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Rodrigo Vellozo deixa o samba de lado e busca nova sonoridade

Rodrigo Vellozo deixa o samba de lado e busca nova sonoridade

Vivendo fase de autoconhecimento, filho de Benito di Paula lança "Cada Lugar na Sua Coisa"

Publicado em 18 de janeiro de 2019 às 23:01

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“Ele me conecta com a minha essência. É como se eu tivesse começando um outro lance a partir dele”. A declaração do cantor, compositor, ator e pianista Rodrigo Vellozo sobre o terceiro disco de sua carreira, “Cada Lugar na Sua Coisa”, revela a busca por sua identidade artística.

Aos 36 anos, o filho de Benito di Paula descobriu no início da sua adolescência a vontade de seguir a carreira musical. Com a família de músicos e dividindo o palco com o pai por anos, Vellozo diz viver uma fase de autoconhecimento e aceitação da voz ‘estranha’, como ele mesmo a define.

Sobre a conexão com sua essência, esse é o primeiro disco não de samba de Rodrigo. No primeiro trabalho, “Samba De Câmara”, ele mistura o estilo tipicamente brasileiro com a música erudita. O segundo, “Como é Bonito, Benito”, é um tributo aos 40 anos da carreira do pai e conta com artistas que fazem parte do convívio com a família.

“Este (‘Cada Lugar...’) é completamente diferente. Sempre achei que tinha uma voz estranha e passei por um processo de reflexão do que é bonito e do que é feio. Acabei aprendendo a gostar dela (a voz). Este disco me traz a liberdade de não me ater aos lugares que devemos ocupar, de entender a minha essência como múltipla e de não limitar a minha possibilidade como cantor a um só estilo”.

A necessidade de um novo disco veio da atuação de Rodrigo no teatro. “A peça era sobre um menino de rua, uma figura tão comum do cotidiano das grandes cidades, e isso me tocou. Em alguns momentos da peça eu cantava e percebi que era diferente da forma que canto com meu pai. Era isso que eu queria passar na minha música”, explica.

O disco, inspirado na música brasileira produzida no final da década de 1960 e início da década de 1970, mistura autorais com releituras de Luiz Melodia, Marina Lima e Sérgio Sampaio. Rodrigo conta que a opção de gravar o disco com banda era para conferir ao trabalho um sentimento de gravação “ao vivo”.

Segundo o músico, “Cada Lugar em Sua Coisa”, foi a última canção a tomar forma “Ela sintetizou tão perfeitamente tudo o que foi feito que acabou dando nome ao disco”, lembra. As gravações já tinham terminado quando o produtor pediu que ele cantasse a música de Sérgio Sampaio.

Benito e Samba

Apesar da pegada diferente do disco, Vellozo afirma que não está rompido com o samba. “A minha relação com o samba é a melhor possível. Eu amo o samba, amo o carnaval. Amo cantar samba. Mesmo nesse disco, em que quis gravar algo completamente diferente, ele aparece lá de uma forma, porque isso é muito forte para mim”, declara.

O tom que Rodrigo usa para se referir a Benito di Paula, seu pai, é de profunda admiração, mas as comparações, inicialmente incomodavam.

“Quando eu comecei eu tinha muita inocência porque acompanhava meu pai e a música era algo muito natural. Eu não sabia que as pessoas seriam maldosas, que fariam críticas só para derrubar. Acho a relação dele com os fãs muito bonita, mas eles costumam se assustar com o meu visual e quando abro a boca”, conta Rodrigo, que hoje ri ao se lembrar disso.

Confira a histórias das músicas faixa a faixa: 

1. Farrapo Humano (Luiz Melodia)

“No primeiro encontro com o produtor artístico do disco, o Marcus Preto, lembro que falamos sobre o disco Pérola Negra do Melodia e dos discos da ngela Rorô. Fiquei com Farrapo Humano no meu repertório desde então. Fui cantando nas apresentações que fazia e vi que funcionava demais com o público. Eu cantava só, ao piano. Na hora de gravar, num primeiro momento, fiquei pensando no caminho que seguiríamos pro arranjo. Um dia, na casa do Preto, chegamos na gravação do Gil da música Nêga, com aquela introdução de violão sensacional. E pensamos: pode ser por aí”.

2. Para Fazer Sucesso (Romulo Fróes / Nuno Ramos / Guilherme Held)

“Sou fanático no Romulo Fróes. Acho ele um dos compositores mais legais desses tempos. Desde o princípio era um compositor que eu queria cantar. Essa letra eu acho muito, muito importante e emblemática para mim. Há anos vivo a realidade e as dificuldades da carreira artística e a reflexão sobre a necessidade e os perigos de sucumbir ao que temos como ideal de sucesso nos dias de hoje, faz parte do meu dia a dia. O arranjo flerta com uma coisa mais pesada, com vocais sobrepostos, dobrados, e uma mudança rítmica radical”.

