Tática ganha jogo?
Aliada ao talento brasileiro, a aplicação da Seleção pode fazer a diferença, na opinião de especialistas

Tite anteriormente revelou ter se inspirado na seleção francesa de 2014 quando fez do Corinthians campeão brasileiro e posteriormente assumiu o boné canarinho. 4-3-3 ou 4-1-4-1? Os dois esquemas táticos são bastante semelhantes, contando que em alguns momentos os pontas recuem e posteriormente formem uma linha de três à frente. Na Copa do Mundo 2018, Neymar e Willian podem assumir essas posições pelo Brasil, munidos do talento que todo o mundo sabe que os brasileiros têm.
Mas, afinal, tática ganha jogo? Essa é uma pergunta que permeia as mesas redondas e as discussões nos bares entre torcedores. O técnico carioca Rafael Soriano, que treinou Desportiva e Espírito Santo nas últimas edições da Série D, afirma que ela é sim muito importante. “Acredito que em alguns momentos sobrepõe a qualidade técnica do jogador em uma partida. Considero fundamental”, diz.
Quem não pensa muito diferente é Zé Humberto, técnico que conquistou o Capixabão e a Copa Espírito Santo em 2017 pelo Atlético Itapemirim. Segundo ele, a visão do treinador sobre o esquema pode definir muitos jogos. “Claro que alguns jogadores conseguem quebrar as linhas e decidir partidas, mas o conjunto tático da equipe com certeza pode influenciar o resultado”, afirma.
EVOLUÇÃO
O jornalista André Rocha, especializado em análise tática, relembra que os primeiros campeões teriam sido equipes com futebol pragmático, até mesmo a seleção em 2014 teria sido, menos quando o técnico Felipão colocou em campo Bernard contra a Alemanha. A "ousadia" custou caro.
“O ‘ferrolho suíço’ de Karl Rappan surgiu em 1938. Pelos registros, o Uruguai campeão em 1930 era pragmático, assim como a Itália bicampeã de Vittorio Pozzo nas Copas seguintes. Também a Celeste que venceu o Brasil em 1950, a Alemanha em 1954. É um conceito amplo. Dá para dizer que o Brasil de Felipão na última Copa foi pragmático, menos nos 7 a 1…”, afirma.
Hoje em dia, há uma tendência ao “futebol total” Essa tendência de jogo, segundo Rafael Soriano, é fundamental e o trabalho de Tite tem se destacado porque os jogadores assimilam as ideias e as põem em prática.
TENDÊNCIA
André Rocha concorda: Nunca o esporte teve tanto do “futebol total” da Holanda de 1974. A começar pela prática da pressão logo após a perda da bola e a valorização da posse, mas com objetividade. A Espanha de 2010 e 2012 foi a mais próxima do conceito puro do "tiki taka", que é ficar com a bola para "congelar" o jogo e mais se defender que atacar. Não devemos ver isto neste Mundial, mas o futebol total sim, especialmente das favoritas ao título”, disse.
Para Zé Humberto, essa característica é natural para os atletas do país. “Os jogadores brasileiros já têm o dom da rotatividade e da movimentação dentro do campo. Outros times tentam moldar o seu jogo nesse sentido, porém acho que o Brasil tem o futebol mais moderno”, explica.
VERSATILIDADE - O SEGREDO DOS FAVORITOS
Em todas as Copas é possível apontar favoritos para vencê-la. Se vão realmente vencer, é outra história. Espanha, Alemanha, Brasil, França são as seleções que chegam com maior força para a disputa em 2018.
O aspecto que mais se assemelha na construção dessas quatro equipes é a versatilidade do elenco, uma tendência no mundo moderno que deve ser explorada por outros times, mas que nessas têm qualidades de sobra. Na Argentina isso também existe, porém o técnico Jorge Sampaoli, com o pouco tempo que teve, ainda não conseguiu demonstrar um modelo de jogo e chega como uma interrogação.
2-3-5
Pode parecer muito antigo, mas ainda é utilizado em determinados momentos do jogo, principalmente quando o intuito é recuperar a bola rapidamente em pressão, porém conserva hoje certa complexidade pelo processo de adaptação ao posicionamento.
A expectativa, afirma André Rocha, é que o jogo de pressão, não necessariamente no 2-3-5, seja utilizado até que o Brasil abra o placar, estratégia utilizada também pelos técnicos anteriores e observada no amistoso contra a Rússia, realizado em março. “Conseguindo abrir o placar e o adversário avançando e cedendo espaços, as saídas em velocidade serão o recurso ofensivo”, analisou.
EUROPEUS
Taticamente a seleção mais interessante dentre essas é a Alemanha pela variação de jogo contendo quatro ou cinco defensores e as propostas de jogo que podem explorar a posse de bola e os velozes contra-ataques. E nele, atua Joshua Kimmich, jogador do Bayern que representa a polivalência e a inteligência. “Joshua Kimmich pode ser lateral, zagueiro, ala ou meio-campista. Ele normalmente é a chave para a mudança tática de Joachim Low, cuja manutenção desde 2006 explica muito dessa capacidade de se renovar e variar sistemas e modelos”, disse Rocha.
O que chama a atenção na Espanha são os jogadores de meio-campo e a possibilidade de se jogar com ou sem referência no ataque. Além disso, o sucesso estabelecido por Real Madrid e Barcelona durante o século pela Europa alimenta a mentalidade vencedora, que pode ser um fator importante.
A TÁTICA ATRAVÉS DAS COPAS
1930 - WM e MM - Os britânicos começaram a discutir a utilização de um terceiro zagueiro. Nesta década começou-se a mudar a formatação das equipes em campo na formação conhecida como W-M, ou 3-2-2-3, a fim de ganhar consistência defensiva. Áustria e a Hungria de Puskas (foto) também utilizaram este posicionamento e depois o M-M, ou 3-2-3-2, formação essencial na primeira parte da década de 1950 nas principais vitórias húngaras e em 1954.
Década de 50: 4º zagueiro - O estudioso soviético Boris Arkadiev teria sido o primeiro treinador a jogar com quatro defensores, quando o recuou um de seus médios para ajudar os zagueiros. A sua filosofia de jogo era baseada no coletivo, não dando espaço para jogadores que tivessem como ponto forte as jogadas individuais. Algo semelhante fez o Brasil em 1958. Os laterais não subiam tanto ao ataque, conservando o posicionamento para impedir o trabalho de velozes pontas.

