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Meia bege e Papa: Arnaldo Cezar Coelho relembra momentos no campo e TV

Meia bege e Papa: Arnaldo Cezar Coelho relembra momentos no campo e TV

Recém-aposentado da carreira de comentarista, Arnaldo tem muitas histórias para contar dos 29 anos de Globo e 25 de arbitragem. Até o Papa ele conheceu

Publicado em 11 de janeiro de 2019 às 22:27

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Naquele 21 de novembro de 2018, ele não escondeu as lágrimas diante das câmeras no estúdio. Afinal, a transmissão do amistoso entre Brasil e Camarões marcava a despedida de Arnaldo Cezar Coelho da carreira de comentarista de arbitragem da TV Globo. Foram 29 longos anos dedicados aos jogos e programas de televisão, somados a mais 25 anos como árbitro de futebol. Era preciso desacelerar.

Aos 75 anos, Arnaldo segue administrando uma vida de negócios, já que é dono de uma afiliada da Globo em Resende (RJ), mas agora tem muito mais tempo para cuidar de si e aproveitar a família.

A partir de agora, quem acompanhar uma partida de futebol na televisão provavelmente vai sentir falta dos bordões “Pode isso, Arnaldo?” e “A regra é clara”. Foi ele quem criou as frases que estão há anos na boca da galera – até mesmo fora do mundo da bola. Formado em Educação Física, Arnaldo admite que sua forma didática de ensinar as regras do futebol foi a principal receita para o sucesso em quase três décadas na Globo.

O currículo é invejável em ambas carreiras. Como árbitro, apitou duas Copas do Mundo – e inclusive foi o primeiro juiz sul-americano a apitar uma final. Como comentarista, foram oito Copas. Lembranças não faltam de uma vida inteira de futebol.

Lá em 1989, quando você deu início à carreira de comentarista, já imaginava que criaria um laço tão forte com a Globo e que essa relação duraria tantos anos?

Em 1989, quando comecei, eu não imaginava que pudesse fazer uma carreira tão longa. Mas eu me dediquei, estudei, aprendi muita coisa. Portanto, a forma didática que sempre procurei explicar as jogadas fizeram sucesso. Sou professor de Educação Física e, como professor, eu sabia que essa forma poderia ter sucesso, até porque os torcedores não conheciam tanto a regra de futebol. Nunca fui muito enrolado, sempre procurei falar de forma simples, bem sucinta pro povo entender. Por outro lado, os meus laços com a Globo também começaram quando comecei a montar uma filiada da Globo em Resende (RJ), a TV Rio Sul. Ali eu também consolidei os laços com a Rede Globo de Televisão.

Quando você começou a amadurecer a ideia de se aposentar da televisão? Por quê?

Na Copa do Mundo no Brasil, em 2014, eu estava com a ideia de fazer aquela Copa e terminar minha carreira, mas a Globo pediu que eu continuasse por mais quatro anos, portanto eu teria que ir até a Copa da Rússia. A ideia de parar é porque realmente depois de 25 anos de arbitragem, mais 20 e tantos anos como comentarista da Globo, eu quase não tinha fim de semana, não podia usufruir um pouco da tranquilidade com a minha família. Depois da Copa avisei os diretores e, então, avisei no ar, no último jogo da Copa, que estava terminando um ciclo de comentarista de arbitragem da Rede Globo. Fiquei até dezembro para cumprir o contrato.

E essa relação profissional/pessoal com o Galvão Bueno? Nos conte um pouco dessa amizade.

Minha relação com o Galvão Bueno vai bem antes do tempo que ingressei na Globo, porque ele era comentarista e narrador em outras emissoras de televisão e a gente se cruzava muito nos jogos, viagens. A gente saía muito para conversar e ele sempre dando pitaco, pedindo ajuda. Quando cheguei na Globo fui muito bem recebido por ele e passamos a nos conhecer melhor ainda, inclusive as famílias. Depois de quase 30 anos nossas famílias se dão muito bem, a gente se dá bem, mas claro que cada um tem a sua maneira de ser. Às vezes a gente bate de frente, não é nada combinado, é natural essa polêmica, é natural essa opinião divergente. Ele diz que é pênalti, eu digo que pode não ser pênalti. Mas a gente está acostumado, tem uma empatia muito grande e faz, como se diz na gíria, uma escada um para o outro. Ele me ajuda em determinados assuntos, eu o ajudo, e essa amizade não acabou. Agora em janeiro a gente se fala duas, três vezes na semana.

