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Na vida dela, perseguir um sonho sempre foi lei

Na vida dela, perseguir um sonho sempre foi lei

Catharina Novaes Barcellos foi a primeira desembargadora do ES

Publicado em 6 de agosto de 2016 às 23:11

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Catharina Novaes Barcellos foi a primeira desembargadora do ES

Desembargadora aposentada, Catharina Maria Novaes Barcellos nasceu em 22 de abril de 1945 em Itaguaçu. Filha de Hugo Novaes e Esmilda Saleme Novaes, foi criada em Muqui. Casou-se com o médico Francisco Manoel Barcellos e teve quatro filhos: Fernando, Francisco – já falecidos –, Fabiano e Michelli. Tornou-se juíza no segundo concurso em que foram aprovadas mulheres no Estado. Foi a primeira desembargadora do Tribunal de Justiça (TJES) e a primeira a ocupar a vice-presidência da Corte.

"Era apaixonada pelo Direito, por influência do meu pai. Ele não estudou Direito, mas foi rábula. Como era um homem muito culto, quando tinha júri em Muqui e não havia advogado, ele era nomeado. Acho que assimilei essa paixão dele. Fui fazer Direito em Cachoeiro, já casada e com filhos. Tive a minha quarta filha durante a faculdade. Às vezes, eu não tinha com quem deixá-la e a colocava dormindo no cantinho, no chão da sala de aula.

Fiz vestibular escondida do meu marido, porque ele era muito ciumento e não deixava. Estudei, estudei, estudei. Quando ele ficou sabendo, porque era professor da faculdade, ficou todo vaidoso: 'Poxa vida, você fez e passou. Você pode até estudar. Mas trabalhar, nunca!'. Respondi: 'Tudo bem. Eu só estudo'.

Quando a gente é jovem tem muita energia e disposição. Estudava à noite, porque durante o dia eu estava ocupada com meus filhos, meu marido, tudo. À noite, não tinha barulho.

Me formei em 1976. Já fazia estágio na antiga Telest (Telecomunicações do Espírito Santo). Nunca mais parei de trabalhar. Quando meu marido sentiu que eu estava me tornando mais independente, deve ter pensado: 'Esse negócio é bom' (risos). Ele passou a ter muita admiração e muito orgulho.

Trabalhei por sete anos na Defensoria Pública, por um tempo em Itapemirim e, depois, em Cachoeiro. Fui contratada, naquela época não havia concurso.

Um dia vim ao Tribunal de Justiça, em Vitória, e encontrei vários colegas. 'O que vocês estão fazendo aqui?' 'Viemos fazer inscrição para o concurso de magistrado.' Pensei: vou fazer isso logo, senão depois eu não posso fazer. Fiz a inscrição. Quando contei em casa, meu marido quase enfartou. 'Você é louca?' 'Não sou não. Vou começar a estudar.'

Estudei muito. No dia que vim a Vitória fazer prova, meus olhos estavam tão inchados de ler que vim botando gelo no olho. E passei.

Nesse meio tempo, tive umas tragédias na vida. Em 1980, perdi meu pai. Em 1981, faleceu um dos meus filhos, com 14 anos, em um acidente. Eu estava na Defensoria Pública nessa época. Aí bate aquela tristeza profunda, que você perde um pouco de ânimo.

Mas logo levantei e falei: 'Tem muita gente que precisa de mim, não posso parar'. Meu filho havia deixado mensagens escritas em vários cadernos nesse sentido. 'Vocês se preocupam muito com o presente, com o parentesco de carne, quando na verdade todos somos irmãos perante Deus'.

Depois disso, passados oito anos, eu já era juíza, perdi outro filho de acidente, com 19 anos. Passei uma semana em casa e logo voltei a trabalhar também.

Um dia, eu estava trabalhando em Cachoeiro, quando recebi um telefonema do desembargador Renato de Mattos, que era corregedor. 'Você quer vir para a Corregedoria?' Respondi: 'Aceito, não recuso desafio'.

Vim embora para Vitória. No final do meu tempo na Corregedoria, tive que ir para São Paulo fazer uma cirurgia no coração. Quando voltei, comecei a substituir desembargador. Fui substituindo um e outro e acabei entrando em 2005 (no Tribunal de Justiça).

Senti uma responsabilidade muito grande ao me tornar a primeira desembargadora. Porque se Catharina desse certo, havia possibilidade de vir outras. E se não desse certo, ia ser um estigma. Deu certo, graças a Deus.

Não me interessa ser reconhecida como uma mulher bonita, de olhos verdes, simpática, nem coisa nenhuma. Interessa o meu conhecimento. Sempre falei muito baixo, nunca alterei a minha voz e meu tratamento era igualitário para todo mundo. Eu era respeitadíssima.

A escolha (para ser vice-presidente do Tribunal de Justiça) foi feita pelo Sérgio Bizzotto (ex-presidente da Corte). Para mim, eu alcancei muito mais do que o que eu podia sonhar ou imaginar."

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