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'Torre das Donzelas' reúne histórias de presas políticas na ditadura

"Torre das Donzelas" reúne histórias de presas políticas na ditadura

Com Dilma Rousseff, longa estreia quinta-feira (25), no Cine Metrópolis, na Ufes

Publicado em 25 de setembro de 2019 às 09:43

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Cena do filme "Torre das Donzelas". (Elo Company/Divulgação)

"A pior coisa que a cadeia pode fazer é tirar o nosso futuro". A frase personifica com clareza todo o sofrimento (e o desalento) que os presos políticos foram obrigados a passar nas épocas de chumbo da ditadura militar, especialmente nos anos 1970.

A citação ganha ainda mais "músculo" por ser dita, em um momento de pura emoção, por Dilma Rousseff, a personagem ilustre do documentário "Torre das Donzelas", que estreia na quinta-feira (25), no Cine Metrópolis, na Ufes. Abaixo, veja o trailer de "Torre das Donzelas"

Dirigido por Susanna Lira ("Mussum – Um Filme do Cacildis"), o longa reúne histórias de mulheres que foram presas durante a ditadura e encarceradas no Presídio Tiradentes, em São Paulo. A penitenciária foi demolida em 1972, mas os horrores sofridos pelas detentas são lembrados até hoje.

"As presas chamavam o lugar de Torre das Donzelas. Elas chegavam ao presídio depois de serem torturadas de todas as formas e passarem por várias privações. Algumas eram estudantes que lutavam pela liberdade. Havia grávidas e, a maioria delas, muito machucadas", relembra, com tristeza, Susanna, em entrevista ao Gazeta Online para falar da estreia do filme no Estado.

"Torre das Donzelas", inclusive, chega por aqui após ser premiado nos Festivais de Brasilia e Rio de Janeiro, em 2018, e ganhar uma exibição em Paris, no primeiro semestre, onde foi aplaudido de pé por vários minutos e louvado pela crítica e pelo público.

A diretora, que é filha de um militante equatoriano desaparecido nos porões do DOPS, afirma que "gestou" o documentário durante sete anos. "Queria fazer um filme sobre sororidade entre as detentas. Reuni 20 delas, propondo uma viagem ao passado. Não vejo o filme como pessimista. Acabou sendo um projeto para resgatar a amizade entre elas, afinal, muitas falam dos momentos de cumplicidade que passaram juntas, como a troca de vestidos, os afazeres domésticos e o suporte emocional que cada uma dava para outra", explica.

Sem dúvida, os depoimentos de Dilma Rousseff, a "moradora" mais ilustre da torre, são os que mais causam impacto. "Foram quatro anos de negociações. O filme estava em produção no calor das discussões sobre o impeachment, em 2016. Curiosamente, um dos motivos que fizeram Dilma aceitar foi o discurso de Jair Bolsonaro na votação que impediu a presidente de continuar no poder, louvando um militar (Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel do Exército) que estava na linha de frente das torturas durante a ditadura", ressalta a realizadora.

JOGO DA AMARELINHA

Cena do filme "Torre das Donzelas" . (Elo Company/Divulgação)

"Torre das Donzelas" traz, além de depoimentos que retratam a luta e a resistência na busca pela liberdade e justiça, um bem-vindo jogo de cena, que retira do filme um lacre de documentário convencional.

Susanna Lira pediu para que cada detenta desenhasse em um quadro negro imagens do presídio que ficaram registradas em suas lembranças. De posse dos desenhos, a realizadora reconstrói o espaço físico da torre.

Ao propor um trabalho claramente inspirado no Psicodrama do terapeuta romeno Jacob Levy Moreno, o filme leva as prisioneiras ao cenário fictício - que lembra "Dogville", de Lars von Trier - e extrai delas depoimentos sinceros, em um oportuno momento de resgate de memória afetiva.

"Gosto do trabalho experimental do Lars (von Trier). Tive uma forte referência dele para construir a narrativa de 'Torre das Donzelas'. Além disso, tentei explorar o cinema social dos irmãos italianos Paolo e Vittorio Taviani, especialmente "César Deve Morrer" (2012), e de Rithy Panh, que lançou um oportuno documentário sobre os horrores da Ditadura Militar no Camboja, 'A Imagem que Falta' (2013)", enumera.

Mesmo não assumindo, há uma forte presença da narrativa existencialista - e, por que não, humanista - de Eduardo Coutinho em "A Torre das Donzelas".

Ao optar por atrizes amadoras para interpretar as prisioneiras no cárcere fictício, Susanna brinca com o imaginário do teatro, algo que Coutinho fez muito bem, especialmente em projetos como "Moscou" (2009).

ATAQUES

Cena do filme "Torre das Donzelas" . (Elo Company/Divulgação)

Impossível imaginar que um documentário sobre a ditadura militar passe em branco em uma sociedade marcada pela polarização política. Com "Torre..." não foi diferente.

"O filme vem sofrendo vários ataques nas redes sociais. Dilma, inclusive, é chamada de terrorista em vários posts. Fazem até montagens da ex-presidente com um fuzil. Muito internautas negam a existência da ditadura militar. Isso confirma que, mais do que um presidente despreparado, temos os ideais fascistas que tomaram parte da população", lamenta a realizadora.

Afirmando que a sociedade brasileira possui um DNA de violência ("os maus tratos que os portugueses fizeram com os índios, as mulheres e os negros são exemplos claros"), Susanna revela que o atual presidente imprime aos contrários ao seu governo um estado de censura e opressão sem precedentes.

"A gente vai lutar muito para trazer a democracia e a liberdade de expressão de volta. Precisamos ir para as ruas. O desmonte a cultura é uma estratégia para acabar com o nosso senso crítico. Eles não querem que tenhamos voz e desejam um país despreparado, pois pretendem continuar cometendo atrocidades. Querem apagar as nossas vitórias e conquistas sociais", lamenta.

TORRE DAS DONZELAS

Documentário. (Brasil, 2019, 92min.)

Direção: Susanna Lira.

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