Bandidos sedutores no cinema são sempre uma atração à parte. É difícil não se apaixonar por Danny Ocean (George Clooney), em 11 Homens e um Segredo (2011), por exemplo. Resistir a Clyde Barrow (Warren Beatty), de Bonnie and Clyde (1967), ou mesmo a Butch Cassidy e Sundance Kid (Paul Newman e Robert Redford, respectivamente), do filme de mesmo nome lançado em 1969, é um exercício e tanto.
Tomando as devidas proporções, também é praticamente impossível não se encantar com a dupla de anti-heróis Carlos Robledo Carlito Puch (Lorenzo Ferro) e Ramón (Chino Darín), que protagonizam o drama policial argentino O Anjo (em cartaz no Espírito Santo).
O interesse se dá graças à ótima química entre Ferro e Darín, bem dirigidos por Luis Ortega em uma trama movimentada, que mistura o noir e a violência gráfica de Quentin Tarantino com a sofisticação visual de Pedro Almodóvar (produtor do longa argentino). Não à toa, a fotografia estilizada de Julián Apezteguia abusa dos tons vermelho-sangue, azul e verde vibrante, muito comuns nas obras do mestre espanhol e usadas com maestria em clássicos como De Salto Alto (1991) e Kika (1993).
De Almodóvar, também, há a opção emocional de escalar uma de suas musas, Cecilia Roth, como a mãe superprotetora de Carlito. A atriz argentina trabalhou com o espanhol em seu filme mais premiado e cultuado, Tudo Sobre a Minha Mãe.
A história climática de O Anjo também é destaque. Luis Ortega acerta ao apostar no intimismo quase minimalista para retratar o maior serial killer da Argentina, o já citado Carlito Puch. Por conta de sua aparência angelical, a imprensa de seu país o chamava de O Anjo da Morte. Celebridade da noite para o dia, acredita-se que tenha cometido mais de 40 roubos e 11 homicídios. Hoje, quase 50 anos depois de sua prisão, Carlos é o prisioneiro mais antigo na história argentina e ainda possui uma legião de fãs.
DITADURA
A reconstituição de época retrata quase que cirurgicamente uma Argentina em busca dos valores morais perdidos enquanto enfrentava a ditadura militar de Alejandro Lanusse, no início da década de 1970.
O Carlos personificado por Ferro nada mais é do que o produto de uma juventude sem perspectivas, que rouba para passar o tempo e mata por diversão, em uma dura crítica social proposta pelo roteiro de Sergio Olguín, Luis Ortega e Rodolfo Palacios.
Ao contrário do que possa dar a entender, O Anjo não glamoriza o crime. Lógico que o filme não é moralista, mas a dura crítica à imprensa e sua necessidade de construir mitos traz um tom mais sóbrio ao filme.
Ramón, espécie de mentor e interesse sexual de Carlito (em uma tensão homoerótica que é apenas sugerida) poderia ser apenas um coadjuvante na trama. A expressividade de Chino Darín tira o personagem da mesmice, compondo um bandido que usa o sexo para conquistar a fama no showbiz. Sua masculinidade e olhar endurecido contrasta perfeitamente com a delicadeza feminina de Lorenzo Ferro. Filho de Ricardo Darín, Chino herdou o talento e o carisma do pai. Sua atuação sólida comprova isso.
A atmosfera complexa de O Anjo casa perfeitamente com o tom de crônica social quase policialesca que o cinema argentino vem impondo as suas produções. Com a mesma história violenta, Luis Ortega busca inspiração em Pablo Trapero, que também mostrou a ditadura militar influenciando um crime bárbaro, como visto em O Clã, de 2015.
Há, também, a sordidez social de Damián Szifron (Relatos Selvagens, 2014), principalmente em retratar pessoas vivendo em situações-limite e apostando na barbárie para sobreviver. Seria uma radiografia da crise econômica atual da Argentina?
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