Arnaldo Cezar Coelho em transmissão com o amigo Galvão Bueno. (Acervo pessoal)

Quais momentos foram mais marcantes nesses mais de 20 anos como comentarista?

O mais marcante nesses 29 anos foi a final da Copa de 94, nos Estados Unidos. Não tinha cabine, estávamos em uma posição ao ar livre com Pelé, Galvão narrando e eu do outro lado. Jogo nervoso e foi para os pênaltis. A gente estava tenso porque pênalti é muita sorte, apesar de ter que ter qualidade na cobrança. Quando Baggio chutou para fora, foi uma explosão de alegria. Eu dei uma gravata no Galvão, ele tentando falar que “é tetra, é tetra”, mas não saía. O Pelé também vibrando. Eu entrei como papagaio de pirata, porque a televisão estava mostrando o Pelé. Tivemos outras histórias, viagens marcantes, mas essa foi a mais emocionante.

Como surgiram os bordões “Pode isso, Arnaldo?” e “A regra é clara”?

“A regra é clara” surgiu de tanto eu tentar explicar a regra e o Galvão fingir ou não entender. Eu falava: “Mas a regra é clara”. A gente não pode passar por cima da regra. Esse bordão pegou porque não se restringe só ao futebol, mas a todos os aspectos da vida. Você tem que ter uma regra clara no trabalho, em casa com as crianças, porque “a regra é clara” facilita todos os relacionamentos. No futebol a regra é clara, mas é interpretativa, subjetiva. Ela é clara no tamanho do gol, do campo, peso da bola, mas ela é interpretativa se foi falta ou não foi, ou seja, depende da interpretação e como o árbitro viu a jogada. O “Pode isso, Arnaldo?” é um derivativo, porque hoje em dia as pessoas querem fazer tudo, mas nem tudo pode ser feito. Isso pegou muito com a garotada.

E a superstição da meia bege?

Essa meia bege surgiu na Copa do Japão e da Coreia, em 2002. Saímos muito rápido do hotel porque anteciparam nossa saída. Na hora de botar a roupa vi que o sapato era marrom e botei uma meia bege para combinar com o sapato. Mas esqueci que o terno era azul e a meia bege gritava um pouco naquela combinação. Mesmo assim fui para o jogo. Era o primeiro jogo, o Brasil ganhou e pensei: a meia deu sorte. Depois do jogo houve uma mesa redonda e todo mundo ficou sentado e quando cruzei as pernas apareceu a meia bege. O Falcão, que é muito metido a estilista, olhava para a minha meia e fez um sinal para o Galvão. Aí o Galvão pegou no meu pé. Graças a Deus essa meia foi ganhando, ganhando, ganhando e fomos campeões do mundo. No final eu usava uma meia azul por cima da meia bege. No último programa eu apareci e mandaram eu mostrar a meia bege, a Fátima Bernardes inclusive estava nesse programa. Na Copa seguinte, de 2006, na Alemanha, levei a meia bege, mas sinceramente ela não ajudou, fomos eliminados pela França e a meia bege foi aposentada. Nunca mais usei a meia bege.

Como será a sua vida de agora em diante? Só quer sombra e água fresca (risos) e ficar com a família ou já pensa em novos trabalhos?

Continuo minha vida ativa de negócios, porque tenho essa afiliada da Globo, mas estou com mais tempo para usufruir minha família, ir à praia, tratar da minha saúde, do meu preparo físico, coisa que eu não tinha tempo. Mas podem surgir novos trabalhos, como palestras, que sempre gostei de fazer. Claro que não vou fazer com a mesma intensidade que fazia os programas da Rede Globo.

