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Brasileiro ficou descrente, diz diretora de 'Democracia em Vertigem'

Brasileiro ficou descrente, diz diretora de "Democracia em Vertigem"

Diretora do documentário "Democracia em Vertigem", Petra Costa fala sobre a produção do filme, o que viu nas ruas do país e o tom pessoal de sua obra

Publicado em 7 de julho de 2019 às 17:01

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A diretora Petra Costa, de "Democracia em Vertigem". (Reprodução/Instagram @petracostal)

“Democracia em Vertigem” já está na Netflix e todo mundo com um pingo de interesse em política já assistiu ao filme ou ao menos ouviu falar dele. Dirigido por Petra Costa (do ótimo “Elena”), o filme acompanha, à sua maneira, os protestos de junho de 2013 e tudo o que eles desencadearam: eleições de 2014, derrota de Aécio Neves, impeachment da presidente Dilma Rousseff, presidência de Michel Temer e a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder.

O filme caiu no gosto da crítica internacional, que já o coloca como um dos candidatos ao Oscar de Melhor Documentário em 2020. Apesar disso, em um país politicamente dividido como Brasil, as opiniões são diversas. Acusam a diretora tanto de ser partidária quanto de fazer da luta pela democracia uma história pessoal.

De fato, Petra narra o filme misturando sua história familiar à da democracia brasileira. Ao mesmo tempo, organiza os acontecimentos políticos brasileiros dos últimos anos e não esconde seu lado: “Estou do lado da democracia”, afirma a diretora. Confira a entrevista:

Quando você decidiu fazer esse filme?

A ideia surgiu de uma maneira quase operística, em março de 2016, quando eu estava vendo o Brasil transbordando de tensões de classe como eu nunca havia visto antes. Os maiores protestos contra Dilma Rousseff estavam acontecendo – e eu saí para as ruas com uma câmera para filmar, chocada com o que vi.

 

O que você sentiu?

Havia um nível intenso e muito palpável de ódio e intolerância; eu vi um menino vestindo vermelho que estava protestando contra Rousseff, mas ele teve que ser retirado do protesto com outra garota porque estava vestindo vermelho. Havia também manifestantes pedindo o retorno dos militares, foi a primeira vez que eu vi isso na minha vida. Havia esse sentimento geral de uma mudança em direção à loucura.

Sempre pensou em dar um ângulo pessoal a essa história?

Comecei a filmar a urgência do momento. Mas todos os meus filmes sempre tiveram um ponto de vista pessoal, então, quando comecei a fazer este, a primeira frase que me veio à mente, que é a semente do filme, foi: “A democracia brasileira e eu somos da mesma idade e eu pensei que em nossos 30 anos nós duas estaríamos pisando em terra firme”. Meu relacionamento com a democracia – como eu cresci com ela, como eu herdei isso dos meus pais e as contradições dentro da minha família – aflorou quando comecei a pensar sobre a forma do filme.

Como você conseguiu acesso ao Lula e a Dilma?

Quando mais nova, eu tinha visto o Lula e outras pessoas do Partido dos Trabalhadores em comícios, porque minha mãe tinha sido ativista no partido. Assim que os protestos eclodiram, enviei uma carta a Lula pedindo uma entrevista com ele e outra para Dilma Rousseff. Cartas que depois descobri que eles nunca leram. Continuei insistindo e, depois de três meses, consegui um encontro com o Lula. Expliquei sobre o filme e até mostrei um teaser para que ele entendesse que era no estilo cinéma vérité, e que eu queria acompanhar o seu dia a dia em vez de fazer uma entrevista formal. Ele disse que, se eu ficasse por perto naquele dia, talvez eu pudesse acompanhá-lo em um comício. Após oito horas de espera em seu escritório, consegui entrar no carro com ele e sua esposa.

Com Dilma, também levei meses. Bolsonaro me deu acesso imediato, mas é claro que ele não era presidente quando o entrevistei. Também ganhamos a confiança do fotógrafo oficial de Lula, Ricardo Stuckert, que nos concedeu acesso a uma imensa quantidade de material extremamente precioso.

Como foi o trabalho de pesquisa?

Foi impressionante. Lembro-me do primeiro encontro que tivemos com nosso arquivista, no qual basicamente pedi a ele quase toda a história do Brasil – a construção de Brasília, o golpe militar, protestos pedindo a democracia, o começo do Partido dos Trabalhadores, a primeira eleição direta, o processo de impeachment de 92, que nem sequer entrou no filme, para não falar dos depoimentos da Operação Lava Jato que nós mesmos baixamos da internet. Nossos incríveis arquivistas Antonio Venancio e Isabela Mota fizeram um belo trabalho sem o qual este filme não teria sido possível.

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Nunca consegui acesso ao Temer ou a Aécio Neves. Eu também não pude ter acesso ao então presidente do Congresso, Eduardo Cunha, e até hoje não consegui colocar as mãos em alguns dos vazamentos de áudio que poderiam ter sido muito reveladores, mas que foram retidos pelo Supremo Tribunal Federal. O então juiz Moro, que prendeu Lula, me ofereceu 10 segundos para uma entrevista. Nós não tivemos acesso a muita coisa, mas, ao mesmo tempo, a Operação Lava Jato tornou pública muita informação. A corrupção exposta nos últimos anos no Brasil ajudou a criar uma descrença geral na política, que levou muitas pessoas no Brasil a pararem de acreditar na democracia. Uma pesquisa recente disse que apenas 20% dos brasileiros acreditam que a democracia é a melhor forma de governo.

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