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Kassin lança novo projeto em parceria com o rapper Jeza

Kassin lança novo projeto em parceria com o rapper Jeza

EP Jeza+Kassin mistura influências modernas

Publicado em 24 de abril de 2019 às 20:07

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Jeza Kassin. (Chiara Banfi)

Zuenir Ventura descreveu, em 1994, um fenômeno que persiste até hoje: Rio de Janeiro é uma cidade partida. Existe um abismo social que separa a cidade em duas. Isso é perceptível de várias maneiras, das mais óbvias, como as favelas, e das maneiras mais subjetivas, como a língua com léxicos próprios de cada grupo social. Ainda assim, há espaços que se percebe uma grande integração, apesar da distância, e um destes é a música.

O projeto Jeza Kassin une dois músicos de diferentes realidades e sublinha bem a integração com um excelente entendimento. Jeza da Pedra, nascido e criado em uma das comunidades com o pior IDH do Rio, negro e gay, se junta a Alexandre Kassin, um dos mais conceituados produtores do país, que já trabalhou com grandes nomes como Los Hermanos, Caetano Veloso e Gal Costa. O primeiro produto desse improvável casamento, o EP “Jeza+Kassin”, passa por trap, funk 150 e hip hop.

O EP apresenta uma junção de ritmos que estão em uma ascensão de popularidade hoje. Com presença marcante de tambores, a primeira faixa “Pedra do Sal”, veio com a ideia de ser algo como “DJ Dennis do Mal”, definido assim por Jeza no faixa-a-faixa, que você confere abaixo. A segunda música, “Ih Crl”, é uma faixa inspirada fortemente no funk 150, subgênero do funk carioca com batidas a 150 BPM, muito mais acelerada que o normal. Na contramão da anterior, “Escuta” é uma baladinha que descreve um amor entre dois homens. Fechando o EP, “Lajão do Final Feliz”, segue um percurso através de bairros que marcaram a vida de Jeza.

A ideia por trás do projeto surgiu quando Kassin começou a fazer programações com muitas percussões, mas ele não se sentiu satisfeito com o resultado. “Eu senti que eu não era a pessoa pra fazer aquilo, minha voz não combinava, parecia falso para o que eu queria chegar”, como conta Kassin, em entrevista por telefone para o Gazeta Online.

A dupla com Jeza começou por acaso, segundo Kassin. Uma pessoa que trabalhava com os dois, mostrou o disco de Jeza para Kassin e ele ficou encantado. “Quando eu liguei, descobri que ele gostava do que eu fazia e ele topou a experiência. Logo no primeiro dia bateu imediatamente, foi sintonia total. A gente começou fazendo uma música e acabou saindo 13, 14 músicas já”, resgata Kassim, que adianta que há planos para o lançamento de um disco completo ainda neste ano.

Faixa-a-faixa, por Jeza da Pedra:

Pedra do Sal: A Pedra do Sal é sinônimo de resistência, berço do samba e local sagrado onde nasceram as religiões afro-brasileiras. Antes da zona portuária ser aterrada o mar começava exatamente ali. Fiquei viajando nessa parada da Pedra do Sal, na falácia da meritocracia, no apartheid geográfico que recorta o Rio e priva o direito de ir e vir das pessoas que moram distantes do Centro e da zona sul.

O mote da letra surgiu depois que o Kassin me explicou que a linha percussiva tinha enredo com toques de Exu. A gente também tinha como referência fazer um bagulho meio “DJ Dennis do mal”, algo que fosse dançante, bem pra cima numa vibe tipo pista de dança da Via Show.

IH CRL: Foi a música que fizemos mais rápido no estúdio. Mauro, Kassin e eu estávamos conversando sobre a pira do 150bpm no Rio, de como que se constituía o corpus linguístico do funk dentre outras paradas.

O funk, tal como é produzido e consumido na favela nos dias de hoje, não tem pretensão de soar politicamente correto, porque nesses territórios periféricos as leis, a soberania e legitimidade do Estado desaparecem por questões óbvias (impunidade policial, descaso com a saúde, educação, saneamento, cultura, e por aí vai). É também uma voadora na indústria cultural porque quem produz funk, ‘tá cagando se o som vai vingar ou não na pista.

Acho que a gente fez a “IH CRL” com esse ímpeto do “foda-se”. A gente só ‘tava querendo se divertir fazendo um som maneiro. Sou suspeito pra falar mas acredito que o nosso registro ficou bastante fidedigno à proposta de um proibidão tiro de bazuca hi-tech.

Escuta: Essa foi a última que entrou no EP. Eu ‘tava com a letra e melodia prontas e muito sem graça de mostrar ao Kassin porque achava tudo muito love song ‘xonadinha e diferentona demais. Eu a compus pensando no tanto que já vacilei por causa desse bagulho de ciúme e inseguranças.

A princípio, a ideia era fazer um funk melódico, só que parecia que a gente ‘tava utilizando uma fórmula meio batida e repetitiva, o que destoava esteticamente do projeto e não dialogava muito bem com a proposta musical daquilo que havíamos imaginado. Foram três versões até chegar ao resultado final.

Eu queria que o nome fosse “Amor Líquido” por causa de um livro do Zygmunt Bauman que já me fez pirar bastante. Só que parecia um nome acadêmico demais para uma love song. Perguntei ao Kassin o que achava e ele rechaçou a ideia, mas simplificou as coisas com uma sugestão melhor: “Escuta”. Aí ficou o nome.

Lajão do final feliz: É sobre os bairros que fizeram e ainda fazem parte da minha história no Rio. É sobre um percurso que começa em Madureira e passa por vários bairros e favelas da zona norte até chegar na Prainha do Vidigal e terminar na estação de metrô General Osório, em Ipanema.

Há muitos anos, havia uma pichação no muro da estação de metrô da Pavuna dizendo que “Pavuna significa buraco escuro em tupi”. Nunca procurei saber se essa informação é de fato verídica, contudo, creio que todos que vivem naqueles arredores têm esse inscrito na memória – e isso me marcou tanto que acabou entrando na letra. Acho importante exaltar bairros e favelas que não figuram com frequência na música popular e que fazem parte daquilo que eu sou.

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