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Cabral: Lula e Paes sabiam de compra de votos pelos Jogos do RJ

Cabral: Lula e Paes sabiam de compra de votos pelos Jogos do RJ

Quatro cidades eram candidatas, Madri, Tóquio, Chicago e Rio

Publicado em 5 de julho de 2019 às 00:02

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Sérgio Cabral, ex-governador do Rio. (Giuliano Gomes/PR Press)

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) admitiu em depoimento nesta quinta-feira (4) ter participado de esquema de compra de votos para a eleição do Rio como sede da Olimpíada de 2016. Ele ainda afirmou que o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM) e o ex-presidente Lula (PT) tiveram conhecimento do pagamento de propina, mas não participaram da negociação e da operação do esquema.

Ainda segundo o ex-governador, os medalhistas olímpicos e membros do COI (Comitê Olímpico Internacional), Alexander Popov, da Rússia, e Sergei Bubka, da Ucrânia, receberam dinheiro para votar no Rio na eleição de 2009.

Cabral depôs ao juiz Marcelo Bretas no processo em que é acusado de pagar US$ 2 milhões ao senegalês Lamine Diack, ex-presidente da IAAF (Associação Internacional das Federações de Atletismo) e ex-membro do COI, para influenciar na escolha da cidade como sede dos Jogos. Também são réus no processo o ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) Carlos Arthur Nuzman e o ex-diretor da Rio-2016 Leonardo Gryner.

Procurados, Paes, Lula e Nuzman negam ter participado do esquema. Popov e Bubka não responderam aos emails enviados pela Folha de S.Paulo.

Cabral afirmou que foi Nuzman quem sugeriu o pagamento da propina a Lamine. Eles temiam não passar da primeira rodada de votação.

"Ele chegou com o Leo Gryner. 'Olha governador, nós temos todas as chances de ganhar. Fizemos uma campanha bonita, os três níveis de governo envolvidos. O presidente da federação internacional de atletismo, Lamine Diack, se abre para vantagens indevidas. Fizemos contato com ele. E há uma garantia de cinco a seis votos. E eles querem US$ 1,5 milhão'", relatou.

Cabral afirmou que Nuzman e Gryner o procuraram depois pedindo mais US$ 500 mil para garantir até nove votos.

O ex-governador disse que o envolvimento de Popov e Bubka foi informado por Lamine Diack a Nuzman e Gryner, que lhe relataram o fato.

Quatro cidades eram candidatas (além do Rio, Madri, Tóquio e Chicago). A vitoriosa seria escolhida por eliminação. A cada rodada, a menos votada era retirada da disputa.

Na primeira, o Rio teve 26 votos e Chicago foi eliminado com 18. Se a candidatura carioca tivesse perdido os até nove votos supostamente comprados, a cidade não passaria.

Após essa rodada, o Rio manteve vantagem sobre as demais. Na última votação, superou Madri por 66 a 32.

"Era fundamental ter a garantia desses votos. Depois foi a política. A política com 'p' minúsculo na primeira fase e a com 'p' maiúsculo na segunda e terceira fases", disse.

Segundo o emedebista, Paes soube do pagamento na véspera de uma viagem a Berlim, em agosto. Os dois se encontrariam com Lamine Diack, mas sem tratar da propina.

"Ele me disse por telefone que não iria a Berlim. Disse para que ele que não poderíamos deixar de ir. E vem aqui que eu quero te contar uma coisa: 'Ô rapaz, o Nuzman esteve aqui com o Leo Gryner, eu acertei. O Arthur Soares vai dar um dinheiro para ter um número de votos. Você tem que ir lá olhar na cara do presidente da confederação de atletismo, cumprimentar ele. Tem alguma coisa mais importante para você do que ganhar a Olimpíada no seu primeiro ano de mandato?'", declarou.

Lula, de acordo com Cabral, soube da compra de votos em 3 de outubro, dia da votação, após a primeira rodada.

"Eu tive um ataque de choro e comecei a passar mal. Ele disse: 'Ganhamos só a primeira, temos ainda outras'. Falei para ele: 'Presidente, deixa eu contar para o senhor. O meu medo era passar dessa fase. Nessa fase tive um arranjo político assim, assim e assado'. Falei por alto. Ele fez que não ouviu. Disse: 'Você está me contando algo que já passo'", afirmou o emedebista.

De acordo com denúncia do Ministério Público Federal (MPF), o pagamento foi feito pelo empresário Arthur Soares, dono de prestadoras de serviços do estado, ao filho de Lamine Diack, Papa Masata. O valor foi debitado da propina paga ao ex-governador, fatos confirmados por Cabral.

Embora o pagamento tenha sido feito apenas ao senegalês, emails interceptados durante a investigação sugeriam que o dinheiro tinha outros beneficiários. O delator Carlos Miranda, gerente da propina do ex-governador, já havia dito que Cabral lhe relatou na prisão ter pago US$ 2,5 milhões para atender ao pedido de quatro membros do COI.

O novo depoimento de Cabral reinicia o processo que ficou parado por oito meses aguardando documentos de cooperação internacional.

Desde o início do ano, o ex-governador vem confessando os crimes que lhe são atribuídos. O objetivo é tentar reduzir suas penas, que já somam 198,5 anos em nove condenações. Ele é réu em outras 20 ações penais na Justiça Federal e três na estadual.

Cabral depôs no processo sobre a suposta propina no COI em agosto do ano passado. Na ocasião, disse ver "preconceito racial" na acusação de compra de votos de membros africanos do comitê.

Nuzman também negou em depoimento envolvimento com a suposta propina. O ex-cartola é réu porque o MPF considera que o comitê organizador dos Jogos, presidido por Nuzman, obteve verbas públicas e beneficiou membros da suposta quadrilha de Cabral em contratos da Rio-2016. Ele é incluído na denúncia como um "funcionário público por equiparação".

OUTRO LADO

Procurada pela Folha de S.Paulo, a assessoria de imprensa do Instituto Lula disse que "é inverídica e sem provas a referência feita ao ex-presidente Lula pelo ex-governador Sérgio Cabral".

O ex-prefeito do Rio Eduardo Paes afirmou que não participou de nenhum esquema.

"Como ele disse, não participei de compra de voto nenhuma, e também não fui informado disso. Essas conversas eu nem tenho. Tanto é assim que pelo que conta o ex-governador o sr. Nuzman procurou somente ele para tratar desse tema. Não teria coragem para tratar comigo", afirmou.

O advogado de Nuzman, João Francisco Neto, disse que seu cliente é inocente e que "toda a história que ele tem no esporte brasileiro, toda sua luta para conquistar essa Olimpíada, não foi por meio de compra de votos, mas por um trabalho honesto".

"O depoimento do Sérgio Cabral corrobora tudo o que foi dito por testemunhas: o Nuzman não recebeu um centavo de vantagem, nunca integrou essa organização criminosa, não teve qualquer benefício pessoal em razão das obras após a candidatura em 2009. Ele [Cabral] está condenado a 200 anos, precisava dizer alguma coisa, isso não aconteceu e não tem prova disso. E ainda que tivesse ocorrido esse fato, é uma corrupção privada, que não é tipificada como crime no Brasil", afirmou.

A defesa de Arthur Soares afirmou que o empresário "está e sempre esteve à disposição das autoridades para esclarecimentos". Ele é considerado foragido da Justiça.

A Folha de S.Paulo enviou emails para Sergei Bubka e Alexander Popov, mas eles não responderam até o momento.

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Procurado, Leonardo Gryner não se manifestou.

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