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Aborto no STF: início da vida causa controvérsia entre especialistas

Aborto no STF: início da vida causa controvérsia entre especialistas

Discussão complexa não encontrou consenso nem entre cientistas nem entre religiosos

Publicado em 7 de agosto de 2018 às 09:46

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Prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília . (Divulgação / STF)

Quando a vida tem início? O questionamento é complexo, e é difícil encontrar um consenso mesmo entre cientistas e religiosos. A questão foi levantada durante as audiências públicas convocadas pelo STF, ontem e na última sexta-feira, principalmente por líderes religiosos que a utilizaram para argumentar contra a descriminalização do aborto.

Durante sua fala na audiência pública, Sílvia Maria de Vasconcelos Palmeira Cruz, do Conselho Nacional do Laicato do Brasil na Arquidiocese de Aracaju (Conal), disse que os defensores da descriminalização do aborto têm uma visão filosófica e ideológica sem base científica. Segundo ela, o feto é um novo ser, e não apenas uma “parte” da mulher.

O argumento foi usado também por Douglas Roberto de Almeida Baptista, da Convenção Geral das Assembleias de Deus. Assim como outros expositores, ele mencionou a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, que, dependendo do ponto de vista, ora é citada para defender o aborto, ora para rechaçá-lo.

— A Convenção Interamericana de Direitos Humanos assevera que "toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente".

Também contrário à descriminalização, Luciano Alencar da Cunha, da Federação Espírita Brasileira, citou o advogado Sobral Pinto, que, durante a ditadura do Estado Novo, pediu ao menos a aplicação da Lei de Proteção aos Animais a um preso político.

— Se protege os ovos das tartarugas, das araras, por que não se protege o zigoto? — questionou Luciano, citando Sobral Pinto em seguida e concluindo: — Nós evocamos o direito ambiental para proteger os ovos dos homens.

Já o rabino Michel Schlesinger, que falou em nome da Confederação Israelita do Brasil, afirmou que a tradição judaica é no sentido de permitir a interrupção da gravidez.

— A tradição judaica entendeu que durante a gravidez não existe vida completa e autônoma. Existe durante a gravidez a potencialidade de vida. Esta é, sim, sagrada e deve ser guardada, mas permanece em debate com diversos outros valores que a cercam — afirmou o rabino. — Pessoas que me procuraram para conselho eram pessoas que estavam em situações muito críticas e desesperadas. As razões que poderiam justificar (o aborto), sob uma perspectiva judaica, vão do risco de vida da mãe, passando pelo risco de saúde física ou mental pela mãe, o que inclui casos de estupro, como prevê nossa legislação, mas os expande a casos de incesto, adultérios, gravidez na infância, gravidez na velhice, falta de condições sócio-econômicas, entre tantas outras.

Representante da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), Moshin Ben Moussa disse que, segundo o Islã, há quatro etapas da gestação com regras diferentes quanto ao aborto. Nos primeiros seis dias, o embrião ainda não é considerado um ser vivo, e a gravidez pode ser interrompida em qualquer situação. Depois, até a sétima semana, o aborto não é desejado, mas pode ocorrer em caso de estupro.

Passado esse período, a prática ainda é possível até os quatro meses de gestação, se representar risco à vida da mãe. Por fim, após quatro meses, é proibido em qualquer situação, porque nessa etapa há “o sopro da alma” no feto.

‘Não há consenso na comunidade científica’

Para Lygia da Veiga Pereira, professora titular de genética da USP, a pergunta sobre quando começa a vida é um "beco sem saída", uma questão para a qual não se encontrará resposta certa e que também não tem consenso na comunidade científica. Ela afirma que não há um “marco” de quando se passa a ser humano.

— O feto é uma forma de vida inviolável porque nossa Constituição não permite o aborto. Mas, nos outros casos em que é legal, como estupro, risco de morte à mãe e anencefalia, esse mesmo feto, imediatamente, passa a ser uma forma de vida legalmente violável — afirma ela, que é contra o questionamento para fundamentar o debate sobre a descriminalização. — Não há uma resposta certa sobre quando começa a vida. Repudio a questão ser colocada dessa forma, como "quando começa a vida humana". O que tem que ser discutido é em que circunstâncias a nossa sociedade acha que essa vida tem direitos, como já foi feito, por exemplo, no caso de mortes cerebrais.

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