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'Parte dos acertos dele foi sorte, ele colocou a emissora em situações constrangedoras'

"Parte dos acertos dele foi sorte, ele colocou a emissora em situações constrangedoras"

Jornalista e crítico de TV, Mauricio Stycer acaba de lançar perfil biográfico de Silvio Santos para dar um olhar objetivo sobre fatos que envolvem o empresário e parte da história da televisão brasileira

Publicado em 23 de setembro de 2018 às 00:46

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"Empresário de televisão, que gosta mesmo de televisão, acho que sou o único”, disse Silvio Santos em entrevista concedida ao jornal “O Estado de S. Paulo” em 1990. Na sequência, brincou fazendo uma breve avaliação dos donos das emissoras concorrentes, com quem chegou a estabelecer relações amistosas em diversas fases da vida. A resposta do empresário e exímio animador casava com outra declaração, dada 20 anos antes, quando disse que a única razão de ser empresário era a emoção que isso despertava. Lançar luz sobre a figura de Silvio com um olhar objetivo e analisar posicionamentos e fatos muito além dos sorrisos largos e dos aviõezinhos de dinheiro foi a tarefa do jornalista Mauricio Stycer no recém-lançado “Topa Tudo por Dinheiro – As muitas faces do empresário Silvio Santos”.

Colunista da “Folha de S. Paulo”, repórter e crítico do Uol, Stycer é autor de outras três publicações, e dedicou-se a pesquisar todo o material relacionado a Silvio veiculado entre 1952 e 2018. Encontrou contradições, incongruências, curiosidades e, principalmente, histórias de um ser humano famoso, mas pouco conhecido. Entre elas, as estratégias equivocadas como empresário, a subserviência ao poder, a relação umbilical com o regime militar, e as relações com seus pares – de Roberto Marinho a Edir Macedo. “Nesse tempo de análise, encontrei a glorificação de um mito, muito exagero, muita desinformação e um vazio a ser preenchido: mostrar que o Silvio é uma figura complexa, de carne e osso, e não esse herói mitológico que às vezes vemos em livros e reportagens”, diz o jornalista.

De onde partiu o interesse em escrever um livro sobre o Silvio?

Primeiro é importante lembrar que não classifico o livro como uma biografia, porque não tinha a ambição de revelar episódios da vida pessoal dele. Talvez seja um perfil biográfico, ou uma grande reportagem. Fui motivado justamente por ler muita coisa que já foi publicada sobre o Silvio. Recolhi materiais publicados entre 1952 e 2018, uma montanha de papéis, entrevistas, matérias, livros... Só de livros eu contei seis já publicados sobre o Silvio. Mas há muita desinformação, glorificação do mito, muito exagero. Achei que tinha espaço para mostrar algo diferente, um vazio a ser preenchido, para mostrar que ele é uma figura complexa, de carne e osso, e não esse herói mitológico que às vezes você vê em alguns livros e reportagens. Então foi isso que tentei: levantar histórias que mereciam ser contadas de forma mais objetiva. Algumas são mais conhecidas, mas quis levantar discussões sob um ponto de vista crítico, como a relação dele com a política, o que significou esse episódio...

Você trabalha com cobertura de TV há muitos anos... Como lembra da construção da figura do Silvio Santos na sua vida? De que maneira isso pautou seu trabalho?

São dois impactos que o Silvio tem. Um como pessoa mesmo, porque o vejo na TV desde o final dos anos 1960, início dos anos 1970. Outro que sou jornalista há 32 anos e sempre tive mais preferência por jornalismo cultural, sempre me interessei por televisão, isso sempre esteve no meu radar. Nos últimos dez anos, me dediquei exclusivamente à TV, e evidentemente a figura dele se sobressai. Ele está desde 1963 no ar, são 55 anos com o mesmo programa. Óbvio que não é o mesmo formato, mas são quatro horas por domingo. É uma figura inescapável para quem se interessa por TV e que sempre me intrigou. Mas quando comecei a ler mais sobre ele, notei um ponto mais pitoresco: o Silvio mentiu a idade por décadas. É algo intrigante, ele deu a idade errada em cinco anos, e a construção do mito torna a coisa mais maluca. Além disso, chegou a esconder um casamento. Enfim, ele sempre construiu a história dele, desde muito cedo.

Você chegou a achar “arriscado” escrever um livro sobre o Silvio, por uma eventual indisposição com essa figura tão importante?

Eu quis falar com o Silvio antes, mas como sempre, ele não quis dar entrevista, repetindo um padrão dos últimos anos. Ele dá ainda menos entrevistas do que já deu ao longo da vida, ainda mais para livros. Ele brinca dizendo que existe uma crença de que vai morrer se der entrevista nesse contexto, é uma piada. Mas, enfim, tentei ouvi-lo, mas também não escrevi esperando nenhum tipo de aprovação, mesmo escrevendo também sobre o SBT, o que é algo importante. Sabia que se fizesse algo honesto, com coerência, baseado em fontes, bem documentado, seria bem recebido e tratado como um negócio sério.

E qual foi sua descoberta mais curiosa sobre ele?

Tem várias! Uma é realmente divertida. Em duas matérias de 1952, descobertas pelo pesquisador Fernando Morgado, abordaram um negócio que o Silvio manteve na barca que faz a ligação do Rio a Niterói. Ele passou a vender cerveja, botou bebida, virou ambulante ali. Houve uma repreensão por conta do barulho que ele estava promovendo, e uma semana depois ele se apresentou como Senor, e respondeu aos responsáveis que lamentava o incômodo, mas que achava que a maioria das pessoas estava gostando daquilo. Ele desafiou a perguntarem se o público aprovava ou não, e disse que se a maioria reprovasse, ele pararia de vender bebida na barca. Já demonstrava muita personalidade.

