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Vila Velha: Cai a lei que impõe restrições às manifestações artísticas

Vila Velha: Cai a lei que impõe restrições às manifestações artísticas

O Tribunal de Justiça do Espírito Santo afirmou, em decreto publicado em março, que "somente à União cabe exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas"

Publicado em 13 de maio de 2019 às 19:49

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Justiça decide que "Lei da Censura" é inconstitucional. (Reprodução)

A nudez, pelo menos em Vila Velha, não será mais castigada. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo deu um parecer positivo à ação do prefeito Max Filho que pedia o impedimento da chamada (pelos artistas)  “Lei da Censura”. Aprovada em dezembro de 2017, a Lei nº 5.954/2017, de autoria do vereador Reginaldo Almeida, previa uma regulação etária para espetáculos públicos, exibições ou apresentações artísticas ao vivo que pudessem induzir ao uso de drogas, à prática de crimes contra a dignidade sexual e à divulgação de mensagens nocivas à moral pública, como a nudez, por exemplo.

Na prática, a aprovação do projeto garantia às autoridades de Vila Velha um instrumento legal, com força jurídica, para impedir a realização de eventos na cidade que "poderiam afrontar os bons costumes, os princípios cristãos e os valores morais, tão essenciais para fortalecer o papel da família, da igreja e do Poder Público, na formação de crianças e adolescentes", explico o site da Câmara de Vila Velha, em publicação de 2017.

O parecer do órgão estadual foi publicado no final de março de 2019. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo decretou a inconstitucionalidade da lei por acreditar que "Somente à União cabe exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e de televisão".

Vereador Reginaldo Almeida é o autor da Lei 5.954/2017. (Reprodução (arquivo))

SEM CENSURA

Além disso, o órgão público estadual reafirma, no mesmo decreto, que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto na Constituição de 1988". 

Com o novo decreto, as autoridades de Vila Velha não têm mais força jurídica para impedir a realização de eventos de qualquer natureza na cidade. 

O procurador-geral do município de Vila Velha, José de Ribamar Lima Bezerra, afirmou que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo respeitou uma norma da União. "O município de Vila Velha entrou com uma ação de inconstitucionalidade da lei pois apenas a União pode exercer esse tipo de classificação às artes. Outro órgão não tem essa competência", reiterou.

O quadro "Janela da Fé", em óleo sobre tela, do artista Ademir Torres, recebeu duas tarjas de "censurado" durante o período em que a lei estava em vigor. (Casa da Memória de Vila Velha)

Dizendo que a queda da lei pode ser encarada como uma vitória da classe artística, o procurador fala que nenhum tipo de censura pode ser aplicada. "Devemos seguir a liberdade de expressão presente na constituição de 1988. Uma legislação municipal não pode entrar em confronto com regras federais".

Manoel Góes, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha, também comemora a queda da Lei nº 5.954/2017. "Em função dos tempos negros que estamos vivendo, com retrocesso cultural e social, é uma grande notícia, uma batalha que vencemos, pois uma censura às artes nunca pode ser aceita", afirma, dizendo que a própria produção cultural da cidade estava sendo prejudicada por conto do projeto.

"Professores e diretores de escolas estavam ligando para galerias e museus perguntando se tinha nudez ou se era permitido levar crianças. Eles tinham receio de algo relacionado à pedofilia. Essa política do medo não pode ser imposta à arte. Espero que, com a queda a lei, a atividade cultural possa voltar a sua normalidade", acredita.  

Procurado pela reportagem, o vereador Reginaldo Almeida preferiu não se manifestar.

DEMORA E PROTESTOS

A PMVV esperava um parecer do Tribunal de Justiça desde o ano passado, quando, em 21 de fevereiro de 2018, protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no TJ-ES, solicitando que os efeitos da lei fossem suspensos. Na época, os vereadores de Vila Velha aprovaram o decreto por conta própria, não respeitando o veto do prefeito Max Filho.

A ação causou muita polêmica junto aos artistas. Várias manifestações foram feitas, como a censura proposital às partes íntimas de um quadro de Ademir Torres que mostrava uma mulher nua na exposição “Universo Feminino”, exibida no ano passado na Casa da Memória, na Prainha de Vila Velha.

O artista plástico Rodolpho Valdetaro chegou a ter duas de suas obras censuradas na exposição “Imagens da Fé”, montada também no ano passado. As obras, que traziam Nossa Senhora amamentando, tiveram que ser sobrepostas com lenços para que os seios representados não aparecessem.

Artista tem obra censurada em museu de Vila Velha . (Manoel Goes)

Em instância estadual, um projeto de lei que proibia exposições artísticas com teor “pornográfico” - nos mesmos moldes da norma de Vila Velha - foi votado na Assembleia Legislativa no início de 2018. De autoria do deputado Euclério Sampaio, o projeto foi vetado pelo então governador Paulo Hartung. O veto foi endossado pelos parlamentares em plenário.

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