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Queda na cobertura vacinal contra pólio no Brasil preocupa

Queda na cobertura vacinal contra pólio no Brasil preocupa

Situação da doença na Venezuela evidencia o risco de relaxar na prevenção

Publicado em 15 de junho de 2018 às 11:19

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Vacina polio - gotinha. (Divulgação)

Enquanto a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) investiga casos de pólio na Venezuela, médicos alertam que no Brasil o importante agora é aumentar a cobertura vacinal contra a doença. Ela já esteve no percentual de 95%, o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas hoje está reduzida a 77%. O caso da Venezuela chamou a atenção para a queda da cobertura vacinal contra a pólio no país.

- É um percentual preocupante que mostra a perda de atenção com a vacinação contra a pólio. População e Estado precisam estar sempre em alerta. As campanhas têm que ser mais incisivas, a oferta ainda mais acessível e os pais e médicos, comprometidos. As novas gerações não vivenciaram o horror que a pólio representa e ele só foi afastado justamente pela vacinação em larga escala. Tivemos um alerta agora. Não é motivo para alarme, mas para ampliação da nossa cobertura vacinal - afirma o especialista em pólio e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Fernando Spilki.

Governo e especialistas garantem que não há motivo para alarme porque não há risco, ao que tudo indica, do chamado vírus selvagem, que se alastra. Os casos venezuelanos parecem estar relacionados ao vírus vacinal comum, não mutado, que consegue atingir apenas crianças não vacinadas em casos raros. Mas, ainda assim, estados e municípios foram orientados a intensificar a vigilância e a vacinação.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) orientou os médicos a notificar imediatamente todos os casos de paralisia flácida aguda em crianças. Em adultos, a orientação vale para todos os vindos de países com circulação do vírus ou que tiveram contato com pessoas destes países nos últimos 30 dias. A paralisia flácida é aquela em que a pessoa não consegue mover os membros, mas os músculos não se tornam rijos, como ocorrem em outras doenças.

O presidente do Departamento Científico de Imunizações da SBP, Renato Kfouri, acredita que não existe risco significativo de a doença se alastrar da Venezuela para o Brasil, mas alerta que o caso foi um aviso sobre a necessidade de intensificar a vacinação e rediscutir o modelo de imunização no Brasil.

- Na verdade, falta informação sobre a real cobertura vacinal do país. Esse número é incerto porque a forma como os municípios contabilizam as pessoas vacinadas não é homogênea e nem todos se informatizaram. O ano de 2017, por exemplo, fechou sem os dados do município de São Paulo. Imagine a diferença que isso faz. Por isso, o percentual pode ser algo entre 77% e 95%. A falta desse tipo de informação acurada, de fato, causa uma insegurança muito grande - observa Kfouri.

Além dos casos em investigação na Venezuela, associados ao vírus vacinal, o mundo registrou este ano somente dez casos, por vírus selvagem: oito no Afeganistão e dois no Paquistão. A OMS pretende erradicar a pólio até 2020, mas esse prazo já foi adiado antes.

Spilki diz que a cobertura de 77% é preocupante porque mostra a vulnerabilidade e a abertura da guarda em relação a um das piores doenças já enfrentadas pela Humanidade.

- As vacinas precisam estar disponíveis 24 horas por dia, todos os dias, e estar acessíveis mesmo em áreas isoladas. Mas a população e os profissionais de saúde também precisam fazer a sua parte. E ela é fundamental. Resistência à vacina mata e é falta de civilidade - destaca.

Segundo a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, Carla Domingues, a cobertura vacinal contra a poliomielite caiu porque alguns pais e profissionais de saúde deixaram de considerar a pólio uma ameaça, supondo que não existia mais.

- O mundo só tem uma doença infecciosa erradicada, a varíola. Todas as demais continuam a existir e só devemos deixar de vacinar quando forem extintas. Os pais precisam entender que a vacina é sempre necessária, o caso da Venezuela mostra isso - afirma Domingues.

O vírus da pólio selvagem não circula no Brasil há 28 anos. E na América do Sul, há 27 anos. Porém, o chamado vírus vacinal não deixou de circular porque a vacina atenuada (oral, a Sabin) tem vírus que, ao serem eliminados pelas fezes, entram no meio ambiente. Eventualmente, podem sofrer mutações e serem capazes de causar a doença em não vacinados.

Crianças não vacinadas e com alguma vulnerabilidade, como imunodepressão, também podem, em casos raros, desenvolver a doença, se infectadas pelo vírus vacinal que não passou por mutação. Isso pode acontecer por meio da água e de comida contaminada por fezes de crianças que tenham sido vacinadas. Por isso, todas as crianças precisam tomar a vacina.

