Cem anos do maior clássico de Franz Kafka
Lançada em 1915, "A Metamorfose" foi uma das poucas obras do autor publicadas em vida
 
      Em setembro de 1912, Franz Kafka (1883-1924) varou a noite escrevendo um conto chamado "O Veredicto". Começou e terminou de um fôlego só e, depois de colocar o ponto final, sentenciou em seu diário “descobri como tudo pode ser dito”. Dois meses depois, o tcheco aplicaria o novo estilo na novela "A Metamorfose", obra que entraria no Olimpo das mais importantes da história da literatura. Concebido em apenas vinte dias, o livro mais conhecido e estudado de Kafka completou no último mês cem anos de lançamento.
A vida breve do autor não o impediu de legar obras de valor inestimável. Em pouco tempo de ofício literário – sua primeira publicação foi em 1908 –, escreveu, entre outras histórias, "Um Artista da Fome", "A Colônia Penal", "O Processo" e "O Castelo". O jorro final de Kafka parece antever sua morte precoce, aos 40 anos, vítima de tuberculose, um autor no auge de seu entendimento estético.
Mas ele seria conhecido e de fato admirado – o prêmio que recebeu em 1915 não significou seu sucesso – apenas depois de sua morte. Sua obra póstuma é extensa, ao contrário dos livros publicados em vida, apenas dois além deste agora centenário: "O Veredicto" e "O Foguista". Muito do que Kafka escrevia ficava enterrado na gaveta, em grande parte devido à sua insegurança.
Se não fosse pelo amigo Max Brod – a quem o autor confiou a tarefa de queimar todos os seus escritos após sua morte, obviamente não cumprida –, não conheceríamos por exemplo "O Processo", para muitos sua obra-prima. Solitário, Kafka chegou a noivar quatro vezes, mas nunca levou as relações adiante.
Parcela de introspecção e falta de tato com o mundo foi consequência da relação dura com o pai, caracterizado como um "tirano" na pesada "Carta ao Pai", escrita por Kafka em 1919 à guisa de acerto de contas (com si mesmo, visto que com o pai nunca se reconciliaria), abordando de forma clara os conflitos já indicados nos livros de ficção.
A obra
Em "A Metamorfose", Franz Kafka também aparece engessado, mas parte de uma espécie de parábola. Seu protagonista Gregor Samsa acorda "de sonhos intranquilos" na cama, transformado em um inseto gigante. Ele se pergunta: "O que terá acontecido comigo?".
A pergunta é logo isolada. Embora esteja metamorfoseado em uma barata, Gregor Samsa transfere sua preocupação para o trabalho de caixeiro viajante, cuja função exige que acorde cedo e faça as malas às pressas a fim de pegar um trem.
O homem-inseto, apartado de seu ofício, desespera-se. Kafka, a exemplo de Samsa, foi trabalhador de grande responsabilidade, galgando cargos em uma empresa de seguros. Por isso, o trabalho aparece de forma sufocante na obra, sempre como prioridade – Samsa não se importa com o funcionamento do próprio corpo, e sim com a mobilidade restritiva e trato social nulo que aquela nova forma de vida o impõe.
O estilo, duro e claustrofóbico, converge com as tensões da Primeira Guerra Mundial, a poucos anos de distância. Também corrobora o destino de Samsa: diante de uma transformação grotesca, sua família, uma convenção para Kafka, o rejeita. Isto é, elimina um parasita, que, livre da prisão social, deve morrer.
