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'Ainda existe um caminho muito grande a percorrer na sustentabilidade', diz Chiara Gadaleta

"Ainda existe um caminho muito grande a percorrer na sustentabilidade", diz Chiara Gadaleta

Italiana se transformou em sinônimo de consumo consciente no país ao usar seus conhecimentos para buscar soluções que diminuam o impacto negativo das indústrias de moda, beleza e design

Publicado em 25 de fevereiro de 2018 às 00:15

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Chiara Gadaleta. (Reprodução/Instagram @chiaragadaleta)

A italiana Chiara Gadaleta sempre esteve à frente do seu tempo. Há 10 anos, quando o assunto sustentabilidade nem era pauta, ela já começava a trabalhar no segmento. Ex-modelo, passou por diferentes áreas do mundo da moda. É estilista formada no tradicional estúdio Berçot, em Paris, já assinou o styling de diversas publicações nacionais, apresenta o programa de TV “Menos é Demais” e comanda o Ecoera, projeto pioneiro, que colocou no radar do noticiário brasileiro questões relativas ao consumo consciente e à sustentabilidade.

Com a intenção de olhar a moda e a beleza por outro ângulo, ela criou a plataforma multidisciplinar de disseminação das práticas sustentáveis nesses mercados. Agora dá mais um passo importante na sua história, ao lançar a versão on-line do Ecoera, primeira plataforma on-line que reúne conteúdo, serviços e produtos sustentáveis.

Há 10 anos você lançou o Ecoera, projeto pioneiro, que colocou na pauta do noticiário brasileiro questões relativas ao consumo consciente e à sustentabilidade. Qual era o objetivo?

"O Movimento Ecoera foi criado em 2008 com o objetivo de integrar os mercados de moda, beleza e design a questões sociais e ambientais por meio de um conjunto de atividades, práticas e ações que aproximassem toda a cadeia produtiva dessas áreas à sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural."

Qual era o seu questionamento?

"Meu questionamento era embasado no fato de a moda ter entrado em descompasso com seu tempo. Sempre considerei a moda como um repórter de uma época, uma fotografia fiel de um tempo. Sentia que o planeta e a sociedade gritavam socorro e a indústria da moda, que sempre foi minha paixão, não estava alinhada com essa urgência. Assim comecei a pesquisar e dedicar meu trabalho em busca de uma moda que represente os nossos tempos de sustentabilidade ambiental e social."

O que caracteriza a moda sustentável?

"É basicamente a moda conectada com quatro pilares: ecológico/ambiental, social, cultural e econômico. Ou seja, é uma produção de moda que tenha um menor impacto no meio ambiente e na sociedade com um processo de reuso ou reciclado, matérias-primas orgânicas, artesanais, etc..."

É verdade que no início você teve que abrir mão de todos os seus clientes para embarcar nessa jornada?

"Quando eu decidi usar a minha voz na minha comunidade da moda para fazer diferença, tive que mudar completamente a maneira de trabalhar. Então avisei os meus clientes convencionais que eu iria me envolver com questões sociais e ambientais. Comecei, aos poucos, a tentar fazer uma transição. Sempre propunha uma maneira mais adequada para alertar as mudanças que queria na época. E o bacana é que hoje, depois de 10 anos, prestamos consultoria para diversas empresas. E aquela vontade que eu tinha na época, hoje virou uma verdade mercadológica. Está cada vez mais gostoso trabalhar com essas questões porque se tornou uma urgência. Fazemos parte dessa mudança e as empresas entenderam que elas também precisavam mudar o pensamento."

Hoje o assunto sustentabilidade é pop, todo mundo fala, empresas aderem. Qual é a necessidade agora?

"Ainda é muito necessário. Por mais que hoje muitas empresas já estejam mais engajadas a construir sua marca em cima da sustentabilidade, ainda existe um caminho muito grande a se percorrer. Mas, ao mesmo tempo, o que conquistamos até agora é muito gratificante. Ao longo dessa década construímos um networking de empresas, pessoas e projetos com engajamento social e ambiental. Quando olho para essa jornada, vejo relações transparentes e de respeito, onde a estética só faz sentido se estiver intimamente ligada à ética. Me sinto muito grata por ter chegado até aqui. Fico feliz de poder inspirar, não apenas meus filhos, mas também jovens profissionais."

Dá para ser sustentável e ter um negócio lucrativo de moda? A matemática é a mesma de um negócio convencional?