Em crise política e econômica, a Venezuela mergulhou num abismo sanitário, com falta de vacinas e remédios. O país registra recentes epidemias de sarampo (tem 85% dos casos da América Latina), tuberculose, difteria e malária (69% de aumento em 2016).

A crise venezuelana já exportou o sarampo para o Brasil. A doença tinha sido considerada eliminada no Brasil em 2016, voltou este ano, depois do aparecimento de casos em Roraima, trazidos por imigrantes não vacinados. Domingues destaca que todas as crianças venezuelanas até 15 anos que entram no Brasil estão sendo vacinadas contra as doenças incluídas no PNI.

Pouco se sabe dos casos de pólio na Venezuela, cujo governo mantém silêncio sobre o assunto. A OPAS foi informada pela Sociedade Venezuelana de Saúde Pública de casos de paralisia flácida aguda no estado de Delta Amacuro, na costa atlântica, junto à Guiana. Lá a cobertura vacinal é de 67%.

Um caso foi confirmado por laboratório certificado pela OMS. É o de uma menina de dois anos e 10 meses com paralisia das pernas. Ela não havia sido vacinada e um exame em laboratório de referência isolou o vírus vacinal Sabin 3. Há outro caso de paralisia na mesma comunidade, de uma menina de 8 anos, ainda sem confirmação laboratorial.

As crianças são da comunidade La Playita del Volcán, no município Tucupita, da etnia indígena Warao.

Especialistas concordam que o Brasil precisa melhorar, mas isso depende tanto de governo quanto da sociedade.

- O modelo de imunização precisa ser rediscutido. Mas a sociedade não pode se omitir. A percepção de risco da população e dos profissionais de saúde precisa mudar. Risco sempre existe e só a vacina acaba com ele. É irresponsabilidade não vacinar - salienta Kfouri.

O país tem 35 mil salas de vacinação. Mas muitos fatores contribuem para que a população não se vacine. Além da falta de procura - patente também pela a baixa procura pela vacina da gripe que sobrou nos postos - existem fatores como a falhas na entrega de doses nos postos, o fato de estes só funcionarem em dias de semana, quando as pessoas estão trabalhando, e a dificuldade de chegar a comunidades isoladas.

- Se uma pessoa busca a vacina e ela não está disponível naquele dia, por falhas na entrega, ela pode não conseguir voltar ao posto - exemplifica Kfouri. - São muitos os fatores e as desigualdades. Você tem áreas no Brasil onde 100% das crianças foram vacinadas. Outras, onde não chega a 30%.

Especialista em vírus da família da varíola, a única doença já erradicada pelo homem, e membro do comitê que assessora a OMS sobre a doença, a professora da UFRJ Clarissa Damaso, faz um alerta sobre o perigo que o pensamento antivacina representa para a sociedade. Ela frisa que as crenças antivacina não têm qualquer base em fatos, são uma questão ideológica.

- Mas não são uma questão de direito individual porque representam uma ameaça para a saúde pública. Pais que deixam um filho sem vacina deliberadamente não só o colocam em risco, mas ameaçam também todas as outras crianças. Transcende o egoísmo, é um ataque contra a sociedade - frisa.

CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO EM AGOSTO

O Brasil fará a campanha nacional contra a pólio de 6 a 24 de agosto. Devem ser vacinadas todas as crianças de 1 ano a 5 anos de idade, mesmo que já tenham tomado todas as doses da vacina.

O PNI prevê que toda criança precisa tomar a vacina contra a pólio e isso é feito em duas fases, desde 2012, quando o país adotou o sistema combinado, considerado o melhor. Por ele, na primeira fase, a criança toma três doses da vacina contra o vírus inativado, injetável, aos dois, quatro e seis meses de idade. É a vacina conhecida como Salk, em alusão ao nome de seu inventor. Depois, na segunda fase, a criança precisa tomar a vacina oral com o vírus atenuado (a Sabin) aos 15 meses e aos 4 anos de idade.

A vacina é oferecida o ano inteiro, gratuitamente, nos postos de saúde, independentemente de campanhas.

A pólio causa paralisia temporária ou permanente em um a cada 100 infectados. O vírus é altamente infeccioso e se propaga com facilidade por meio do consumo de comida ou água contaminadas por fezes de pessoas infectadas.

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Antes do desenvolvimento das vacinas, o vírus da pólio era um dos maiores inimigos da Humanidade. Crianças que tinham os músculos torácicos atingidos eram confinadas nos chamados “pulmões de ferro”, para conseguirem respirar. Às vezes, por toda a vida. Não existe cura. Por isso, a vacina é imprescindível.

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