Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018, com "Uma Mulher Fantástica", o chileno Sebastián Lelio tem pautado sua carreira em desnudar os dilemas de mulheres solitárias em busca da felicidade plena.
No longa citado, uma garota trans, rejeitada pela sociedade e pela família, anseia ser feliz após a perda do amor. Em Desobediência (2017), duas amigas presas nas tradições judaicas tentam viver uma relação marcada pelo desejo proibido. Por sua vez, Gloria Bell - seu novo projeto em cartaz no Estado - traz uma mulher de meia-idade que deseja viver intensamente sua sexualidade em encontros furtivos. Em comum, todas sofrem com o mal do século: a solidão.
Ao explorar a dor e o desamor (com um pé na melancolia e no intimismo), Sebastián Lelio se aproxima de mestres do cinema humanista, como John Cassavetes e Chantal Akerman. Da cineasta belga, vemos nos filmes de Lelio o poder do feminino e o naturalismo na busca pelos direitos da mulher em tom hiper-realista. De Cassavetes, por sua vez, há o domínio do corpo e as compulsões sexuais sem amarras.
Ramake de seu clássico de 2013, o realizador chileno decide apostar na fórmula em time que está ganhando não se mexe. Glória Bell é mais do que uma refilmagem. É um filme praticamente idêntico ao Glória original. Lelio regrava cenas quadro a quadro - sem exagero - e mostra a mesma história, só que agora falada em inglês e tendo Los Angeles como pano de fundo.
A opção pode causar estranheza aos fãs brasileiros (que cultuam Glória), mas surtiu um efeito positivo no mercado americano. Como a maioria do público que frequenta salas nos Estados Unidos não gosta de ver filmes legendados, a trama é praticamente inédita por lá. O Glória original é uma pequena obra-prima. Portanto, a versão americana não poderia ser menos do que um filme excelente. Não causa espanto a unanimidade de crítica e de público norte-americano e a louvação à excelente performance de Julianne Moore, como a personagem título. Muitos críticos já colocam a atriz na corrida pelas premiações de fim de ano.
BUSCANDO
Moore herda um papel irresistível, vivido magistralmente por Paulina Garcia no original: uma mulher divorciada que chega aos 50 anos reivindicando seu lugar em um mundo dominado pela juventude imediatista e por amores furtivos. Na pista de dança - seu habitat natural - e ao som de clássicos como Never Can Say Goodbye, de Gloria Gaynor, September, de Earth Wind and Fire e, claro, Gloria, de Laura Branigan, ela conhece o charmoso Arnold (John Turturro, canastrão como o papel exige), recém-divorciado e com problemas familiares.
A química entre Julianne Moore e John Turturro é deliciosa. A dupla transmite a sensualidade e a intimidade essenciais para o objetivo de Sebastián Lelio em seu remake: manter os principais ingredientes de uma fórmula que abrange solidão, dignidade e louvação aos pequenos prazeres da vida.
Gloria usa os relacionamentos, sejam certos ou errados, para vencer a frustração de ser ignorada pelos filhos (vividos sem muito brilho por Michael Cera e Caren Pistorius) e de ter um ex-marido que a trocou por uma mulher mais jovem.
Se há algo fora do tom em Gloria Bell é a necessidade de Sebastián Lelio em despolitizar o novo filme para satisfazer o padrão mediano do público americano. Sai a sociedade chilena que tenta se reconstruir e esquecer os traumas da ditadura Pinochet, e entra uma Los Angeles ensolarada e sem muitas preocupações sociais, mesmo entrando na Era Donald Trump. Nada, porém, que tire o prazer de se assistir a um filme que transmite vontade de viver em cada fotograma.
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