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Museu mais frequentado de Portugal pode perder obras por dívidas

Museu mais frequentado de Portugal pode perder obras por dívidas

Fundador do museu, o empresário português Joe Berardo acumula quase ¤ 1 bilhão, cerca de R$ 4,4 bilhões em dívidas com três bancos

Publicado em 27 de setembro de 2019 às 08:18

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O colecionador José Berardo, fundador do Museu Berardo, em Portugal. (Rita Carmo)

Giuliana Miranda, de Lisboa, Portugal - Museu mais visitado de Portugal e com a principal coleção de arte moderna e contemporânea do país, incluindo obras de Pablo Picasso, Joan Miró e Piet Mondrian, o Museu Berardo tem futuro incerto devido a um imbróglio judicial causado pelas dívidas de seu criador.

O empresário português José Berardo, 75, acumula quase € 1 bilhão, cerca de R$ 4,4 bilhões, em dívidas com três bancos, que conseguiram na Justiça o direito de arrestar -termo jurídico para apreensão judicial de bens como garantia de pagamento aos credores- cerca de 2.200 obras de arte.

Figura excêntrica e de hábitos luxuosos, Berardo virou nos últimos meses uma espécie de símbolo de más práticas no sistema bancário português e chegou a ter de ir ao Parlamento para responder perguntas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Entre as obras abrangidas pela decisão judicial estão 862 do Museu Berardo. A instituição tem um acordo com o governo português para expor as peças num espaço do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, até 2022.

Enquanto a batalha judicial se desenrola, as obras permanecem no mesmo local e seguem abertas à visitação pública, que continua intensa. Nos bastidores, porém, há fortes especulações sobre a possível venda das peças mais valiosas.

Escolhido neste mês como fiel depositário da coleção, o presidente do Centro Cultural de Belém não quis fazer previsões sobre o futuro do acervo.

"Isso é o início de um processo judicial que vai ter o seu curso, há de ter o seu desfecho, mas do ponto de vista do interesse público é garantir a continuidade da atividade do centro de exposições e a sua fruição, com este formato ou aquele", afirmou Elísio Summavielle ao jornal Público.

Enquanto o Ministério da Cultura tenta uma solução para manter as obras em exposição, os bancos já trabalham rumo à eventual venda das peças.

Há indícios de que o próprio Joe Berardo estaria tentando pôr algumas delas no mercado. Uma decisão do ano passado, mas revelada apenas em abril, indica que o mecenas pediu autorização para retirar do país "para eventual venda" 16 quadros da coleção. O pedido foi negado pelo órgão de defesa do patrimônio histórico.

O acervo de Berardo foi sendo formado ao longo das últimas quatro décadas. Algumas das aquisições mais importantes aconteceram nos anos 1990, aproveitando a recessão do mercado de arte global para conseguir peças importantes a preços mais baixos.

Exposta antes num prédio da Câmara Municipal de Sintra, a coleção foi transferida para o Centro Cultural de Belém em 2007, após anos de negociações fracassadas entre Joe Berardo e o governo português.

O protocolo de cooperação, assinado com o então primeiro-ministro socialista José Sócrates, hoje acusado de corrupção durante seu período no comando do país, também é alvo de críticas.

Na visão de especialistas, é difícil precisar um valor de mercado para a coleção, mas algumas peças têm estimativas bastante elevadas. É o caso da tela "La Cohorte Invencible", de Giorgio De Chirico. Feita em 1928, a obra foi avaliada em € 2 milhões, cerca de R$ 9 milhões, pela Christie's, em 2006, e pode valer mais hoje.

Outro destaque da coleção é o quadro "Figure à la Bougie", de Joan Miró. Pintada pelo artista espanhol em 1925, a obra já teve uma avaliação de € 5 milhões, cerca de R$ 22 milhões, em casas de leilões internacionais.

Há muitas outras. O acervo da coleção de Berardo é um passeio pelos principais movimentos artísticos do último século, incluindo obras de grandes nomes portugueses, como Paula Rego e Maria Helena Vieira da Silva, e também internacionais, como Marcel Duchamp, Yves Klein, Andy Warhol, Frank Stella, Richard Serra e Gerhard Richter.

Questionados, gestores da coleção não se pronunciaram sobre o assunto. De acordo com a agência de notícias Lusa, a entidade pretende contestar judicialmente o arresto das obras. Por enquanto, o imbróglio judicial segue a pleno vapor e não há uma decisão definitiva em vista que determine o destino da coleção.

Esse, no entanto, não é o primeiro caso em que o futuro de importantes coleções de arte é ameaçado por dívidas de seus proprietários. Em Portugal, foi por pouco que mais de 80 obras do artista espanhol Joan Miró não foram vendidas para o exterior. O acervo pertencia ao banco BPN, que acumulava uma série de dívidas com o Estado.

Em meio às políticas de austeridade e com o país ainda sob efeito de grave crise econômica, as obras estiveram muito próximas de serem vendidas há cinco anos. O leilão, que aconteceria na Christie's, foi cancelado no mesmo dia.

Em 2016, finalmente se chegou a um acordo e o material foi comprado pelo governo por € 54,4 milhões, ou R$ 246 milhões, permanecendo em Portugal. A coleção hoje está exposta no Museu Serralves, no Porto.

O Brasil também teve seu próprio caso. Com a quebra do Banco Santos, obras que pertenciam ao banqueiro Edemar Cid Ferreira também viraram o centro de uma polêmica.

Um dos maiores colecionadores de arte do Brasil na década de 1990 e início dos anos 2000, Cid Ferreira chegou a ser presidente da Fundação Bienal de São Paulo. Em 2006, foi condenado por crimes financeiros e formação de quadrilha.

Segundo as investigações, as obras do ex-banqueiro teriam sido compradas com verbas fruto de crimes e de lavagem de dinheiro. Para pagar dívidas do Banco Santos, a Justiça autorizou o confisco de mais de 10 mil obras de arte do empresário.

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Embora tenha havido um movimento forte no meio cultural para a criação de um museu com o espólio, algumas das peças mais valiosas acabaram sendo leiloadas na última década.

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