E o episódio da política, no fim dos anos 1980? Você chegou a compará-lo ao fato de Luciano Huck ter desistido de concorrer à presidência neste ano...

Pois é, você vê de que certa forma talvez o desastre do Silvio nesse ponto tenha desanimado outras pessoas. Pelo menos neste ano, ficou só gente da política mesmo (na corrida eleitoral). Esse episódio é importante por vários aspectos. Não acontecia uma eleição presidencial havia quase 30 anos. Imagina! Uma geração e meia, até mais, sem votar para presidente. Foi algo muito simbólico. Aí faltando 20 dias, na época, Silvio solta essa: “eu sou candidato”. Teve ainda aquela situação do “eu sou 26, 26 é o Corrêa, o Corrêa sou eu”, uma coisa surreal, uma piada. Olhando esse material agora, 30 anos depois, com mais atenção, dá para fazer uma análise nova. Foi um ato irresponsável. Nunca vi alguém olhar com atenção para isso e com essa “lupa” que coloquei sobre o fato.

Você diz que buscou informações e encontrou muitos dados errados, confusos. Foi um desafio maior reunir um material nessas circunstâncias?

De certa forma, apontar contradições faz parte do trabalho. Quando encontrava pedaços diferentes do mesmo episódio, ficava ainda mais interessado. Levantei muitas declarações do próprio Silvio sobre vários assuntos e ele conta uma mesma história de várias formas diferentes.

O Silvio sempre foi uma figura controversa, digamos. Já fez comentários machistas, já teve atitudes grosseiras com crianças. Mas tenho a impressão de que muita gente “releva” por ser o Silvio. Você enxerga isso de que maneira?

Eu discordo que as pessoas relevem. Na minha observação – e eu falo disso mais pro final do livro – ele já não é mais o figurão que era justamente em episódios desse tipo, constrangedores, machistas. Eu não tenho uma resposta para isso, mas levanto duas questões: por um lado é um cara de 88 anos, que foi educado e aprendeu a fazer TV em outra era, com base em valores de uma outra época. Por outro, pergunto se é justo cobrarmos que ele se atualize. Em algum momento é (justo), para que ele não continue cometendo esses erros. Em outro, é importante lembrarmos que ele não está nem aí pra isso. É um cara de 88 anos que faz o mesmo há 50 e que tinha a sensação de que estava agradando. É importante falar sobre isso, e é controverso mesmo.

Como acha que foi possível que o SBT sobrevivesse às mudanças de ideia do Silvio?

Por muito tempo chamaram o SBT de “Silvio Brincando de Televisão” (risos). Parte dos acertos dele foi sorte, ele realmente colocou a emissora em situações constrangedoras, cometeu erros, prejudicou negócios em alguns momentos. Mas também acertou muito nas decisões que chamaram muito a atenção no SBT, que levantaram a audiência. É um saldo surpreendente. É incômoda a maneira como ele se meteu em áreas que não eram dele.

Em uma passagem do livro, há registros de que ele queria parar aos 70 anos, mas que os executivos da emissora diziam que sem ele as coisas não andavam. Qual o seu ponto de vista?

Eu acho que do ponto de vista da empresa, o Silvio está preparando a aposentadoria ou a transição. Agora no governo Temer conseguiu transferir para as filhas as concessões a que ele tem direito. Tem filha dele em duas ou três áreas do SBT. Ele realmente não se descuidou disso e se prepara para essa situação. O outro ponto de vista é do Silvio animador de auditório, presente na TV, que mostra a cara. Existe a pergunta de quem vai ser o novo Silvio, mas é realmente muito difícil. Como seria o SBT sem o Silvio aos domingos, dando palpite na programação? Eu acho que ele colocou pessoas boas lá. Até mesmo a Patrícia (filha de Silvio) é uma boa apresentadora, mas não tem a menor condição de substituí-lo. E é algo que nem se pode cobrar, ainda que ele jogue essa responsabilidade para elas (as filhas).

Em tempos de “messianismo”, qual a importância de se explorar um personagem além do mito, como você fez?

Bem, essa é a minha curiosidade como jornalista. Por um lado, pesou o fascínio que tenho pelo Silvio, o respeito pela importância da figura da comunicação, pelo empresário que construiu uma rede. Por outro, tem o lado crítico que casa com o trabalho que faço como jornalista que cobre TV. É um livro coerente com o trabalho que tenho feito, com um olhar sem paixão, tentando entender a maneira como as coisas acontecem na TV aberta.

Falando em TV aberta, como avalia o período pelo qual passamos, com a ascensão de novas mídias e as redes sociais repercutindo o que passa na televisão?

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Eu acho que por questões socioeconômicas, o Brasil ainda está atrasado nessa transição provocada pela revolução digital, se comparado com outros países. A TV, em outros lugares, mudou de forma muito mais drástica do que aqui. E isso está, sim, ligado a questões socioeconômicas. No Brasil, a TV ainda é o principal meio de lazer da maioria das pessoas. A banda larga ainda não é acessível a 40% dos lares brasileiros. As pessoas têm dificuldades, não têm dinheiro para consumir outras coisas além da gratuita. De alguma maneira, o SBT é um bom exemplo de uma TV que não precisou se renovar. Mas em outro país, a TV aberta não tem a relevância que tem por aqui. Uma figura como o Silvio, por exemplo, seria até importante em outro lugar, mas não teria essa permanência toda, esse impacto, influência.

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