Às voltas com a violência que não dá trégua no estado, a equipe da intervenção federal enfrenta outro desafio: a burocracia. Mais de um mês após ter recebido da União R$ 1,2 bilhão para fazer investimentos na área de segurança, os militares afirmam que ainda estão enfrentando os trâmites da administração pública para ir às compras. Por ora, o dinheiro liberado por uma medida provisória assinada pelo presidente Michel Temer no fim de março, mas que só chegou ao Rio um mês depois está parado no cofre. Enquanto isso, as operações continuam com os recursos disponíveis: nesta quinta foi deflagrada a maior ação integrada desde o início da intervenção (16 de fevereiro), que mobilizou 4.600 militares e apreendeu apenas três pistolas, além de ter 13 detidos.
Sobre o dinheiro, o Gabinete de Intervenção Federal informou, por meio de nota, que já listou as prioridades: transporte, armamento e equipamento tecnologia e inteligência. No texto, explicou que é preciso se adequar à Lei de Licitações para fazer qualquer compra. O objetivo dos gastos, segundo informou, é fazer com que o investimento tenha um melhor aproveitamento imediato e contribua para um cenário positivo para a segurança.
PLANO PREVÊ VOLTA DE MILITARES DA RESERVA
Se os recursos estão empacados, o plano estratégico de atuação da forças integradas de segurança no Rio, enfim, ficou pronto. Como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo, uma portaria com 66 metas foi assinada pelo general Walter Braga Netto no último dia 29, mais de cem dias após a decretação da intervenção. O documento propõe o uso de militares da reserva para reforçar os efetivos do estado, além de um sistema unificado de todas as chamadas de emergência (que ficariam concentradas no 190) e mais eventos cívicos em batalhões para aumentar a autoestima dos policiais. O planejamento prevê a aplicação de R$ 1 bilhão valor próximo do que já foi liberado pela União.
O Gabinete de Intervenção Federal confirmou a conclusão do documento e informou que foram estabelecidos os seguintes objetivos estratégicos: diminuição dos índices de criminalidade, recuperação da capacidade operativa dos órgãos de segurança pública, articulação das instituições dos entes federativos, fortalecimento do caráter institucional da segurança pública e melhoria da qualidade e da gestão do sistema prisional. Para isso, a pasta tomará medidas que classificou como estruturantes.
Especialistas se dividem sobre os passos dados até agora pelo Gabinete de Intervenção. Para Manoel Peixinho, professor de direito administrativo da PUC-Rio, mesmo com a demora para a chegada dos recursos da União ao estado, os militares poderiam ter se antecipado e, com a informação sobre o valor do repasse, ter preparado esboços dos editais de licitação, agilizando o processo.
Já poderiam ter preparado os procedimentos antes, fazendo um exame preliminar com a previsão orçamentária que tinham. Quando chegasse o dinheiro, eles publicariam imediatamente disse Peixinho.
O especialista acredita também que, diante da situação crítica na área de segurança, algumas compras urgentes poderiam ser feitas pontualmente em regime de dispensa de licitação:
Haveria uma fundamentação jurídica para situações emergenciais.
Já para Leonardo Vizeu, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas (FGV) com especialização em segurança pública, a execução orçamentária é mesmo demorada e o que o Gabinete de Intervenção enfrenta é a burocracia inerente à lei brasileira:
Existe uma série de preceitos legais que devem ser respeitados. Você tem que observar a legislação brasileira. O próprio sistema administrativo de aquisição de bens é lento e burocrático. Todos que trabalham na área sabem que leva, no mínimo, seis meses para efetivar uma compra. O entrave burocrático é muito grande. Na administração pública, pressa e lisura dificilmente caminham lado a lado argumenta.
Rafael Barcia, delegado e presidente do sindicato da categoria, afirma que a intervenção até conseguiu melhorias do ponto de vista moral na Polícia Civil, mas os recursos prometidos para retomar a capacidade operacional das corporações ainda fazem falta:
Essa questão ainda não melhorou. O quadro é alarmante. A percepção da intervenção na Polícia Civil tem sido muito boa. A proatividade disparou, mas ainda não chegou um real de que precisamos disse o delegado. Estamos ansiosos pelos recursos financeiros.
Após a operação desta quinta-feira, o porta-voz do Comando Militar do Leste, coronel Frederico Carlos Cinelli, informou que as Forças Armadas vão manter o cerco, por tempo indeterminado, na Cidade de Deus, na Gardênia Azul, no Outeiro, na Vila do Sapê, no Parque Dois Irmãos e no Morro da Helena. Segundo ele, o objetivo é desafogar o trabalho do 18º BPM (Jacarepaguá), para que seus policiais militares passassem por treinamento. Além disso, a unidade da PM vai receber equipamentos:
Começamos a atuar agora na área de influência do 18º BPM. Enquanto nós estamos aqui apoiando, com ações emergenciais, o batalhão está sendo recapacitado, recebendo material, viaturas, treinamento de reciclagem. Assim, quando nós sairmos daqui, o batalhão pode assumir a região efetivamente disse o oficial.
A operação de ontem contou com 4.600 militares das Forças Armadas, 420 policiais militares e 350 policiais civis. Pela manhã, o Comando Militar do Leste avisou que um dos objetivos da ação era cumprir mandados de prisão, além de retirar barricadas, mas apenas três foram removidas. Treze suspeitos foram detidos. O balanço do armamento apreendido foi ainda mais minguado: três pistolas, uma granada e munição.
UM MORTO E UM FERIDO
Quando as equipes chegaram à Cidade de Deus, pela manhã, houve tiroteio. Um suspeito foi morto e outro, ferido. Durante a incursão, policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) atearam fogo a uma casa de alvenaria construída na Avenida Cidade de Deus, às margens do rio que corta a comunidade. Por pouco, a operação não causou prejuízos a Maurício de Oliveira, morador da comunidade. É que o carro do motorista de uma distribuidora de bebidas estava parado próximo à construção incendiada.
Sou motorista há mais de 40 anos e, mesmo assim, de tão nervoso que estava, não consegui ligar o carro. Alguns mototaxistas e vizinhos que estavam perto me socorreram e empurraram o veículo para longe do fogo conta Oliveira, que foi revistado por militares quando deixava a Cidade de Deus para ir trabalhar.
Procurada, a PM não informou o motivo que levou os agentes do Bope a colocarem fogo na casa. Depois dos confrontos, o interventor do estado, general Walter Braga Netto, foi à Cidade de Deus e conversou com militares que atuavam na operação. O oficial foi escoltado durante o percurso por cerca de 50 militares. No caminho para o local da operação, na Avenida Brasil, um batedor do Exército atropelou um homem. Os dois morreram. O militar estava de motocicleta, escoltando os comboios. A arma do militar foi roubada após o acidente, mas localizada em seguida, junto com a munição.
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