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Otto: 'há três anos eu já falava que o fascismo vinha'

Otto: "há três anos eu já falava que o fascismo vinha"

Músico pernambucano se apresenta sexta-feira (7) ao lado de Tunico da Vila no projeto em homenagem a Martino

Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 20:26

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Otto. (Kenza Said)

Otto tocou na banda Nação Zumbi, que deu início ao movimento mangue beat, trabalhou na França e com Jovelina Pérola Negra quando retornou ao Brasil. Entre 2014 e 2016, o músico rodou o país celebrando o clássico álbum "Canta Canta, Minha Gente", de Martinho da Vila. Conhecido por fundir os sons de suas raízes com sons da modernidade, agora ele é o convidado do projeto Spirito Samba e canta os sucessos de Martinho ao lado de Tunico da Vila, no Spirito Jazz, na Praia do Canto.

Em uma conversa sobre arte, mercado musical e política, ele conta também do que mais gostou de conhecer em Vitória: O amanhecer no Pier de Iemanjá. O músico diz, ainda, que pretende conhecer mais do estado capixaba e, quem sabe, curtir um boteco da capital ao lado de Tunico.

São quase 30 anos de carreira, 20 desde Samba pra Burro. Como é olhar pra trás e ver o caminho que trilhou na música? O que mudou? Como era fazer música antes e como é fazer isso hoje?

O que mais mudou quando olho minha trajetória é que antes era só um sonho. Hoje continua sendo um sonho, mas eu fui privilegiado em conseguir construir uma carreira e fazer o que sempre quis desde criança. Meu sonho era ser caminhoneiro, astronauta e músico.  Virei músico. Eu sempre gostei de escrever e me expressar. Mas hoje eu aprendo mais. Estou lidando muito melhor com o que eu posso provir da minha arte. Hoje eu tenho uma noção maior como é fazer arte, que é um responsabilidade com o público. Hoje eu tenho mais de 100 mil pessoas nas minhas redes sociais. Eu me sinto responsável por esse ofício e sou muito mais aplicado à ele. A experiência faz isso. As vezes dá dor no corpo e mesmo assim gente tem que dançar e pular 30 anos depois (risos). Mas vai ser sempre um sonho.

Como estão os preparos para "Canicule", seu próximo disco? O que os fãs podem esperar?

É um disco que fiz todo em GarageBand. Eu fiz mais de 40 músicas e sou eu tocando tudo. Pego o aplicativo de música, que talvez seja o mais infantil, mas é o que eu posso soltar tudo. "Canicule" vem de canicular, que é como dizem quando a chapa esquenta na França, quando o verão chega a 40 graus. É uma palavra que vem do latim. Aí eu cheguei na França e só se falava disso. Eu estava fazendo o meu disco, minhas composições... É um disco todo experimental, mas que eu estou amando fazer. E eu toco tudo, é uma loucura (risos).

Você é pernambucano e mesmo morando fora há uns anos, vemos muito do folclore em sua música. De que forma músicos pernambucanos e nordestinos em geral te inspiram?

Eu sou de Belo Jardim, do Agreste. Fui criado com folclore, com baião, com Gonzaga. O Nordeste contribui muito para a arte. Aliás, acho que o Brasil todo é um só. A gente vive as mesmas culturas. No Espírito Santo, vocês têm o Roberto Carlos que é o extremo do que é ser brasileiro. E o Nordeste tem muita cultura. Além de ser muito misturado e antigo. Desde a colônia, a gente tem essa convivência com o folclore, com as coisas bem brasileiras. Então eu acho que é natural que eu tivesse essa mistura na minha música. Principalmente pela vontade. Porque as coisas populares são vontade de fazer algo e realizar. E eu vou pro mundo e me misturo muito, por ser misturado. Tem maracatu, Gonzaga, baião, caboclinho, o frevo... Eu não sou um cara de levar bandeira, mas sou a própria bandeira. Porque faço parte dessa mistura. Fazemos. Se a gente for pegar nossa etnia, eu tenho tudo. Peguei mais o branco da minha mãe, mas tenho o negro, o índio. Eu sou do interior, vim do povo.

E você consegue decifrar o seu estilo?

Contemporâneo. Eu faço e penso no contemporâneo. Eu sou pai e quando tem alguém mais novo que você, que você precisa estar junto, acompanhando, você se torna ainda mais contemporâneo (risos). Esse é meu som, o que está acontecendo agora. Eu sou o agora, sou vida. Sempre assumo muito isso: música brasileira contemporânea.

Você é conhecido por ser muito transparente nas letras das músicas. É melhor quando se faz música de forma honesta?

Eu sempre tentei trazer para minha música o que eu mais estou sentindo naquela hora, com respeito ao popular. O simples é o popular. Agora quando a gente pensa em uma música com muito "nhanhanhã", muita repetição, eu acho que ela perde o popular e vira o tal do chiclete. Tento não ser chiclete, mas colocar as coisas populares, tento informar. Sei lá, eu tenho a necessidade de atingir outras pessoas porque acho que a música tem que ser para todos. Tento ser o mais esférico possível.

Ao mesmo tempo, se você me perguntar se eu gosto de ligar o rádio, poucas rádios me interessam. A música brasileira hoje é feita de sertanejo - com todo respeito ao sertanejo, funk... Mas se for pensar em dados, nesse mercado atual eu sou aquele 1%, talvez (risos). Mas a música sertaneja de hoje não é que ela seja sertaneja, ela já pegou híbridos ali. Sertanejo eu sei: Pena branca e Xavantinho, Chitãozinho... Tem muita gente boa. Mas se você me perguntar do sertanejo como um mercado que ela assumiu, aí já vemos algo genérico, meio Bahia. E eu gosto de música baiana, gosto de axé também. Mas aquele axé...

