A repercussão do caso do jogador Neymar, acusado de estupro pela modelo Nájila Trindade, tem levantado inúmeras discussões a respeito do tema violência sexual. Nesta semana, mulheres passaram a usar as redes sociais para relatar histórias de estupro, muitas delas que ocorreram dentro de relacionamentos que começaram de forma consensual.
Independentemente da investigação do Caso Neymar, que ainda não o apontou como culpado ou inocente, a forma como o tema tem sido tratado revela aspectos de uma sociedade que tem dificuldade de reconhecer o estupro quando ele foge do estereótipo de um ato violento praticado por um agressor desconhecido.
O Gazeta Online reuniu alguns relatos publicados na internet. Todos eles possuem algo em comum: são histórias de mulheres que passaram por situações de violência e não reconheceram, ao menos não de imediato, a experiência que elas tiveram como um estupro.
Segundo especialistas, os casos relatados são extremamente comuns, mas geralmente só vêm à tona quando as vítimas veem outras mulheres relatarem o fato, como aconteceu nesta semana.
"Quando uma mulher denuncia uma violência, ela gera um movimento em cadeia e as outras mulheres, que antes tinham medo, se sentem encorajadas a relatar. Elas sentem que não estão só", comenta a Doutora em Psicologia Forense Arielle Scarpati.
Os relatos estimularam debates nas redes sociais, entre eles o questionamento: O que caracteriza um estupro?
O QUE DIZ A LEI
De acordo com a lei nº 12.015, de 2009, estupro significa "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". Em palavras mais simples, qualquer ato de cunho sexual que seja praticado sem consentimento é estupro. Não importa a relação estabelecida entre vítima e agressor. E isso vale tanto para homens quanto para mulheres.
"O que vai determinar o crime estupro é o consentimento, no caso a falta dele. E isso pode ser comunicado de diversas formas, não apenas com palavras", frisa a Professora de Direito Penal da FGV Maíra Zapáter.
Zapáter aponta que muitas pessoas não têm o conhecimento que o consentimento precisa acontecer em toda e qualquer relação, mesmo que aconteça de forma frequente, como entre namorados ou marido e mulher.
"O consentimento pode acontecer em um primeiro momento e depois ser retirado. Não é como se a pessoa não pudesse voltar atrás. Se você aceita ter uma relação, mas, por qualquer motivo não quer mais, o seu parceiro precisa parar. Se ele insistir, ele está cometendo um estupro", completa Zapater.
NÚMEROS
Dados do Atlas da Violência de 2018 mostram que 13,15% dos crimes praticados no Brasil são realizados por cônjuges ou companheiros. Contudo, de acordo com especialistas, os casos são subnotificados. E não difícil perceber isso. Dos cinco relatos descritos no início reportagem, nenhum foi oficialmente denunciado.
"É bem comum uma mulher procurar a delegacia para denunciar uma agressão, por exemplo, e durante o relato descobrir que na verdade ela sofreu um estupro. A maioria das mulheres não reconhece a violência sexual dentro de um relacionamento permanente. Para elas, e também para os maridos ou namorados, existe a falsa ideia de que não há estupro em uma relação onde existem sentimentos", declarou a gerente de Proteção à Mulher da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, Michelle Meira.
Além de toda a dificuldade de reconhecer o estupro, as mulheres ainda enfrentam o julgamento da sociedade, que por anos perpetua a ideia de que a mulher precisa servir o homem sexualmente, como explica a psicóloga Arielle Scarpati.
Essa ideia de obrigação sexual foi reforçada pela lei até 2003, quando o Código Penal Brasileiro tratava a recusa da mulher de se relacionar sexualmente como débito conjugal. A professora de Direito Penal Maíra Zapater explica que as interpretações dadas ao art 213 do Código Civil perpetuavam a ideia de que a relação deveria existir, mesmo que fosse forçada dentro de um casamento.
"Muitos livros interpretavam esse artigo sobre casamento como um "direito" do marido para praticar um estupro e portanto não ser punido. Com o reconhecimento de igualdade jurídicas entre homens e mulheres essa interpretação mudou. A relação sexual precisa acontecer por meio de um consentimento mútuo, ela não pode ser forçada", declarou.
A psicóloga Arielle Scarpati também reforça que "é preciso entender que não existe relação não consensual. Isso se chama estupro". E finaliza dizendo que discussões sobre violência sexual são extremamente necessárias. "É uma questão também sociocultural. A gente precisa repensar os modelos de homem e mulher na sociedade e do que é sexo e o que é violência. E só vamos conseguir isso por meio da mudança nos modos de se pensar e se ver a mulher, por meio de campanhas educativas, discussões e reflexões", disse.
O estupro pode ser denunciado de diversas formas. A vítima deve procurar a Delegacia ou o Ministério Público e registrar a denúncia. Em casos de estupro a palavra da vítima tem um peso especial. Ela prestará depoimento e será encaminhada para realização de exames, dando início a investigação.
VALE LEMBRAR!
- Parceiro se recusou a usar camisinha e insistiu em fazer sexo? É estupro.
- Parceiro pediu para parar mas o outro continuou a relação? É estupro.
- Parceiro tenta ter relações enquanto o outro estava dormindo? É estupro.
- Parceiro tentou praticar atos sexuais após troca de carícias sem consentimento da vítima? É estupro
- Parceiro se nega a ter relações sexuais mas continua sendo tocado sexualmente? É estupro.
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