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Dez anos sem Jamelão, o maior cantor da história do carnaval

Dez anos sem Jamelão, o maior cantor da história do carnaval

De forma espontânea, ele virou a voz do povo, aquela sonoridade que ouriça o braço do folião e faz todo mundo cantar mais alto

Publicado em 14 de junho de 2018 às 12:34

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Dez anos sem Jamelão, o maior cantor da história do carnaval. (Reprodução/Instagram @nirton_venancio)

O jamelão, minúsculo, é aquela frutinha que os urbanistas sabem que não deve ser plantada nas calçadas: sua coloração arroxeada mancha a pele, as roupas, os calçados e o que mais ela encostar. O Jamelão, maiúsculo, tinha o mesmo poder: ao primeiro contato, marcava o corpo de forma única, colorindo ouvidos em matizes inesperados. Hoje faz dez anos que a voz de Jamelão emudeceu, mas a gente ainda ouve, ao passar pela esquina da Rua Marquês de Sapucaí, um vento que sopra grave: "Chegou ôôô, a Mangueira chegou"... O cantor gravou essa música, que viraria hino informal da verde e rosa, em 1955, quando as escolas de samba ainda disputavam com os ranchos e as grandes sociedades o posto de maior manifestação carnavalesca do país. Cinquenta anos depois, em 2005, o carnaval das escolas se tornou o maior espetáculo da Terra, ranchos e grandes sociedades estavam extintos, mas Jamelão ainda entoava os mesmos versos na Passarela. Com uma diferença: já era reconhecido como o maior cantor da história do carnaval.

Ele não foi simplesmente aquele que ficou mais tempo defendendo as mesmas cores (de 1949 a 2006), nem apenas o que ganhou mais títulos da festa. Jamelão era também o som da agremiação mais popular do país, a que provoca o maior frisson ao entrar na Avenida, a única que já foi e voltou em desfile no Sambódromo. De forma espontânea, ele virou a voz do povo, aquela sonoridade que ouriça o braço do folião e faz todo mundo cantar mais alto.

É verdade que cantar mais alto que Jamelão era tarefa quase impossível. Nos anos 40, depois de entrar na bateria da Mangueira tocando tamborim, começou a aprender cavaquinho. Mas a potência vocal de tenor, com timbre metálico, o fez se destacar num tempo em que o microfone ainda não reinava. Seu vozeirão conseguia competir com a forte percussão da bateria ou com os metais afiados das orquestras. E virar cantor foi o caminho natural.

Mas a voz não era seu único trunfo. Para um menino que também foi engraxate e vendedor de jornal, versatilidade era palavra de ordem. Basta dizer que Jamelão é expoente dos dois estilos mais extremos do samba: aquele em que se estica mais as notas (o samba-canção) e aquele que se canta mais aceleradamente (o samba-enredo). Mesmo se não tivesse sido intérprete da Mangueira ("puxador é o cacete"), Jamelão teria escrito seu nome na história da música brasileira como cantor de sambas românticos ou de "dor de cotovelo": foi crooner da Orquestra Tabajara e é considerado o maior divulgador da obra de Lupicinio Rodrigues. A mesma voz que nos fazia pular no carnaval era a que embalava nossas maiores fossas - o que significa que muitos casais devem ter se formado e se desfeito ao som do mestre.

Também foi compositor de pena afiada, embora sua obra seja pouco conhecida. "Eu agora sou feliz" foi a música mais tocada do carnaval de 1963 - e ganhou linda releitura recente de Luiz Melodia. Já "Esta melodia", seu maior sucesso, gravada por Marisa Monte, Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho, é até hoje um dos sambas de terreiro mais cantados, veja só, na quadra da Portela.

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Numa carreira de quase 60 anos, ouviu dezenas de vezes a frase "Se tivesse nascido nos Estados Unidos, estava milionário". No Brasil, não ganhou muito dinheiro, tendo nascido em São Cristóvão e morrido em Vila Isabel, sem grandes luxos. Mas ganhou riqueza incomparável: o respeito do povo. Apesar do folclórico mau humor, recebia o carinho de fãs de Norte a Sul do país. Em eleição realizada em 2012 para eleger o maior nome da história das escolas de samba, foi o vencedor, superando ícones como Cartola, Ivone Lara, Joãosinho Trinta e Paulo da Portela. Se hoje em dia todo mundo conhece Mangueira ao longe, não é só pelo som dos seus tamborins e pelo rufar do seu tambor. É porque, um dia, o menino Saruê pegou aquele microfone verde e rosa e acelerou nossos batimentos, fazendo poesia com as cordas vocais. E nada mais sublime do que o som que toca nosso coração. A voz de Jamelão estará para sempre tatuada em nosso corpo. Como a tinta roxa de uma pequena fruta doce, que mancha o tecido branco para a eternidade.

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