> >
Alê Nascimento: 'Pensei que minha carreira acabaria com a lesão'

Alê Nascimento: "Pensei que minha carreira acabaria com a lesão"

Ponteira capixaba sofreu grave lesão no joelho e viveu dias de incertezas

Publicado em 11 de fevereiro de 2018 às 23:18

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

O handebol é um dos esportes mais praticados nas escolas brasileiras e o Espírito Santo tem histórico e tradição na modalidade.

Foi em Vila velha, mais precisamente no bairro Cobi de Cima, que ainda na infância, Alexandra Nascimento dava os primeiros arremessos em direção ao gol na escola. A atividade educacional na escola Juiz Jairo de Matos Pereira virou coisa séria e Alê transformou-se em uma das maiores atletas do esporte no país e no mundo.

Aos 18 anos, a então adolescente, nascida na cidade de Limeira, em São Paulo, mas capixaba de coração, recebeu um convite para jogar em Jundiaí. Em solo paulista, foram quatro anos de brilho intenso, para depois agarrar a chance de jogar na Europa, onde o handebol é muito forte e oferece bons contratos.

O ápice da carreira ocorreu em 2012, quando no Hypo Niederösterreich, da Áustria, que possui uma das ligas mais fortes do mundo, Alexandra foi escolhida como a melhor jogadora do planeta. Um ano depois veio a maior conquista coletiva de Alê: com a camisa verde e amarela, a ponta sagrou-se campeã mundial, ao derrotar a poderosa seleção da Sérvia, país-sede, em uma decisão de tirar o fôlego. O placar foi de 22 a 20 e a capixaba foi vice-artilheira do torneio.

A carreira que incluiu três participações olímpicas (Pequim-2008, Londres-2012 e Rio-2016), já caminhava para o encerramento com chave de ouro, porém uma grave lesão quase encurtou os planos da jogadora. Em abril de 2017, a capixaba rompeu o ligamento cruzado do joelho esquerdo jogando pelo Váci Noi Kézilabda Sportegyesüle contra o Siofok pela liga húngara.

Foram meses afastada das quadras, lidando com a dor diária e inúmeras sessões de fisioterapia. As previsões não eram das melhores, pois seriam de seis a oito meses de recuperação, sem a garantia, inicialmente, de retornar em perfeitas condições.

Para a sorte do handebol brasileiro e mundial, Alexandra mais uma vez conseguiu se superar e hoje brilha novamente nas quadras, só que agora no Alba Fehérvár (Hungria).

Aos 36 anos e voando em quadra, a capixaba deu detalhes do período de inatividade, da saudade da família e da moqueca, do apoio incondicional do marido nos momentos mais difíceis e ainda analisa o panorama atual do handebol brasileiro.

Seguir na seleção está em aberto, mas vai depender dos planos pessoais e de como poderá seguir contribuindo para a evolução do handebol.

ENTREVISTA

Você teve uma lesão muito grave em abril de 2017 pelo seu clube. Como que foi a contusão e como ocorreu?

Abril de 2017 foi um mês terrível em minha vida. Tive uma ruptura do ligamento cruzado do joelho esquerdo e foi bem difícil. Tinha voltado a jogar com meu ex-treinador com quem já havia trabalhado antes no Hypo, minha primeira equipe na Europa. Após às Olimpíadas (Rio-2016), pensei em parar, mas ele me convenceu a seguir e fez uma proposta. No meu melhor momento físico e mental, veio a lesão. Acredito que aconteceu por cansaço, pois como a outra ponta se lesionou por um longo período, fiquei treinando e jogando sem ter uma reserva. Fiz três jogos em sequência (um pela seleção e dois na liga húngara) e no terceiro rompi o cruzado. Foi um lance tonto. No que saltei, recebi um contato normal e quando toquei o pé esquerdo no chão, o joelho se deslocou. Foi uma dor horrível, algo que nunca havia sentido em todos esses anos. Já era fim de temporada, meu contrato estava acabando e já estava acertada com minha equipe atual.

O que passou na sua cabeça logo após se lesionar?

Quando eu caí, já sabia que havia sido algo sério e chorei muito. Foram uns cinco minutos de muita dor. Me puseram no banco e eu ainda de sangue quente tentei voltar. Simulei umas fintas, mas as companheiras me desaconselharam. Restou aceitar aquele momento. A previsão era voltar em sete meses, mas com cinco já estava em quadra. Me perguntavam se eu iria parar, mas me recusava a ver minha carreira encerrada por causa de uma lesão.

O handebol é um esporte de muito contato. Essa foi a lesão mais grave na carreira?

