"Verdadeiramente, homem de bem é o que pratica a lei da justiça, amor e caridade, na sua maior pureza". A frase - muito atual na sociedade brasileira que, em época de discussão sobre armamento, subverte o significado de "cidadão de bem" - foi dita há quase 200 anos pelo professor, pedagogo e estudioso francês Hippolyte Léon Denizard Rivail.
Hippolyte, que mais tarde adotou o pseudônimo de Allan Kardec, é considerado o pai do espiritismo, cuja doutrina, mensagens e profecias são muito difundidas no Brasil (um dos países mais espíritas do mundo em termos de número de adeptos). Portanto, não é exagero dizer que a cinebiografia "Kardec", que estreia nesta quinta-feira (16) em mais de 400 salas do Brasil, incluindo o Espírito Santo, era esperada com muita ansiedade pelos kardecistas.
Inspirado no livro homônimo do jornalista Marcel Souto Maior, "Kardec" é dirigido por Wagner de Assis, diretor que já flertou com assuntos de cunho espiritual em projetos como "A Menina Índigo" (2016) e "Nosso Lar" (2010), que levou mais de quatro milhões de pessoas aos cinemas.
Em entrevista ao Gazeta Online, Wagner de Assis diz que prefere não criar expectativas em relação à bilheteria de seu novo filme, mas afirma que tem recebido apoio da comunidade espírita no Brasil. Mesmo com a modéstia do diretor, comenta-se no mercado audiovisual que "Kardec" tem potencial para atingir o mesmo número de ingressos vendidos que Nosso Lar.
"Sei que pessoas estão realizando caravanas para ir aos cinemas. Tivemos pré-estreias lotadas em todas as sessões e a pré-venda de ingressos também foi bem significativa. A repercussão está sendo maravilhosa. Muitos saem chorando da sessão, dizendo que fizemos um trabalho bem fiel aos ideais que Kardec sempre defendeu", comemora o cineasta.
A trama do filme desvenda os bastidores da concepção de "O Livro dos Espíritos" (1857), trabalho mais importante de Rivail e considerado, por seu caráter mediúnico, uma espécie de "bíblia do espiritismo".
Na Paris do século XIX, o cético professor Rivail (Leonardo Medeiros) é convidado para uma sessão mediúnica. Obcecado pelo que assistiu, inicia uma investigação em busca da verdade a partir de métodos científicos. Perseguido por políticos e pela Igreja Católica, que o acusava de necromancia, por tentar adivinhar o futuro usando os mortos, Kardec conta com o apoio da esposa, a também professora e musicista Amélie-Gabrielle Boudet (Sandra Corveloni), para seguir com o seu trabalho.
ELENCO
Assis acredita que parte do êxito do filme se dá pela escalação do elenco, em especial Leonardo Medeiros e Sandra Corveloni. "Ele sempre foi a primeira opção, tanto minha quanto a do Marcel (Souto Maior, autor do livro). Foi mágico ligar a câmera e 'ver' o Kardec na minha frente. O Leonardo e a Sandra fizeram um mapeamento de emoções necessário para o papel. Foi uma química perfeita", elogia.
Ao contrário de "Nosso Lar", que contava com um visual um tanto amador, "Kardec" chama a atenção por suas esmeradas fotografia, figurinos e direção de arte. O trabalho dos diretores de arte Claudio Amaral Peixoto e Helcio Pugliese realmente é de saltar os olhos e pouco visto na produção nacional.
De acordo com o realizador, filmar em Paris foi fundamental para o sucesso do projeto. "A cidade não é mais a mesma, claro. Portanto, usamos computação gráfica para apagar qualquer vestígio de modernidade, como os prédios e os carros. O filme tenta retratar fielmente a Paris pré-revolução arquitetônica, uma cidade opressora, suja, mas bastante intelectualizada. Captar aquela luz foi essencial para o desenrolar da trama".
Assis nega que seu filme seja voltado apenas para os espíritas. "É um trabalho universal. Não quero difundir doutrinas e filosofias da religião. Falamos de um homem que usou a ciência para provar o que acredita: sua fé", conta, dizendo, obviamente, que sua proximidade com os seguidores do espiritismo foi importante para a concepção da trama. "Conheço os códigos e os símbolos. Foi mais fácil descortinar o Kardec humano, fora das capas dos livros".
DESAFIOS
Ressaltando que seu filme tenta fazer uma "jornada na luta contra a intolerância que não nos permite evoluir como pessoas melhores", o realizador também falou sobre a crise no mercado exibidor e a necessidade de criar uma reserva de mercado para o produto nacional.
"Estamos passando por tempos sombrios. Lutas políticas e ideológicas, cortes nas leis de incentivo para o audiovisual e falta de patrocínio. Colocar um filme na rua é um desafio arriscado para o realizador. Portanto, é preciso ter uma sala, um espaço, em meio a tantas superproduções estrangeiras. Precisamos de leis mais firmes para valorizar o produto nacional", defende.
Para Assis, a internet e o serviço de streaming, como a Netflix, por exemplo, não pode ser visto como inimigo. "O cinema tradicional, e sua magia, nunca vai acabar. O streaming é apenas mais uma opção de mercado. Jovens realizadores estão fazendo trabalhos esteticamente muito interessantes nesse modelo de exibição", aponta.
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