Então, eu não faço música para trabalho. Eu não sei a quem eu estou vendendo, eu sei a quem estou dando, a quem estou informando. É uma coisa estranha pensar nisso... Mas respeito todos. Sou amigo de vários músicos populares. Mas o que eu quero dizer é que quando a música vira um gênero só, quando é demais, quando ela apesenta ser o que não é, eu deixo de ouvir. Mas tem gente que gosta. Eu gosto do simples na forma que a música chega nas pessoas. Independente de como eu escreva, eu posso chegar naquele determinado cidadão. A qualidade popular tem que existir e a qualidade popular é a simplicidade. "Ciranda de Maluco" já faz parte de algumas Orquestras de Olinda. E quando uma orquestra de Olinda toca um frevo, ela está eternizando. Isso é ser popular. O popular eterniza.

Em "Ottomatopeia", de 2017, você falou sobre tortura e fascismo, palavras que foram muito ditas em 2018. Como artista, como tem sito esse momento político pra você? Como você acha que esse momento pode interferir na nossa arte?

Você tocou bem no assunto. "Ottomatopeia" foi lançado em 2017, mas há três anos eu já falava que o fascismo vinha. Já está vindo há mais anos, isso aí eu só coloquei em disco. Foi preciso tirar uma presidente, prender um ex-presidente – e eu respeito a justiça, mas as teses ainda não se sustentam - houve um golpe e estamos há algumas semanas da posse do Bolsonaro. Não é que pode piorar, já piorou. Uma pessoa que apresenta a arma como solução para os humanos e sendo ele militar, eu acho estranho. Eu acho é que a polícia é que tem que se responsabilizar e não dar armas à população, isso é algo que eu abomino.

A grande luta do mundo hoje, a grande final, o armageddon, vai ser a luta da mulher como afirmação na sociedade. E o Bolsonaro... (risos) bom, realmente ele é o menos próximo dessa ideia de autonomia feminina que já é algo, mas ainda é uma luta muito grande. Há feminicídio, há machismo, há racismo. E a mulher vai defender o trans, vai defender o homem, é a mãe, né? Aprendi muito, estou aprendendo e estou mais ciente sobre a ideia da igualdade. E o Bolsonaro vai contra tudo isso, é a arma, é a misoginia. Vemos a situação do gay, do negro, do índio, da nossa Amazônia. É algo que assusta, mas as pessoas não querem ver. O perfil dele é esse e é perigoso para uma sociedade moderna e contemporânea. Essa ligação com política e religião é perigosa também. Não concordo. Respeito a democracia, mas acho que passaram do limite no Brasil. Acho que a gente não precisava ser tão contra um sistema porque quando você ganha uma eleição culpando um partido só, uma pessoa só, fazendo um Cristo, como um único culpado, é triste ver isso, mas tudo bem. Não vou nem discutir isso, precisaria de mais meia hora.

Mas em toda a sociedade, onde há fascismo, a liberdade está lá. E o artista é o liberto. É o cara que vai dançar e cantar para as pessoas verem. Mas nunca deixamos, em nenhum momento – a opressão deixa – a nossa liberdade, porque esse é o fator de existência. A arte nunca vai morrer em nenhum momento da humanidade. Pelo contrário, a primeira manifestação do homem é a arte, é um grito é um choro. A arte é imortal.

Entre 2014 e 2016, você rodou o país celebrando o “Canta Canta, Minha Gente” de Martinho. Já li você dizendo que é o CD que melhor representa a sua infância. Qual sua ligação com Martinho da Vila?

Não só minha infância, é o disco, o cantor, o compositor que me fez. Em 74 eu morava em Flores e ganhei o “Canta Canta, Minha Gente”, que até hoje eu canto. São mais de 40 anos que eu celebro Martinho da Vila que, para mim, é um dos maiores gênios da nossa música, um representante do Brasil, de uma cultura, de uma raça, um patrimônio da humanidade. Eu vou estar aí com Tunico, que é filho do homem. A gente se conheceu em um programa da Fátima Bernardes que estava Mart'nália, que eu já conhecia. Conheci Tunico, adorei. Ele me convidou pra ir e eu vou com muita vontade. Ainda não pude fazer meu show aí, mas uma hora a gente vai poder. Mas é bom estar em Vitória. Sou amigo da Macucos, da Manimal, do Alexandre Lima, desde os anos 90. Adoro o Espírito Santo, terra de Roberto Carlos, que é de Cachoeiro de Itapemirim, mas é um grande representante. Adoro a vibe de Vitória. Já fiz shows pequenos por aí, fui umas três vezes. Tá na hora de ir mais. Vou fazer um Ottomatopeia aí. Mas por enquanto, sexta-feira estarei com Tunico no Spirito Jazz, na Praia do Canto.

Você e Tunico começaram como percussionistas e atuaram fora do país. Quais outras semelhanças vocês possuem?

Além de ser Ferreira? (risos). Ele da família. Eu sou Ferreira e ele também. As semelhanças são essas, somos percussionistas. A energia e a alegria é a mesma. O samba uniu a gente. Temos em comum várias coisas. Os Ferreiras do samba e do maracatu. É uma honra.

Você já teve em Vitória umas três vezes. O que mais gostou de conhecer?

O pier de Iemanjá, as pedras, a ponte... Eu lembro que vi um amanhecer lindo debaixo da estátua de Iemanjá. Vitória é muito linda. Quero conhecer mais.

Agora Tunico tem que te levar em algum boteco ou roda de samba, porque ele já conhece todas.

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Aí eu vou! Mas tem que ser uma noite só, se não eu não aguento (risos).

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