3. Tão Fácil (Marina Lima / Antônio Cícero) 

"Fui criado no Rio de Janeiro, e quando eu era pequeno a Marina era a maior diva. Uma espécie de Madonna carioca, descolada, uma artista genial. No começo do ano passado, muito antes de gravarmos o disco, o Marcus Preto me mandou um link com esse blues dizendo que tinha pensado em como ficaria se eu cantasse. Na mesma hora sentei no piano e brinquei com a música. Nossa versão ficou um pouco diferente da original da Marina, menos rock e mais blues. Procurei cantar quase tudo de forma bem sutil, quase falando mesmo. O Paulinho Viveiro arrebentou no trompete nessa gravação”.

4. Tranquilo (Mauricio Pereira)  

“Uma das coisas mais legais do processo de criação deste álbum, foi o convívio com o Preto, a troca mesmo. Ele me levou ao show do Mauricio Pereira em 2015, bem antes de pensarmos em concretizar o disco. E eu saí de lá completamente arrebatado. Eu sempre fui do samba. Meus outros álbuns eram de samba e esse é o samba deste álbum. Tem uma letra muito pessoal. Fala sobre a liberdade de se ter mais de trinta anos. A gente fica mais tranquilo, menos ansioso, conseguimos observar tudo com um olhar mais bem humorado”.

5. Trágico (Rodrigo Vellozo / Thiago Sak)

“Essa música é especial porque foi a primeira que eu compus quando comecei a pensar num possível repertório novo para mim. Não é à toa que o show que fiz solo em 2016 se chamava Trágico. Meu parceiro é o querido amigo e ator Thiago Sak. Estudávamos juntos e ele me enviou uma poesia linda que relacionava uma situação cotidiana com o entendimento que temos da grandeza dos bons personagens de teatro trazem. Tem a ver com a liberdade de poder ser tudo o que se quer ser, de disseminar o amor entendendo que somos muito mais parecidos do que diferentes uns dos outros.”

6. Cada Lugar Na Sua Coisa (Sérgio Sampaio)

“Essa foi a última música a entrar no repertório desse disco. Tomei um susto (dos bons!) com aquela letra, aquela gravação do Sérgio Sampaio surgindo pra mim naquele momento de criação artística tão intenso. Fiquei pensando no lugar do artista e da obra de arte nos dias atuais. Foi impactante. Quando terminei de por as vozes, sentei no piano e toquei acho que duas vezes a canção do Sérgio Sampaio, meio que ainda sem saber se entraria. Acabou sendo a única faixa piano e voz, gravada ao vivo. E o título do álbum”.

7. Anjo (Nuno Ramos)

“Essa é uma composição do Nuno Ramos, originalmente eu pensava que era do Romulo Fróes, tamanha a propriedade com que ele cantava no disco. Uma letra dura, seca. Que fala da realidade social do nosso país de um ponto de vista bastante urbano. Na gravação, usamos como referência inicial o arranjo de Piazzolla para gravação de As Ilhas do LP de 1975 do Ney Matogrosso. Na hora, com a banda Cosmopolita, a idéia ganhou cores próprias e virou o que está no disco. Quando organizamos a ordem das faixas no disco, ficamos pensando no lado A e lado B. Essa gravação seria a abertura do lado B”.

8. Arrego (Jota Velloso / Andó)

“Essa é muito especial porque ser uma composição do meu querido tio, Jota Velloso, em parceria com o Andó, originalmente gravada pela divina Elizeth Cardoso. Meu pai tinha muito carinho por ela. Na família, é motivo de orgulho saber que existe uma canção do meu tio registrada naquela voz. Meu tio faleceu precocemente em 2002 e deixou uma obra bastante vasta e interessante como compositor”.

9. Alívio (Rodrigo Vellozo / Xande de Pilares)

“Durante a pesquisa de repertório pedi, através do meu pai, uma música para ele. Ele me enviou duas. Uma finalizada e uma letra sem melodia. Claro que não iria perder a chance de virarmos parceiros, mesmo que pelo WhatsApp. Acabei fazendo este samba”.

10. Mito (Rodrigo Vellozo / Anna Toledo)

“Mandei pra ela a melodia e ela, no dia seguinte me mostrou essa letra super leve, bonita e delicada, que relaciona os mitos com nosso dia a dia cotidiano. Originalmente era um samba, quase bossa. Na hora da gravação, decidimos seguir por um outro caminho”.

11. You (Rodrigo Vellozo / Benito Di Paula)

“Essa é a única parceria que tenho com meu pai. Foi a primeira música que escrevi, quando ainda era criança, logo após a separação dos meus pais. Fala de uma ausência que é preenchida pelo significado da relação. Acessar essa maneira de cantar, quase que num tom de prece, de oração, chamando o ouvinte pra perto foi um desafio e me colocou em contato com toda a história e a emoção que estava lá, guardada desde a infância. A primeira composição da minha vida encerra o álbum”.

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