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Crítica: 'Deslembro' traz delicadeza para retratar a ditadura

Crítica: "Deslembro" traz delicadeza para retratar a ditadura

Filme que estreia nesta quinta (17) no Cine Metrópolis fez sucesso no Festival de Veneza 2018 e ganhou o Prêmio do Júri Popular no Festival do Rio no ano passado.

Publicado em 17 de julho de 2019 às 12:14

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Cena do filme "Deslembro". (Divulgação/Imovision)

O que seria deslembro? O dicionário diz que é suprimir por esquecimento, ou mesmo deslembrar-se do passado. Metaforicamente, é poético afirmar que deslembro seria fugir de situações que não conseguimos esquecer, traumas que nunca deveriam ter existido.

Lembra, também, Fernando Pessoa quando diz: "Meu passado/Não sei quem o viveu/ Seu eu mesmo fui/ Está confusamente deslembrado"... O mestre lusitano, inclusive, serviu de inspiração para o título do excelente "Deslembro", filme que marca a estreia da documentarista Flávia Castro na ficção.

O longa chega nesta quinta (18) ao Cine Metrópolis após colher aplausos da crítica e do público no Festival de Veneza de 2018 e ganhar o Prêmio do Público no Festival do Rio no mesmo ano.

"O título veio de uma ideia dada por minha filha. Casa perfeitamente com uma história que resgata memórias afetivas", confirma a cineasta em entrevista ao Gazeta Online.

A trama – escrita pela realizadora – mostra as dores e a revolta de Joana (Jeanne Boudier). Adolescente apaixonada por rock e literatura, foi criada em Paris com a família. Seu mundo desmorona quando a anistia é declarada no Brasil, no final da década de 1970.

Contra a vontade da garota, a família decide voltar para o Rio, um lugar que é desconhecido e sem nenhuma referência para ela. Na capital carioca, cidade onde seu pai desapareceu nos porões do DOPS durante a ditadura militar, seu passado ressurge. Entre o real e o imaginário, Joana exorciza sua dor reescrevendo a própria história.

ARTE

"Deslembro" é um drama que aborda, além de memórias afetivas, a dor de feridas que não querem cicatrizar. Aqui, há um flerte com a literatura de Vladimir Nabokov quando a trama afirma que a memória consegue distorcer a passagem do tempo.

Flávia admite que a história de Joana é um pouco a sua. Afinal, seu pai, o jornalista Celso Castro, também era militante e, como o pai da personagem, foi perseguido pela ditadura.

"Como a Joana, também fui obrigada a sair do meu país. Fui morar na França e me alfabetizei em outra língua. Na volta para o Brasil, me apeguei à música e à literatura para me sentir brasileira novamente", relembra a cineasta.

As escolhas estéticas de "Deslembro" chamam a atenção. Há uma distorção narrativa das cores, ao mostrar uma Paris ensolarada, em uma fotografia quase vermelha, e um Rio de Janeiro opaco, cinza, praticamente sem vida.

"Queria uma França que representasse a segurança e o conforto que a Joana sentia. Já o Rio, foi um lugar de dor, de exílio. O cinza é como um resgate emocional de uma personagem perdida em sua própria história", adianta.

DITADURA

Cena do filme "Deslembro". (Divulgação/Imovision)

"Deslembro" estreia em um momento político delicado. Afinal, o país está marcado pela polarização e por um forte avanço do conservadorismo em uma boa parcela da população.

Dirigir um projeto que aborda a violência do regime militar, em um país onde o presidente afirma categoricamente que a ditadura não existiu, é um ato de resistência não só política, como moral.

"Ele e boa parte do país entraram em um clima de negação da própria história. Não poderia esperar mais de um homem que, durante o impeachment de uma presidente eleita democraticamente, louvou Carlos Alberto Brilhante Ustra, um torturador da ditadura", desabafa, afirmando que "Deslembro" chega para relembrar (o trocadilho é intencional) um momento tão doloroso para o Brasil.

"O filme veio 'reaquecer' a memória de um país. O regime militar nunca será apagado dos livros de história", complementa.

SERVIÇO

Deslembro

Drama. (Brasil, 2019. 105min)

Direção: Flávia Castro.

Elenco: Jeanne Boudier, Eliane Giardini, Sara Antunes, Jesuíta Barbosa, Márcito Vito, Hugo Abranches, Arthur Vieira Raynaud.

Estreia: dia 18 de julho, no Cine Metrópolis.

Cotação: *****

 

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