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Nada mais choca nos dias de hoje, diz dramaturgo Nicky Silver

Nada mais choca nos dias de hoje, diz dramaturgo Nicky Silver

"Não falo nada que não esteja na sociedade. Minha função é pôr uma lente de aumento e confrontar o público com seus hábitos", afirma o dramaturgo, que hoje vive em Londres

Publicado em 28 de agosto de 2019 às 14:14

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O autor americano Nicky Silver . (Divulgação)

Em 1989, num pequeno teatro no Chelsea, na cidade de Nova York, a companhia independente Vorex apresentou "Homens Gordos de Saia", peça sobre uma família que sobrevive a um acidente de avião e, perdida numa ilha deserta, cultiva hábitos canibais.

Retumbante fracasso, a encenação não pôs a companhia no mapa do circuito nova-iorquino, mas chamou a atenção para o trabalho de um jovem dramaturgo gay nascido na cidade da Filadélfia. A partir de então, aos 29 anos, Nicky Silver fez sucesso no underground americano lançando olhar sarcástico e irônico para temas como a homossexualidade e as relações familiares.

"Não falo nada que não esteja na sociedade. Minha função é pôr uma lente de aumento e confrontar o público com seus hábitos", afirma o dramaturgo, que hoje vive em Londres, onde faz um balanço sobre seus 30 anos de carreira.

A forma com a qual educou seu olhar sobre a sociedade e o transpôs para a dramaturgia foi o fator essencial que fez dele um dos dramaturgos favoritos de diretores e produtores alemães, gregos e, sobretudo, brasileiros.

Desde o início da década passada, seus textos têm ganhado sucessivas montagens de sucesso em palcos nacionais.

A primeira foi em 2000, com a encenação de "Os Solitários", adaptada pela Sutil Companhia de Teatro, então formada por Guilherme Weber e Felipe Hirsch. Eles uniram em dois atos "Homens Gordos de Saia" e "Pterodátilos", ambos estrelados por Marco Nanini e Marieta Severo, dando ao dramaturgo status de clássico contemporâneo.

"Apresentamos Nicky Silver para o Brasil pondo sua obra num patamar de excelência que ele ainda não tinha nos Estados Unidos, onde circulava em pequenas montagens universitárias", lembra Guilherme Weber, que compôs o elenco original da montagem.

"Não só entregamos seus personagens a grandes atores, mas também pusemos os textos em perspectiva épica, operística, sob ótica de profunda análise", afirma.

A despeito do sucesso que seguiria, o ator e diretor conta que a primeira encenação encontrou um público resistente à linguagem sórdida e sem filtro moral de Silver. Muitos deixaram a sala do Teatro Alfa, em São Paulo, no meio do espetáculo. "Era um teatro essencialmente burguês, e muitos espectadores cancelaram suas assinaturas anuais depois de ver a montagem".

A debandada acontecia durante o monólogo da personagem Todd, que relata ao pai as práticas sexuais que o levaram a contrair o HIV. Silver acredita que as descrições é o que fazia o público deixar a sala. 

"Sexo é um tópico que chateia. Quando a peça foi apresentada no Texas, que é um lugar muito religioso, ninguém foi embora, mas me perguntaram se era preciso narrar o que ele havia feito para contrair Aids.

Imediatamente perguntei se a pessoa já havia feito alguma daquelas coisas, e ela ficou profundamente ofendida", lembra o dramaturgo, que não acredita na possibilidade de voltar a chocar a audiência.

"Você não pode mais chocar as pessoas com eventos. A realidade já é tão terrível que acredito que já tenhamos visto de tudo. Você talvez possa chocar com o estilo que conta uma história, mas não com a história", afirma.

A realidade terrível à qual se refere é, também, o momento político dos Estados Unidos, um dos motivos 

que o inspiraram a trocar o seu país por Londres.

"Nós vivemos numa grande negação. As pessoas negam a política, a ciência, e isso é difícil de lidar. Às vezes é preciso negar a realidade, mas os Estados Unidos e a Inglaterra estão em momentos muito difíceis", diz o autor, que chegou a escrever textos alertando para um possível levante reacionário diante da animosidade que encontrou na sociedade.

Em "Os Altruístas", peça que estreou no ano 2000 (e que chegou ao Brasil em 2011, protagonizada por Mariana Ximenes), Silver falava da onda conservadora que se mostrava um verdadeiro tsunami nos Estados Unidos. O autor, contudo, não acredita que voltaria a escrever uma obra como essa.

"Em 'Os Altruístas' eu debochava das pessoas que não entendiam o que eu considerava ser um grande perigo, que de fato acabou se concretizando. Mas hoje eu não debocharia de ninguém. Todos estão lutando suas lutas e enfrentando um inimigo comum", acredita.

Nem mesmo em Londres Silver encontrou um cenário favorável à sua arte. "Aqui as pessoas não conhecem nada sobre meu trabalho, nem sabem quem sou eu. Voltei a ser um ilustre desconhecido."

Com duas peças inéditas, o dramaturgo não consegue encontrar produtores britânicos interessados por seu trabalho e pretende buscar brasileiros que pensem em produzir em Londres. 

"Nos Estados Unidos, para botar uma peça na Broadway, você precisa de pelo menos US$ 2 milhões. Com o equivalente a US$ 200 mil você produz uma peça em Londres."

Sem relações com produtores ou artistas brasileiros, o dramaturgo diz que quer oferecer duas peças inéditas gratuitamente. A primeira, "The London Spring", está pronta e fala de personagens do cotidiano londrino, enquanto a segunda, ainda sem título definido, está em processo de finalização.

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"Pretendo ir ao Brasil para buscar produtores que se interessem por esses projetos. Se no Brasil gostam tanto de mim, tenho certeza de que não faltarão interessados", diz, antes de voltar ao trabalho.

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