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Ciganos pedem respeito e inclusão em políticas públicas

Ciganos pedem respeito e inclusão em políticas públicas

Em meio às discussões de propostas de enfrentamento ao racismo e outras formas de preconceito, os ciganos marcaram presença com sua cultura e também com várias pautas negligenciadas pelo Poder Público

Publicado em 30 de maio de 2018 às 18:36

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4ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), no Centro Internacional de Convenções do Brasil. (Fabio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil)

“O que estamos reivindicando? Tudo”. É assim que o cigano Carlos Calon resume as demandas do povo itinerante. Integrante do Centro de Estudos e Discussões Romani, Calon é uma das lideranças ciganas que participam da 4ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), realizada desde a última segunda-feira (28), em Brasília.

Em meio às discussões de propostas de enfrentamento ao racismo e outras formas de preconceito, os ciganos marcaram presença com sua cultura e também com várias pautas negligenciadas há décadas pelo Poder Público. “O mais importante para nós é saúde, educação, território e respeito, o governo municipal não nos respeita, não nos atende, não nos vê”, protestou Carlos Carlon.

A invisibilidade é expressa na falta de dados atualizados sobre a comunidade cigana no Brasil. O último levantamento foi feito em 2014 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Naquele ano, o instituto registrou a existência de acampamentos ciganos em 22 estados brasileiros. Algumas estimativas apontam que vivem no Brasil de 600 a 800 mil ciganos, mas as comunidades acreditam que o número é muito maior.

“É um povo esquecido. A gente chegou no Brasil em 1574, então são mais de 400 anos de anonimato. O nosso objetivo é ser reconhecido como brasileiros de origem cigana, porque querendo ou não a gente fez parte da construção desse país. E o Estado não sabe quem somos, onde estamos e muito menos quanto somos”, critica Maura Piemonte, cigana da etnia Calon.

Segundo Maura, que também integra a Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, praticamente 90% do povo Calon é analfabeto. “Gera desemprego, problemas de saúde, dependência, fica o povo ocioso, abandonado a sua própria sorte”, completa a cigana.

Maura também trabalha para desenvolver políticas específicas para as mulheres ciganas, principalmente para protegê-las de situações de violência. “Um dos meus maiores objetivos é empoderar a mulher cigana, porque quem sofre mais é a mulherada dentro da barraca. É muito difícil você estar de madrugada e a polícia invadir seu acampamento, botando fogo, jogando as comidas fora. É doloroso e não temos para onde correr, não adianta um cigano ir para porta da delegacia reclamar, porque ele vai preso”, relata.

Maura Piemonte participa da 4ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir), no Centro Internacional de Convenções do Brasil. (Fabio Rodrigues Pozzeom | Agência Brasil)

O assunto foi debatido no início desta semana na Procuradoria-Geral da República, que recomendou, por meio da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, que o IBGE inclua os ciganos no próximo Censo demográfico e nas pesquisas de informações básicas municipais. O Ministério Público argumenta que a falta de dados prejudica a elaboração e aplicação, pelos gestores públicos, de políticas específicas para o povo cigano.

Esta semana, os grupos ciganos ainda participaram de audiência pública no Senado Federal na qual pediram a aprovação do Estatuto do Cigano. O projeto destaca o dever do Estado de garantir aos ciganos igualdade de oportunidades no acesso às políticas de desenvolvimento econômico e social, em todas as áreas, como saúde, educação, trabalho, moradia e cultura.

Ciganos da etnia Rom também reforçaram o pedido por respeito e inclusão. “Nós temos que inserir a história do cigano na história do Brasil, porque aí a criança aprende a respeitar”, sugere o cigano Mio Vacite, presidente da União Cigana do Brasil.

PLANO NACIONAL

Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos confirma que há carência de atenção do Poder Público à questão cigana e escassez de dados referentes a esses povos. O governo tem registro da existência de povos das etnias Calon, Rom e Sinti. Nem todos são nômades. Alguns vivem em acampamento e ranchos como os Calon.

Pequisa do IBGE mostra que, do total de 5.570 municípios brasileiros, 195 declaram que executam programas e ações para ciganos. Segundo o ministério, desde 2011, mais de 13 mil famílias ciganas foram incluídas no Cadastro Único de Programas Sociais do governo federal para receber o benefício do Bolsa Família.

Em 2016, o ministério instituiu, por meio da Seppir, o Plano Nacional de Políticas para Povos Ciganos, que tem entre as ações prioritárias os serviços de documentação e registro civil dos ciganos, capacitação de defensores públicos, inclusão em políticas sociais e de infraestrutura, como o Minha Casa, Minha Vida e o Luz para Todos, além de projetos de regularização fundiária e de valorização da cultura cigana.

“Os ciganos ainda estão lutando por políticas que já conseguimos para a população negra. Para você ter uma ideia, foi só a partir de 2016 que esta secretaria criou o Plano Nacional de Políticas para os Povos Ciganos. O nosso embate também é por uma mobilização no Congresso Nacional para a aprovação do Estatuto dos Povos Ciganos, como temos o Estatuto da Igualdade Racial”, destacou o secretário da Seppir, Juvenal Araújo.

CONAPIR

Além dos ciganos, indígenas, grupos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transexuais (LGBT's) e religiosos de matriz africana se reúnem na 4ª Conapir desde a última segunda-feira (28). Os diferentes grupos étnicos e de minorias discutem junto a especialistas, pesquisadores de várias áreas e gestores públicos estratégias de enfrentamento ao racismo e outras formas de discriminação racial e étnica.

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O evento termina nesta quarta-feira (30) com a divulgação de um documento com todas as propostas levantadas durante os debates. A Conapir deste ano teve como tema “O Brasil na Década Internacional do Afrodescendente”, com destaque para os temas de reconhecimento, justiça, desenvolvimento e igualdade de direitos. O evento foi organizado pelo Conselho Nacional de Promoção das Políticas de Igualdade Racial (CNPIR), com apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

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