O handebol é um esporte de muito contato e arriscado, mas sempre respondo que há regras. As pessoas estranham e o acham violento, mas não é (risos). E também é o que gosto de fazer. Já fiz duas artroscopia no joelho direito e uma no esquerdo, e tenho recente a operação do cruzado. Em 2004, na minha primeira Olimpíada, eu estava com muita dor na canela, e ao voltar para meu clube, na Áustria, meu fisioterapeuta me olhou e pediu uma radiografia. Fui com a Dani Piedade (pivô e parceira de clube e seleção). O resultado deu uma fissura na canela e depois surgiu um calo ósseo. Tive que parar de jogar, pois poderia ter uma fratura exposta a qualquer momento. Tinha a opção de ficar parada por uns quatro meses, sem a certeza de cura total, e também a cirurgia. Optei pela operação e teria que ficar parada por três meses. Tenho até hoje uma haste de titânio dentro da canela direita. Pouco depois teve o Mundial da Rússia e voltei de lá toda ruim (risos) porque eu não estava com a musculatura ainda adequada. Tive uma inflamação na patela do joelho direito e tive que parar por mais alguns dias. Já quebrei o dedão do pé também, desloquei várias vezes os dedos da mão, mas nada tão grave como a lesão da canela. Ali eu cheguei a pensar que minha carreira estava em risco. O atleta precisa saber a lidar com a dor e as lesões, mas quando o corpo pede, é preciso dar um tempo.

Ficar sem competir deve ser até pior do que a própria lesão. Como foi esse longo período de inatividade?

"Foi difícil demais, principalmente porque não pude ir ao Brasil. Me lesionei em abril, operei em maio e em junho estava de férias. Se eu voltasse, teria que procurar uma fisioterapia específica e particular, enquanto aqui eu tinha toda a estrutura do clube. Minha família mora aí no Estado. Eu e meu marido temos uma casa em Porto Seguro (BA) e por conta das distâncias seria complicado fazer a recuperação. Nessa vida aprendi que não se pode ter tudo, também temos que ceder. Em todos esses anos de Europa, nunca deixei de ver minha mãe, mesmo que fosse em um bate-volta. Desta vez, porém, foi diferente. Em 2017 não consegui estar com minha família. O apoio incondicional do meu marido - Alexandra é casada com o ex-jogador chileno Patricio Martines, que assim como a capixaba, jogou como ponta-direita e também é canhoto - foi determinante na minha reabilitação. Tive o apoio da Marina, fisioterapeuta da Seleção. Ela tinha voz ativa no processo e me acompanhava à distância. Sem contar, é claro, com o apoio da profissional do clube. A parte mais difícil da recuperação era dobrar o joelho, e isso ficava a cargo do meu marido. Era uma dor descomunal. Ele não me deixava desistir em momento algum. Foram três meses nessa luta. Sequer via as meninas treinando para poder já ter o contato e desenvolver uma amizade. Não treinar me doía muito. Depois iniciei a transição com esteira e uns trabalhos de saltos leves já na quadra. Foi um retorno lento, porém no tempo certo.

Seu retorno às quadras superou as expectativas?

Voltei antes do período planejado e ocorreu ainda em 2017, bem próximo do fim do ano. Nas duas primeiras semanas não tive contato com as meninas do time. Elas tinham todo um cuidado quando o lance era comigo. Falava com elas para que treinassem normal comigo, pois só voltei completamente livre das dores. Seis meses após a lesão fiz meu primeiro amistoso e joguei 15 minutos em cada tempo. Estou 100% recuperada. Estar de volta é muito bom. Ainda jogo com uma proteção no joelho operado, mas em poucas semanas devo entrar em quadra sem ela. Isso, porém, vai depender da orientação dos profissionais da área médica. Não sinto nada, é meramente por precaução mesmo.

O Brasil teve um Mundial fraco. A que se deve esse desempenho tão ruim?

Quando as meninas foram jogar o Mundial, acompanhei pouco porque foi bem difícil ficar de fora. Foi triste não poder estar lá, mas o esporte é assim. Esse momento de transição é complicado, pois algumas tiveram filhos, outras pediram dispensa, algumas com lesões e houve a mudança de técnico também. Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. As questões alheias ao esporte também afetaram, pois diminuiu o repasse à modalidade e isso também influencia. A preparação para o Mundial da Romênia não foi a ideal, mas com o tempo as coisas voltam à normalidade e a renovação se faz necessária. No meu caso, estar na seleção sempre foi algo que amei, mas não sei se me vejo em condições de estar em um novo ciclo olímpico (Tóquio-2020), principalmente por ter planos de ser mãe em breve. Portanto fica difícil conciliar as duas coisas. A questão familiar pesa muito nessas horas, mas deixei essa decisão para o técnico e entendo qualquer que seja a escolha. Se me chamar, é provável que não negue, mas caso não, vou entender perfeitamente.

Você está com 36 anos e em boas condições. Ainda se vê jogando por muito tempo?

 

Ainda não sei. Tenho propostas para seguir, mas a vontade de ser mãe é muito grande. Caso renove, significa que terei de adiar esses planos por mais um ano pelo menos e ao término desse novo contrato estarei com 37 anos. É algo a ser muito bem planejado ao lado do meu marido.

São anos longe do Brasil e da família. Já aprendeu a conviver com a distância?

Em junho, quando encerra a temporada, irei ao Brasil. Mas digo que tudo valeu à pena. Acredito que fiz as escolhas certas.

Arrepende-se de alguma coisa nesses anos de handebol?

Este vídeo pode te interessar

Não, jamais. A vida no esporte não é fácil, mas é recompensadora. Quero aproveitar e agradecer ao carinho que recebi dos fãs ao longo desses anos.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais