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Com poucos leitores e vendas, editoras locais lutam para sobreviver

Com poucos leitores e vendas, editoras locais lutam para sobreviver

Diminuir a tiragem está entre as medidas adotadas pelos editores no Espírito Santo para não fechar as portas

Publicado em 24 de agosto de 2018 às 23:23

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Saulo Ribeiro diminuiu tiragem de livros de sua editora para garantir publicações. (Marcelo Prest)

Na última pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, o Instituto Pró-Livro identificou que o brasileiro médio lê apenas quatro livros por ano. No total, é possível dizer que 56% da população é formada por leitores – ou seja, pessoas que leram, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Entre as razões pelas quais as pessoas não leram mais, estão falta de tempo, preferência por outras atividades, falta de paciência para ler e falta de bibliotecas por perto.

Neste mês, o responsável pela editora capixaba Cousa, Saulo Ribeiro, chamou a atenção com um desabafo em uma rede social. Saulo destacou a situação crítica atual e que são poucos os livros publicados que “se pagam”. “Ficamos vivos com os editais públicos de fomento”, diz, na publicação, onde ainda lamenta por já não conseguir manter as despesas da editora com o fluxo de vendas dos livros, o que antes era possível.

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O que mais lamentamos é o fato de não conseguir pagar a sobrevivência da editora com a venda direta ao leitor. É essa a maior crise

Saulo Ribeiro, editor e escritor
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Em entrevista ao C2, Saulo ressalta que o maior desafio atualmente é a formação de novos leitores, já que a leitura literária tem ficado cada vez mais para escanteio.

“O governo federal parou de comprar livros e o mercado formal desabou. Já as pequenas editoras estão sentindo isso com o volume de venda de livros. Sempre trabalhei com a ideia de uma tiragem inicial de 1.000 exemplares. Essa tiragem tinha que vender metade para pagar os 1.000. Deu certo umas duas vezes e eu abandonei”, conta.

ALTERNATIVAS

A saída para o editor foi diminuir a tiragem para 300 exemplares, mas a medida também demonstrou ser insuficiente em período de crise. Agora, Saulo pretende trabalhar com um projeto de apenas 100 unidades, 10% do volume impresso no início da editora.

“Buscamos sempre financiamento por meio de edital, financiamento privado, autores que colaboram em edições. Não há prejuízo para a editora, que paga a própria sobrevivência. O que mais lamento é não conseguir fazer isso com a venda ao leitor. De repente, acho que estou fazendo livros para ninguém”, desabafa.

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Hoje em dia, a gente roda o Estado inteiro e tem muita dificuldade de encontrar uma livraria. É um futuro incerto, o mercado do varejo está difícil

Marcelo Carvalho, editor
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À frente da editora e gráfica Formar, com sede na Serra, Marcelo Carvalho afirma que uma das maiores provas de que o mercado do varejo está em crise é a dificuldade em achar livrarias no Estado, independente da região.

Para ele, ainda existe uma ideia errônea na cabeça dos brasileiros, de que livros são produtos obrigatoriamente caros.

“Eu acho que o problema principal é o varejo mesmo. A cadeia da produção editorial tem várias pessoas, geralmente pouquíssimo valorizadas. No nosso caso, como também somos uma gráfica, já facilita um pouco o trabalho da editora, consigo imprimir os livros com um custo melhor. Mas são muitos desafios”, diz Marcelo.

Responsável pela Editora Cândida, Alfredo Andrade é mais um a engrossar o coro dos editores. Ele confessa que a falta de perspectiva torna o processo de produção editorial ainda mais difícil.

“A gente tem encontrado dificuldades para enxergar um caminho, porque não tem muita perspectiva de vender. Vejo as livrarias desaparecendo. Eu mesmo tenho um outro emprego, porque não tenho a editora como uma atividade que me garanta uma renda constante. É bem difícil”, finaliza.

Por enquanto, a saída encontrada por ele tem sido encontrar autores que tenham desejo e disposição de publicar e de garimpar no mercado pessoas interessadas no segmento publicado. “Ainda assim é bem difícil. Tem muito mais coisa contra, é uma luta diária. Ficamos em busca de maneiras para nos movimentar”, conclui Alfredo.

SAÍDA É APOSTAR EM NOVOS LEITORES

 

A editora de Marcelo Carvalho (à esquerda) lança obra de nomes como Luiz Guilherme Santos Neves . (Editora Formar/Divulgação)

“Nunca se leu tanto. As pessoas usam o celular e leem mensagens nos aplicativos o tempo inteiro”, lembra o editor Saulo Ribeiro, da Cousa. Mas então, qual seria a saída para voltar a atrair os leitores à literatura? Há um consenso entre as pessoas ouvidas pela reportagem: trabalhar “na base”, na formação de novos leitores e no reforço de que o hábito é fundamental para a garantia da cidadania.

“Quero participar de editais que permitam que eu produza mil exemplares para distribuir em escolas, que permita que a gente percorra o Estado conversando com estudantes. Já participei de projetos que levavam literatura para acampamentos de reforma agrária. Isso sim é de renovar as esperanças. A única forma de sair disso é formando leitor. Isso é algo para o futuro”, salienta Saulo.

Marcelo Carvalho, da editora Formar, concorda e ainda diz que acredita em uma virada para o problema no mercado editorial no país. “Já estou há 20 anos no ramo e continuo acreditando. Mas não tem jeito, é algo que tem que vir de baixo, do infantil. Quanto mais livro, melhor. Falta incentivo. Sem leitor, sem livro, sem cultura, a gente fica parado, vai todo mundo para o barro, nos tornamos uma sociedade atrasada”, opina.

Alfredo Andrade, da Cândida, lista a falta de difusão do hábito de leitura como um agravante. O editor é mais um a defender a formação de base, com estímulos a jovens leitores. “Falo de alimentar esse desejo pela leitura, de distribuir livros mesmo. É uma maneira de movimentar”.

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Até a parcela que lê ativamente compra poucos livros literários. Precisamos acabar com essa noção aristocrática da leitura

Casé Lontra Marques, escritor
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No ponto de vista de Casé Lontra Marques, editor e responsável pelo selo Aves de Água, o problema é estrutural, já que os índices de leitura e até mesmo de alfabetização plena são considerados falhos no país. “Até mesmo a parcela que lê ativamente inclui poucas pessoas que compram livros literários. Precisamos acabar com essa noção aristocrática da literatura”, sentencia Casé.

Como solução “a conta-gotas”, Casé aposta na valorização das pequenas casas editoriais e dos coletivos de escritores e escritoras. Ele lembra que a última edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) já teve maior abertura para ações independentes.

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“Pensando ‘no miudinho’, as saídas são o pouco que vemos hoje, da valorização dessas iniciativas independentes e dos coletivos”, sugere.

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