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Brumadinho: o que falta ser esclarecido

Brumadinho: o que falta ser esclarecido

Perguntas sobre rompimento de barragem estão sem respostas

Publicado em 30 de janeiro de 2019 às 01:59

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Casa atingida pela enxurrada de lama: até agora, não se sabe o que provocou a tragédia em Brumadinho. (ANTNIO CÕCERO)

O rompimento da barragem 1 da Mina do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, na última sexta-feira, provocou a morte de dezenas de pessoas e já é considerado uma das maiores tragédias com represas do Brasil. Enquanto isso, cinco dias após o desastre que matou ao menos 84 pessoas, muitas dúvidas sobre o ocorrido ainda pairam no ar, sem resposta.

Além da causa do rompimento, ainda é preciso explicar vários fatores que podem ter contribuído para que a tragédia ocorresse e porque as sirenes, que deveriam alertar sobre o estouro iminente, não o fizeram. Também há dúvidas sobre a punição da Vale, se o comando da empresa pode ser destituído e o que acontece com a companhia.

O jornal “O Globo” elencou as respostas para algumas dessas questões. Veja abaixo o que já se sabe e o que falta explicar sobre a tragédia de Brumadinho.

O QUE PRECISA SER EXPLICADO E O QUE SE SABE

O que provocou o acidente? 

Ainda não se sabe a causa do rompimento da barragem 1 da Mina do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, que não recebia rejeitos já há três anos. No ano passado, a Vale obteve autorização para descomissionar (desativar) a barragem, e reaproveitar os minérios existentes ali, além de ampliar as atividade de mineração no complexo da Mina do Feijão, mas a empresa não confirma se o local estava em obras. Não houve registro de tremor de terra ou chuva forte na região no momento do acidente. A Agência Nacional de Mineração afirma que a Vale apresentou, no ano passado, três relatórios técnicos que garantiam a estabilidade da barragem.

Por que as sirenes de alerta não tocaram?

Segundo balanço socioambiental e econômico da Vale em 2018, foram instaladas sirenes em Brumadinho, e moradores foram cadastrados e treinados. No entanto, o alarme não foi disparado no dia do acidente. Willy Lacerda, professor de engenharia geotécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o controle de risco de rompimento, feito por meio da medição, geralmente manual, da pressão da água no interior da barragem, deveria ser acrescido de um instrumento chamado de inclinômetro – que mede a deformação do interior da barragem em vários níveis. O especialista diz que esse instrumento identifica se há movimento, um sinal mais fiel de que há possibilidade de a estrutura ruir.

 Por que o refeitório dos funcionários estava no caminho da lama?

Segundo especialistas, muitas barragens têm o mesmo tipo de modelo e desenho de Brumadinho, com o refeitório e a área administrativa aos seus pés, porque ficam dentro de áreas industriais que têm espaço bastante limitado. “Você pode erguer essa estrutura no pé da barragem, desde que não ocorram acidentes”, diz Alberto Sayão, especialista em engenharia geotécnica, professor de engenharia de barragens da PUC-Rio e ex-presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica. No entanto, a companhia deveria ter levado em conta um estudo que avalia os potenciais impactos da ruptura de uma barragem, chamado de dam brake. “É um programa de computador que calcula tanto a largura quanto o alcance da mancha de lama resultante do rompimento da estrutura. Isso permite fazer um zoneamento e tirar pessoas do caminho dos rejeitos. Se a Vale tem esse estudo, não sei porque ela mantinha sua área administrativa e refeitório abaixo da barragem”, pontua Willy Lacerda.

Por que a Vale utiliza barragens a montante (com degraus com o próprio material de rejeito), como a de Brumadinho, construídas com uma tecnologia considerada menos segura?

A barragem da Vale em Brumadinho usava uma tecnologia de construção comum em projetos de mineração pelo mundo, mas por ser uma opção menos segura já foi banida por países como o Chile. Ontem à noite, a Vale anunciou, inclusive, que vai acabar com barragens deste tipo. O método, chamado de alteamento a montante, é o mesmo da barragem da Samarco em Mariana, que rompeu em 2015. Ele permite que o dique inicial seja ampliado para cima quando a barragem fica cheia de rejeitos de minério, usando o próprio material descartado – uma lama formada por ferro, sílica e água – como fundação. Segundo especialistas, ele é comumente usado por ser mais barato e ocupar menos espaço, mas tem mais riscos de romper devido à inexistência de uma base sólida. Eles defendem que esse modelo não seja mais usado em futuros projetos, no Brasil.

O que vai acontecer com a Vale agora?

A mineradora teve R$ 11,8 bilhões do fluxo de caixa bloqueados pela Justiça para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho. A Vale também é alvo de uma ação pública coletiva iniciada na segunda-feira numa corte distrital de Nova York, nos Estados Unidos. O processo alega que a mineradora mentiu para os investidores sobre seu comprometimento em garantir a segurança de seus trabalhadores. No mesmo dia, a mineradora perdeu R$ 72,7 bilhões em valor de mercado, num tombo histórico de 24,52%. A empresa também teve a sua nota de crédito rebaixada pela agência de classificação de risco Fitch, tanto em moeda local como estrangeira. A dívida da empresa foi colocada em perspectiva negativa, ou seja, há uma maior chance de novo rebaixamento no futuro porque, para a agência, o rebaixamento decorre da perspectiva de que o acidente vai acarretar custos pesados de reparação à Vale.

O comando da Vale pode ser destituído?

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O vice-presidente do Brasil, general Hamilton Mourão, disse que a destituição do comando da Vale poderia ser estudada pelo governo, mas depois admitiu que o afastamento da diretoria da empresa é algo “complexo” e que só pode ser feito via Conselho de Administração, em um movimento articulado entre governo e os principais acionistas. A golden share (ações retidas pelo Poder Público em casos de privatização) do governo permite interferir em questões como mudança de sede, liquidação da empresa, venda ou encerramento de atividades, jazidas minerais, entre outros, mas não permite explicitamente uma troca no comando. Investidores estrangeiros têm 47,7% do capital da Vale. Outros acionistas de peso incluem a Litel, que reúne quatro grandes fundos de pensão com fatia de 21% das ações. A BNDESPar, subsidiária de participações em empresas do BNDES, detém 6,7%.

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