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Feminismo chega às sex shops e modifica produtos e estratégias

Feminismo chega às sex shops e modifica produtos e estratégias

Contos eróticos narrados por mulheres e entregas com motogirl estão entre as novidades

Publicado em 28 de agosto de 2018 às 12:06

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O dildo duplo New Wave é vendido no site da Pantynova . (Divulgação)

“Olá. Eu sou a Lola. E eu sou a Iza. E este é o ‘#hersecret’, um canal aberto sobre a sexualidade feminina, sem tabus e julgamentos”, anunciam duas vozes femininas no começo do podcast semanal. “Tem um segredinho oculto, alguma coisa que você tenha vergonha de dizer para as amigas? Mande para a gente.”

Devidamente apresentadas, elas partem para as histórias enviadas por mulheres de todo o Brasil. Pode ser uma “mana” confidenciando seu fetiche por legumes criteriosamente selecionados na feira, uma jovem entusiasmada com os “carinhos” anais que tem feito no namorado ou... uma cliente com dúvida sobre um dildo. O programa faz parte da estratégia de comunicação criada para a sex shop on-line Pantynova, exclusiva para mulheres.

A loja de Lola e Iza pode até soar como um oásis em meio a um mar de equívocos, quando o assunto é prazer feminino. Mas não se trata de uma iniciativa isolada. Dildos, vibradores e cosméticos andam ganhando novos formatos e roupagens, à medida que o atendimento às mulheres está mais sofisticado nesse nicho. O feminismo chegou às sex shops.

— Fazia muito tempo que a gente sempre circulava por essas lojas, e nada nos representava — conta Lola, que namorou Iza por 10 anos antes de elas se tornarem apenas sócias. — Após inúmeras compras, o máximo que acumulamos foi uma sacola cheia de objetos frustrantes.

E olha que elas se empenharam. Chegaram a fazer uma “turnê” pela Califórnia em busca dos produtos perfeitos, mas só encontraram mais do mesmo. O jeito foi agir com as próprias mãos — e isso não é um trocadilho infame.

A dupla fez uma pesquisa com 500 mulheres e descobriu que a insatisfação era geral, daí a ideia de colocar no ar a Pantynova. Lançada há quatro meses, a loja tem um design superdescolado (as ilustrações nestas páginas são de lá) e linguagem desencanada. Podcasts e contos eróticos femininos apimentam o conteúdo, sempre apresentando as mulheres como protagonistas. Já os produtos são uma atração à parte.

Lola e Iza descobriram uma forte demanda por dildos que não reproduzissem o formato exato de um pênis. Afinal, os objetos não serviriam para suprir a falta de um parceiro, mas como um instrumento capaz de possibilitar novas experiências de prazer. A loja, então, lançou uma coleção inspirada em formas botânicas.

O vibrador Butterfly é um dos hits da loja on-line The L Vibe . (Divulgação)

— Faço os moldes em massinha e, depois, crio protótipos em silicone, que testo em mim — diz Lola. — Se acho bom, repasso para as amigas, e nos reunimos para comentar os resultados. Uma vez aprovados, mando para a fábrica.

Outro destaque da loja são os “strapons”, calcinhas também desenvolvidas — e patenteadas — por elas, às quais podem ser encaixados os dildos. O produto fez sucesso ao romper com os modelos tradicionais e nada confortáveis, feitos em couro ou napa.

— Às vezes, quando entregamos um produto, as meninas nos agradecem com um abraço. Isso nos mostra como as mulheres estão se sentindo representadas — comemora Lola. — Mas ainda temos muito a caminhar. Há um enorme machismo no mercado. Queremos que a mulher se explore cada vez mais.

Ela tem razão. Segundo Paula Aguiar, conselheira da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual, hoje há 85 mil mulheres vendendo produtos eróticos de porta a porta no Brasil, e 70% do público consumidor é feminino. Elas também são a maior força de trabalho, já que 90% das sex shops no país têm uma atendente mulher. Mas ainda se trata de um tabu.

— Basta lembrarmos que apenas 17% da população brasileira usaram, em algum momento da vida, um produto dessa natureza. Muita gente ainda tem vergonha de entrar numa sex shop — pondera Paula.

Ela afirma que as mulheres começaram a cruzar as portas das sex shops somente há 15 anos. No começo, praticamente só existiam produtos voltados ao público masculino (gay e heterossexual), mas a busca feminina fez com que o jogo começasse a virar, desenhando um cenário com lançamentos anuais de produtos destinados à anatomia e aos desejos delas.

— As mulheres sempre foram as grandes cuidadoras dos relacionamentos e, num primeiro momento, buscavam artigos para agradar aos parceiros. Agora também querem o melhor para elas. E o mercado está atento a isso — diz a conselheira.

Dona da Sex Shop da Mulher, em Curitiba, Vanja Salmazo viveu essa transição. Ela abriu as portas em 2005, depois de uma experiência ruim numa loja do ramo. Os olhares tortos dos homens que estavam no local e a oferta de produtos que não dialogavam com o universo feminino a motivaram a pensar num negócio diferente.

Em sua loja, o foco é deixar as clientes confortáveis, com vendedoras treinadas. Há até um dicionário próprio: saem termos como “pinto de plástico” e “tesão”, entram “vibradores para massagem” e “libido”. E se um pedido feito por meio do site for para ser entregue na região, é uma motogirl quem o leva.

Toda essa atmosfera faz com que as compradoras não tenham medo de se abrir aos produtos. Até porque, segundo Vanja, o negócio também fala de saúde. Ela fechou parcerias com ginecologistas e fisioterapeutas uterinos, além de convidar uma sexóloga para prestar consultoria íntima no espaço.

— A cliente que entra na loja já venceu um paradigma, então precisamos abraçá-la — afirma a empresária.

O Ben Wa de pompoarismo é um dos produto da The L Vibe. (Divulgação)

No Rio, a sex shop on-line The L Vibe, dedicada a mulheres lésbicas e bissexuais, também está conectada às demandas femininas. A publicitária Marcia Soares, de 33 anos, é a responsável pelo negócio, que traz uma curadoria de produtos “testados e aprovados”, para que ninguém fique insatisfeita.

— É uma luta diária chegar até esses itens. Em outros países, até há uma variedade maior. Mas os importadores brasileiros ainda estão mais focados no público hétero — avalia.

Todo esse cuidado, segundo ela, faz da loja também um ato político:

— Abrimos espaço para temas importantes, como o aborto e os direitos dos homossexuais, em nossas redes sociais. Além disso, quando nos posicionamos como uma loja voltada a lésbicas e bissexuais, naturalizamos esses termos.

O resultado é uma caixa de e-mail repleta de mensagens nem sempre só com encomendas. Boa parte é de mulheres agradecendo pela iniciativa. Elas não estão mais sozinhas.

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