1970 - 4-3-3 - Zagallo assumiu o lugar de João Saldanha. Dentre as mudanças que fez, recuou Piazza para a zaga, estabeleceu Clodoaldo como primeiro volante e escalou Everaldo no lugar de Marco Antônio, como relata o jornalista Paulo Vinícius Coelho no livro Tática Mente. A equipe atuava em um 4-3-3, mas apesar da formação ofensiva, todos os jogadores marcavam, exceto o atacante Tostão. Quase todos atacavam também.
Futebol Total (1974) - Desenvolvido na Holanda e posto em prática primeiramente em 1974, quando encheu os olhos da crônica esportiva, com o chamado “Carrossel Holandês” Este modelo de jogo consistia na frequente mudança de posicionamento entre os jogadores, sem ter uma faixa fixa e estabelecida para ocupar. Foi o time de Cruyff, Rep, Neeskens, que encantou o mundo e foi vice-campeão da Copa de 1974, atrás da Alemanha.
De 1982 a 1994 - O fim dos três no ataque - Em 1982, a Seleção atuava num clássico 4-2-2-2 com jogadores muito técnicos no meio-campo, porém sem velocidade pelos lados. Assim como a maioria das seleções, abriu mão do trio de ataque. Em 1994, Carlos Alberto Parreira não era muito diferente de Telê Santana, técnico de 1982. O esquema mudou durante o torneio, quando Raí, camisa 10, perdeu a titularidade e o time passou a atuar com uma linha de quatro no meio.
2002 - Três zagueiros - Luiz Felipe Scolari teve uma difícil missão levando a Seleção ao título, fez diversos testes até chegar a formação 3-4-2-1. Os alas Cafu e Roberto Carlos se completavam, dando velocidade para transições ofensivas. Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho flutuavam com muita habilidade em uma linha atrás do goleador máximo Ronaldo. O esquema com três zagueiros foi usado por 75% das seleções das Copas de 1986 e 1990.

Tiki-taka - A Espanha campeã de 2010 e da Eurocopa de 2012 chegou bem próximo de colocar o puro “Tiki-Taka” em ação. O esquema consiste em ficar com a bola para "congelar" o jogo e mais se defender que atacar. O esquema aclamado foi popularizado com Pep Guardiola numa trajetória em que ganhou tudo com o time do Barcelona. Esse é um esquema que deve ser difícil de ser visto na Copa do Mundo deste ano.