Como árbitro, você apitou duas Copas e duas Olimpíadas. Relembre um pouco essa carreira.

Minha carreira de árbitro foi muito intensa. Apitei 2 Olimpíadas (de Montreal-76 e de Seul-88), 5 Mundiais da Fifa, decisões de Libertadores e Brasileiros, 2 Copas profissionais (Argentina-78 que apitei um jogo e fui árbitro reserva da final e depois apitei a final de 82). Foram lembranças maravilhosas, de alegrias e tristezas também, porque tem jogos que a coisa não sai como a gente quer.

Depois da Copa de 82, quando você foi o primeiro juiz sul-americano a apitar uma final de Copa, você foi convidado até a conhecer o Papa João Paulo II. Como foi esse momento?

Em 82, logo depois da Copa, apitei o amistoso Itália x Suíça, em Roma. Chegando lá fomos conhecer o Papa, foi um momento histórico, emocionante. O Papa estava em uma sala especial, tinha uma fila de pessoas e ele deu um terço para cada um de nós.

Após a Copa de 1982, Arnaldo Cezar Coelho conheceu o Papa. (Acervo pessoal)

Já chegou a apitar algum jogo no Espírito Santo?

Sim, uma grande decisão em Cachoeiro de Itapemirim, foi um jogo do Estrela. O fato marcante desse jogo é que o campo era pequeno e tinha um vizinho que morava do lado do campo, que fazia uma parede da linha lateral. Ele ficava da janela vendo o jogo. Tinha um zagueiro do Estrela, quando ele virava para a janela do sujeito, o vizinho fechava a janela porque o zagueiro ia acertar esse vizinho. Foi muito engraçado.

O que você vê que mais evoluiu na arbitragem em todos esses anos? E o que acha que ainda tem muito o que melhorar?

A arbitragem mudou muito. No meu tempo um árbitro percorria 6km, hoje ele percorre 12km, o dobro. O futebol ficou mais dinâmico, tem que ter mais preparo físico. Mas em compensação a seleção dos árbitros ainda é muito ruim, porque eles preparam o árbitro para ter um bom preparo físico, para aguentar 90 minutos, mas não preparam para ele ter uma técnica de arbitragem boa.

Você vê com bons olhos a implantação do VAR, que divide tantas opiniões Brasil afora?

Esse árbitro de vídeo que botaram é uma bengala, um paraquedas. Paraquedas porque dizem que salva a arbitragem e bengala porque o árbitro às vezes não enxerga determinadas coisas, vai lá ver o vídeo e não cai do cavalo. Mas nem sempre ajuda, tem lance que ele se omite. E quando ele se omite é muito ruim. E tem lance que ele se mete na arbitragem, levando o árbitro a mudar sua opinião, vide nesta Copa do Mundo, quando o árbitro marcou pênalti claro no Neymar e o árbitro de vídeo chamou ele na beira do campo induzindo a voltar atrás. Isso eu nunca vi no futebol. Para mim árbitro de vídeo ainda é uma brincadeira de mau gosto. Na minha época, eu era quem carregava o caixão, ou seja, eu que tomava as decisões. Agora não, agora é um colegiado que apita o jogo, isso é muito ruim.

Arnaldo Cezar Coelho, ao centro, apitou a final da Copa de 1982. (Acervo pessoal)

A postura dos jogadores em campo também influencia nessa qualidade?

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Os jogadores estão muito mal acostumados, há uma inversão de valores. Estão reclamando bastante, se acham estrelas, e estão sempre impunes. Esse é o grande defeito da arbitragem. A arbitragem tinha que cumprir a lei e aplicar a lei. Punir jogadores indisciplinados, o tribunal punir com rigor nas multas e suspensões para que acabe com a bagunça. Hoje, em toda falta que o juiz marca, o jogador cerca o árbitro, faz confusão. Em qualquer lance questionam, querem saber por que o árbitro marcou. Tem que ficar explicando… está tudo errado.

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