primeira gravação foi aos 16 anos, no primeiro disco do flautista Altamiro Carrilho, tendo como companheiro de conjunto o clarinetista Paulo Moura. Nestes quase 70 anos de carreira, nunca fiz outra coisa na minha vida; eu nunca larguei essa profissão, tendo pouco ou muito dinheiro, eu sempre priorizei a música. Até namorada eu já perdi por causa da música. Então, eu só posso dizer que a música é a minha grande paixão. Eu diria amor mesmo, porque a música é algo sublime, celestial: faz você pensar em Deus, na paz, imaginar coisas belíssimas. E é essa viagem que a música proporciona e eu não posso mesmo parar.

Como será sua apresentação em Santa Teresa?

O show apresentará ao público músicas inéditas e raras que estão gravadas no meu mais recente lançamento: um Box com 4 CDs intitulado A Mad Donato, uma brincadeira com o título de um disco que eu gravei nos Estados Unidos em 1970 e que os críticos consideraram um marco na música instrumental, chamado A Bad Donato. O Box traz gravações que foram feitas na década de 80 em estúdio com a rapazeada da MPB da época: Nara Leão, Ney Matogrosso, Djavam, Alaíde Costa e muitos outros. E também é fruto do garimpo que o jornalista e pesquisador Marcelo Fróes fez na minha coleção de mais de 1.500 fitas cassete. Tocaremos as mais pedidas, claro: Bananeira, A paz, The Frog, Emoriô, e muitas outras. No palco estarão comigo o baterista e percussionista com quem trabalho há mais de 30 anos, o lendário Robertinho Silva; o contrabaixista de grande parte da MPB, que grava e me acompanha em shows a décadas, Jorge Hélder; e o saxofonista e flautista Ricardo Pontes, outro que está há anos no meu conjunto.

Recentemente saiu o disco da dobradinha entre você e o seu filho Donatinho. Quais influências carrega desse intercâmbio musical com seu filho?

Donatinho é músico desde que nasceu. Ele ficava na pontinha do pé junto do piano. Enquanto ele juntava pecinhas dos quebra-cabeças, escutava o meu piano ou as grandes orquestras de jazz latino, os melhores instrumentistas de jazz, os conjuntos vocais que eu gosto. E ele sempre foi muito rápido na percepção dos sons. E sendo da geração da tecnologia, ele me mostra as novidades dos teclados, sintetizadores e outros recursos tecnológicos. A gente fica muito à vontade nesse universo, pois quando ele era criança também rolava aquela dupla nos joguinhos, que a gente aproveitava para curtir também as músicas hilárias das trilhas.

Você afirma que não é bossa nova, não é samba, não é jazz, não é rumba. Afinal, o que você é João Donato?

Eu sou a mistura de tudo isso e um pouco mais, pois não me contento com o que já compreendi da música. Estou sempre em busca de novos sons, novas combinações. Isso começou há muito tempo, logo eu percebi que a música é infinita. Se é assim e eu tenho tantas possibilidades, me divirto aproveitando todas as que vou alcançando.

Você acompanha a nova geração da MPB? Tem alguns músicos que admira?

Sim, eu estou sempre de ouvidos abertos para o que está rolando. Na música instrumental, a banda Bixiga 70 com quem gravei o CD "Donato Elétrico" e venho fazendo shows desde o Rock in Rio de 2015; jovens pianistas como David Feldmann e Diogo Monzo tem me impressionado. Entre as cantoras, Fabiana Cozza, Tulipa Ruiz, Mariana Aydar, Lucy Alves, que ainda toca um bom acordeon. É por aí, tem muita gente boa despontando.

Nesses 80 anos, com tantos clássicos na carreira, você costuma trazer novos arranjos para suas músicas?

Sempre que faço novas gravações de clássicos, procuro imprimir a emoção do momento, criando arranjos a partir da atmosfera do estúdio, do palco. Acaba sendo um trabalho coletivo, orquestrado pelo sentimento presente no instante.

Você continua compondo?

Eu não costumo conjugar o verbo compor, pois não sou um compositor que se senta à frente do instrumento musical para um trabalho. A música anda comigo 24 horas por dia. Há poucos anos fui a uma exposição de um artista plástica japonesa que tem sua obra toda em torno de bolinhas e ela disse que o que era obsessão se tornou a sua forma de expressão. Eu posso dizer o mesmo da música, pois ela está presente o tempo todo comigo. Até porque compor música é como se você estivesse fazendo um suco ou uma vitamina de frutas. E a combinação é livre, até você encontrar o sabor mais delicioso. Particularmente, em se tratando de fruta, minha combinação perfeita é laranja, abacaxi e caju. Experimente! Já na música, as combinações são infinitas. Recomendo também. E recomendo uma boa pitada de bom senso, para não cair no mau gosto tão comum nas rádios e emissoras de TV atualmente. Mas compor também depende de uma motivação que esteja no seu coração. Um exemplo disso é a primeira música que fiz. Foi para a minha primeira namoradinha, Nini, por quem me apaixonei perdidamente aos sete anos de idade. Ela era “mais velha”, tinha 8 anos. Lembro-me que comecei a cantarolar “não posso viver sem Nini, não posso viver sem amor, não posso viver sem Nini, não posso viver sem amor”. Letra e música vieram juntas. Pouco tempo depois, eu estava nostálgico à beira do rio, no Acre, onde nasci, e passou uma canoa com um sujeito assobiando uma música que nunca me saiu da memória. Então, eu peguei aquela célula de música e continuei o meu próprio assobio. Mais de 20 anos depois, o Gilberto Gil chegou com a letra e batizou a música de “Lugar Comum”.

Amigo de nomes como Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto. O que carrega nas lembranças dessa época?

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O Tom Jobim, antes de ser um músico famoso, era produtor musical de uma gravadora. E me convidou para gravar meu primeiro disco como líder de banda, o Chá Dançante. Éramos uma turma de meninos que viviam em torno da música. Então, este disco foi produzido pelo próprio Tom, que também tocou piano, nas faixas em que eu tocava acordeon; e teve Paulo Moura no saxofone. Vivíamos, naquela época – década de 50 – de boate em boate tentando mostrar a nossa música, mas muitas vezes éramos rejeitados. Isso não era problema, pois a melhor coisa para um bom samba é a tristeza, já disseram Baden e Vinícius. João Gilberto e eu estávamos sempre juntos, até confundidos já fomos. Dois Joões, vindos da Bahia e do Acre, fazendo uma música esquisita para aquela época. Bons tempos!

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