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Intervenção no Rio ainda não conseguiu investir na segurança

Intervenção no Rio ainda não conseguiu investir na segurança

Militares afirmam estar enfrentando os trâmites da administração pública

Publicado em 8 de junho de 2018 às 09:26

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O interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro, general Walter Braga Netto. (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Às voltas com a violência que não dá trégua no estado, a equipe da intervenção federal enfrenta outro desafio: a burocracia. Mais de um mês após ter recebido da União R$ 1,2 bilhão para fazer investimentos na área de segurança, os militares afirmam que ainda estão enfrentando os trâmites da administração pública para ir às compras. Por ora, o dinheiro — liberado por uma medida provisória assinada pelo presidente Michel Temer no fim de março, mas que só chegou ao Rio um mês depois — está parado no cofre. Enquanto isso, as operações continuam com os recursos disponíveis: nesta quinta foi deflagrada a maior ação integrada desde o início da intervenção (16 de fevereiro), que mobilizou 4.600 militares e apreendeu apenas três pistolas, além de ter 13 detidos.

Sobre o dinheiro, o Gabinete de Intervenção Federal informou, por meio de nota, que já listou as “prioridades”: transporte, armamento e equipamento — tecnologia e inteligência. No texto, explicou que é preciso se adequar à Lei de Licitações para fazer qualquer compra. O objetivo dos gastos, segundo informou, “é fazer com que o investimento tenha um melhor aproveitamento imediato e contribua para um cenário positivo para a segurança”.

PLANO PREVÊ VOLTA DE MILITARES DA RESERVA

Se os recursos estão empacados, o plano estratégico de atuação da forças integradas de segurança no Rio, enfim, ficou pronto. Como noticiou o jornal “O Estado de S. Paulo”, uma portaria com 66 metas foi assinada pelo general Walter Braga Netto no último dia 29, mais de cem dias após a decretação da intervenção. O documento propõe o uso de militares da reserva para reforçar os efetivos do estado, além de um sistema unificado de todas as chamadas de emergência (que ficariam concentradas no 190) e mais eventos cívicos em batalhões para aumentar a autoestima dos policiais. O planejamento prevê a aplicação de R$ 1 bilhão — valor próximo do que já foi liberado pela União.

O Gabinete de Intervenção Federal confirmou a conclusão do documento e informou que “foram estabelecidos os seguintes objetivos estratégicos: diminuição dos índices de criminalidade, recuperação da capacidade operativa dos órgãos de segurança pública, articulação das instituições dos entes federativos, fortalecimento do caráter institucional da segurança pública e melhoria da qualidade e da gestão do sistema prisional”. Para isso, a pasta tomará medidas que classificou como “estruturantes”.

Especialistas se dividem sobre os passos dados até agora pelo Gabinete de Intervenção. Para Manoel Peixinho, professor de direito administrativo da PUC-Rio, mesmo com a demora para a chegada dos recursos da União ao estado, os militares poderiam ter se antecipado e, com a informação sobre o valor do repasse, ter preparado esboços dos editais de licitação, agilizando o processo.

— Já poderiam ter preparado os procedimentos antes, fazendo um exame preliminar com a previsão orçamentária que tinham. Quando chegasse o dinheiro, eles publicariam imediatamente — disse Peixinho.

O especialista acredita também que, diante da situação crítica na área de segurança, algumas compras urgentes poderiam ser feitas pontualmente em regime de dispensa de licitação:

— Haveria uma fundamentação jurídica para situações emergenciais.

Já para Leonardo Vizeu, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) com especialização em segurança pública, a execução orçamentária é mesmo demorada e o que o Gabinete de Intervenção enfrenta é a burocracia inerente à lei brasileira:

— Existe uma série de preceitos legais que devem ser respeitados. Você tem que observar a legislação brasileira. O próprio sistema administrativo de aquisição de bens é lento e burocrático. Todos que trabalham na área sabem que leva, no mínimo, seis meses para efetivar uma compra. O entrave burocrático é muito grande. Na administração pública, pressa e lisura dificilmente caminham lado a lado — argumenta.

Rafael Barcia, delegado e presidente do sindicato da categoria, afirma que a intervenção até conseguiu melhorias do ponto de vista moral na Polícia Civil, mas os recursos prometidos para retomar a capacidade operacional das corporações ainda fazem falta:

— Essa questão ainda não melhorou. O quadro é alarmante. A percepção da intervenção na Polícia Civil tem sido muito boa. A proatividade disparou, mas ainda não chegou um real de que precisamos — disse o delegado. — Estamos ansiosos pelos recursos financeiros.

Após a operação desta quinta-feira, o porta-voz do Comando Militar do Leste, coronel Frederico Carlos Cinelli, informou que as Forças Armadas vão manter o cerco, por tempo indeterminado, na Cidade de Deus, na Gardênia Azul, no Outeiro, na Vila do Sapê, no Parque Dois Irmãos e no Morro da Helena. Segundo ele, o objetivo é desafogar o trabalho do 18º BPM (Jacarepaguá), para que seus policiais militares passassem por treinamento. Além disso, a unidade da PM vai receber equipamentos:

— Começamos a atuar agora na área de influência do 18º BPM. Enquanto nós estamos aqui apoiando, com ações emergenciais, o batalhão está sendo recapacitado, recebendo material, viaturas, treinamento de reciclagem. Assim, quando nós sairmos daqui, o batalhão pode assumir a região efetivamente — disse o oficial.

A operação de ontem contou com 4.600 militares das Forças Armadas, 420 policiais militares e 350 policiais civis. Pela manhã, o Comando Militar do Leste avisou que um dos objetivos da ação era cumprir mandados de prisão, além de retirar barricadas, mas apenas três foram removidas. Treze suspeitos foram detidos. O balanço do armamento apreendido foi ainda mais minguado: três pistolas, uma granada e munição.

UM MORTO E UM FERIDO

Quando as equipes chegaram à Cidade de Deus, pela manhã, houve tiroteio. Um suspeito foi morto e outro, ferido. Durante a incursão, policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) atearam fogo a uma casa de alvenaria construída na Avenida Cidade de Deus, às margens do rio que corta a comunidade. Por pouco, a operação não causou prejuízos a Maurício de Oliveira, morador da comunidade. É que o carro do motorista de uma distribuidora de bebidas estava parado próximo à construção incendiada.

— Sou motorista há mais de 40 anos e, mesmo assim, de tão nervoso que estava, não consegui ligar o carro. Alguns mototaxistas e vizinhos que estavam perto me socorreram e empurraram o veículo para longe do fogo — conta Oliveira, que foi revistado por militares quando deixava a Cidade de Deus para ir trabalhar.

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Procurada, a PM não informou o motivo que levou os agentes do Bope a colocarem fogo na casa. Depois dos confrontos, o interventor do estado, general Walter Braga Netto, foi à Cidade de Deus e conversou com militares que atuavam na operação. O oficial foi escoltado durante o percurso por cerca de 50 militares. No caminho para o local da operação, na Avenida Brasil, um batedor do Exército atropelou um homem. Os dois morreram. O militar estava de motocicleta, escoltando os comboios. A arma do militar foi roubada após o acidente, mas localizada em seguida, junto com a munição.

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