"Infelizmente, o mercado de moda convencional não leva em consideração as questões sociais e ambientais. Isso não está na matemática, nem no business plan deles. Já nos novos negócios, a primeira questão a se pensar é: como posso impactar positivamente o meio ambiente, o seu entorno, o planeta e os seus colaboradores.

Então, nesse caso, a matemática é inversa. E a questão do lucro precisa entrar nessa equação. É por isso que as marcas que já nascem de uma forma mais engajada e consciente, têm uma facilidade maior. Elas não passam por uma transformação e nem por um planejamento de mudança, de conduta ou de colocar impactos positivos dentro da cadeia de valores. Isso já faz parte.

 Uma empresa grande que não está alinhada a essas questões precisa de um investimento e de um planejamento. Ou seja, é mais difícil, mas é viável. É isso o que prestamos em nossa consultoria do programa Ecoera: fotografamos uma cadeia de valor e mostramos como que essa empresa pode se conectar com as questões sociais e ambientais e como entrar em sintonia com os novos tempos."

Antes de todo esse trabalho, você foi modelo de sucesso. Quais são as principais lembranças você tem desta época?

"Quando eu estava me formando na faculdade de comunicação (FAAP), consegui um estágio na revista “Vogue”. Na época, a Patrícia Carta, editora de moda, olhou pra mim e praticamente me obrigou a fazer um casting e foi justamente com o Bob Wolfenson, um dos fotógrafos mais importantes do Brasil. Então, mesmo sem muita pretensão, acabei me tornando modelo. Apesar de não ter sido uma longa carreira na área, consegui muitos desfiles e conquistas. Foi uma época muito gratificante e que me possibilitou ficar bem perto do mercado de moda.

A Marie Rucki, do Studio Berçot, fala uma coisa bem interessante: a modelo aprende a entender uma roupa na essência quando ela a veste! Pensando assim, depois de um tempo, eu já não estava muito satisfeita em apenas usar o meu corpo como cabide. Eu tinha uma inquietação muito forte, queria colocar essa energia e criatividade pra fora. Assim, decidi e comecei a escola de moda no Studio Berçot, em Paris."

Em 2005 você lançou a marca Tarântula. Foi nesse período que você começou a perceber o desperdício que acontece na indústria da moda?

"Sim, porque muito antes de eu entender o que era a moda sustentável, eu já realizava um trabalho parecido com a Tarântula. Nesse período eu pude ver de perto o quanto de desperdício acontece na indústria da moda."

E na sua marca você já reaproveitava os tecidos ou essa consciência veio anos depois?

"Através da Tarântula, eu já pensava no reaproveitamento de tecido. Naquela época, eu pensava em não desperdiçar nada de tecido porque sairia mais barato. O que sobrava, logo transformava em outra coisa. A consciência sobre o reaproveitamento veio nessa época."

Você se sente uma missionária?

"Eu tenho gostado de dizer que me sinto uma missionária, sim. Acredito que a minha missão é usar a moda para fazer diferença e, muitas vezes, sem nenhum foco financeiro. Eu uso as minhas ferramentas, que são a moda, a beleza e o design, para melhorar a vida de certo grupo de pessoas. É claro que, nessa equação, eu saio ganhando, porque eu me envolvo com a vida real, com a vida que eu gosto. E é isso que me mantém viva."

Quem é a Chiara longe dos holofotes, a que as pessoas não conhecem?

"Sou uma pessoa muito transparente e sensível. É muito difícil esconder para os outros as minhas emoções. Acredito ser bem parecida com a imagem que as pessoas veem sob a luz dos holofotes, mas ultimamente tenho preferido ficar muito mais relaxada, sem maquiagem nenhuma. Depois das temporadas de gravações do programa de TV “Menos é Demais”, no canal Discovery Home and Health, fico mais recolhida, de preferência na Floresta Amazônica, onde estamos desenvolvendo o Projeto Kaapu, com as índias Wai Wai."

O que você aprendeu com o trabalho na reserva do Uatumã, na tribo Wai Wai?

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"Eu aprendi tudo! Primeiro que eu sempre tive muito respeito pelos seis biomas brasileiros (Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa, Pantanal, Amazônia). Mas quando você, de fato, mergulha na Amazônia, é muito forte! A floresta tem uma energia muito poderosa. Tenho aprendido cada vez mais a respeitar, lidar, conservar e preservar a floresta. Enfim, tenho aprendido muito com a natureza. Hoje, para mim, ela é minha grande mestra."

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