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Denúncia de estupro contra Neymar leva mulheres a relatar casos de violência

Denúncia de estupro contra Neymar leva mulheres a relatar casos de violência

Nesta semana, mulheres passaram a usar as redes sociais para relatar histórias de estupro, muitas delas que ocorreram dentro de relacionamentos que começaram de forma consensual

Publicado em 7 de junho de 2019 às 19:04

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Denúncia de modelo contra jogador gerou inúmeros relatos de mulheres vítimas de abuso . (Montagem | Instagram | SBT)

A repercussão do caso do jogador Neymar, acusado de estupro pela modelo Nájila Trindade, tem levantado inúmeras discussões a respeito do tema violência sexual. Nesta semana, mulheres passaram a usar as redes sociais para relatar histórias de estupro, muitas delas que ocorreram dentro de relacionamentos que começaram de forma consensual.

Independentemente da investigação do Caso Neymar, que ainda não o apontou como culpado ou inocente, a forma como o tema tem sido tratado revela aspectos de uma sociedade que tem dificuldade de reconhecer o estupro quando ele foge do estereótipo de um ato violento praticado por um agressor desconhecido. 

O Gazeta Online reuniu alguns relatos publicados na internet. Todos eles possuem algo em comum: são histórias de mulheres que passaram por situações de violência e não reconheceram, ao menos não de imediato, a experiência que elas tiveram como um estupro.

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Um dia meu namorado insinuou que queria fazer sexo anal. Eu disse que não. Ele continuou insistindo e eu disse que não queria, mais uma vez. Quando eu estava de costas, ele forçou a penetração e me segurou forte. Eu comecei a gritar, me debater

P, 28 anos
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Um dia a gente foi para o motel e eu disse que queria que a gente tivesse mais preliminares antes da penetração. Ele concordou, me beijou, mas imediatamente tentou transar. Eu falei que eu não queria daquele jeito, mas ele continuou. Eu fiquei quieta, parada, não conseguia reagir

A, 28 anos
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Eu conheci um cara por um aplicativo. Depois de uns seis meses a gente se viu em uma festa e acabamos ficando. Eu tinha intenção de ter relação sexual, então eu fui para a casa dele. Na hora, eu falei sobre preservativo, ele disse que não tinha problema, porque ele não ia ejacular dentro. Ele forcou o sexo sem preservativo

D, 25 anos
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Eu estava dormindo quando senti a mão do meu namorado na minha bunda. De repente ele veio para cima de mim. Eu acordei com o meu namorado sem roupa, tentando transar comigo desacordada. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo

I, 23 anos
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Eu contei ao meu marido que estava tendo dificuldades para sentir prazer. Uma vez, comecei a chorar durante o sexo e pedi para ele parar. Ele não parou, segurou meus pulsos e disse que eu conseguia aguentar

C, 31 anos
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Segundo especialistas, os casos relatados são extremamente comuns, mas geralmente só vêm à tona quando as vítimas veem outras mulheres relatarem o fato, como aconteceu nesta semana. 

"Quando uma mulher denuncia uma violência, ela gera um movimento em cadeia e as outras mulheres, que antes tinham medo, se sentem encorajadas a relatar. Elas sentem que não estão só", comenta a Doutora em Psicologia Forense Arielle Scarpati.

Os relatos estimularam debates nas redes sociais, entre eles o questionamento: O que caracteriza um estupro?

O QUE DIZ A LEI

"O que vai determinar o crime de estupro é o consentimento, no caso a falta dele", diz especialista em Direito Penal. (Reprodução)

De acordo com a lei nº 12.015, de 2009, estupro significa "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". Em palavras mais simples, qualquer ato de cunho sexual que seja praticado sem consentimento é estupro. Não importa a relação estabelecida entre vítima e agressor. E isso vale tanto para homens quanto para mulheres.

 "O que vai determinar o crime estupro é o consentimento, no caso a falta dele. E isso pode ser comunicado de diversas formas, não apenas com palavras", frisa a Professora de Direito Penal da FGV Maíra Zapáter.

Zapáter aponta que muitas pessoas não têm o conhecimento que o consentimento precisa acontecer em toda e qualquer relação, mesmo que aconteça de forma frequente, como entre namorados ou marido e mulher.

"O consentimento pode acontecer em um primeiro momento e depois ser retirado. Não é como se a pessoa não pudesse voltar atrás. Se você aceita ter uma relação, mas, por qualquer motivo não quer mais, o seu parceiro precisa parar. Se ele insistir, ele está cometendo um estupro", completa Zapater.

NÚMEROS

Dados do Atlas da Violência de 2018 mostram que 13,15% dos crimes praticados no Brasil são realizados por cônjuges ou companheiros. Contudo, de acordo com especialistas, os casos são subnotificados. E não difícil perceber isso. Dos cinco relatos descritos no início reportagem, nenhum foi oficialmente denunciado.

"É bem comum uma mulher procurar a delegacia para denunciar uma agressão, por exemplo, e durante o relato descobrir que na verdade ela sofreu um estupro. A maioria das mulheres não reconhece a violência sexual dentro de um relacionamento permanente. Para elas, e também para os maridos ou namorados, existe a falsa ideia de que não há estupro em uma relação onde existem sentimentos", declarou a gerente de Proteção à Mulher da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, Michelle Meira.

Além de toda a dificuldade de reconhecer o estupro, as mulheres ainda enfrentam o julgamento da sociedade, que por anos perpetua a ideia de que a mulher precisa servir o homem sexualmente, como explica a psicóloga Arielle Scarpati.

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A gente vive em uma sociedade organizada em uma logica patriarcal. O homem é educado para acreditar que o corpo da mulher é um objeto e está ali para servir o prazer dele. Já as mulheres crescem acreditando que o desejo masculino se sobrepõe ao delas e que elas têm uma obrigação sexual para com eles. Quando a mulher manifesta alguma vontade ou diz que não quer algo no sexo, ela é julgada

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Essa ideia de obrigação sexual foi reforçada pela lei até 2003, quando o Código Penal Brasileiro tratava a recusa da mulher de se relacionar sexualmente como débito conjugal. A professora de Direito Penal Maíra Zapater explica que as interpretações dadas ao art 213 do Código Civil perpetuavam a ideia de que a relação deveria existir, mesmo que fosse forçada dentro de um casamento. 

"Muitos livros interpretavam esse artigo sobre casamento como um "direito" do marido para praticar um estupro e portanto não ser punido. Com o reconhecimento de igualdade jurídicas entre homens e mulheres essa interpretação mudou. A relação sexual precisa acontecer por meio de um consentimento mútuo, ela não pode ser forçada", declarou.

A psicóloga Arielle Scarpati também reforça que "é preciso entender que não existe relação não consensual. Isso se chama estupro". E finaliza dizendo que discussões sobre violência sexual são extremamente necessárias. "É uma questão também sociocultural. A gente precisa repensar os modelos de homem e mulher na sociedade e do que é sexo e o que é violência. E só vamos conseguir isso por meio da mudança nos modos de se pensar e se ver a mulher, por meio de campanhas educativas, discussões e reflexões", disse.

O estupro pode ser denunciado de diversas formas. A vítima deve procurar a Delegacia ou o Ministério Público e registrar a denúncia. Em casos de estupro a palavra da vítima tem um peso especial. Ela prestará depoimento e será encaminhada para realização de exames, dando início a investigação.

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