Impacto ambiental

Tragédia no Rio Doce: pescadores à espera do retorno imprevisível

O turismo também foi prejudicado na região, após o mar de lama que atingiu o rio

Katilaine Chagas

Publicado em 05/11/2017 às 07h00

A cena mexe com quem é de fora e sabe que, por enquanto, não existe previsão próxima de que o Rio Doce volte a ser o grande reduto de vida que já foi um dia. Na foz do rio, em Regência, Linhares, pescadores fazem a manutenção das embarcações que antes não ficavam por muito tempo paradas na beirada do rio. “A gente pensa no futuro porque a pesca pode voltar, né? Então para nós não sermos surpreendidos, temos que estar com a embarcação preparada”, justifica Lázaro Roldão, 25 anos, pescador.

Foto: Carlos Alberto Silva

Hoje faz exatos dois anos que a lama da Samarco matou 19 pessoas e encheu o Rio Doce de rejeito de minério. Naquele mês, a reportagem também conversou com Lázaro. Na época, ele foi um dos poucos pescadores de Regência a topar falar com a reportagem sobre a tragédia. O medo de perder a diária que a Samarco pagava naquele momento aos pescadores os inibia de reclamar da empresa.

Na época, Lázaro parecia desesperançoso. Relatou que a esposa estava desempregada e temia pelo futuro de Regência, afetada não só na pesca, mas em seu potencial turístico. Hoje, ele é um dos esperançosos pelo retorno na foz.

Pescador pensa no futuro porque a pesca pode voltar. Mas tem gente que praticamente desistiu
Lázaro, pescador

Ele recebe um salário mínimo da Samarco mais 20% por dependente. Não é suficiente para quem antes recebia de R$ 3 mil a R$ 4 mil por mês com a pesca. “Estou me mantendo hoje porque eu tinha quatro embarcações e vendi três. Agora estou só com uma”, diz sobre o barco que ele escolheu para fazer a manutenção.

Foto: Carlos Alberto Silva

Com Lázaro na foz do rio, estava o popular pescador Élcio José Souza de Oliveira, o Zé Sabino, 53. “Tenho meu barco praticamente como um parente próximo. Não um filho, mas um parente próximo. Então tento cuidar dele. Tenho perspectiva e esperança de que amanhã ou depois possa voltar a pescar aí. E se meu barco estiver doente, eu fico mais doente ainda. Então tento manter o barco assim”, justifica Zé Sabino.

“Sempre boto para terra para reformar, para pintar. Alguns colegas já até desistiram, largaram os barcos aí. Mas eu por enquanto não tenho a intenção de abandonar meu barco. É aquele lance, não abandonar o barco”, garante Zé Sabino.

TURISMO

Foto: Carlos Alberto Silva

A vila de Regência sempre foi também um reduto de surfistas e turistas de olho nas boas ondas do mar local. Assim como a pesca, a falta de confiança na segurança da água para a saúde afastou os visitantes.

Apesar disso, a população tenta aos poucos voltar à rotina. Assim como os surfistas. Tanto que um campeonato de surf foi realizado no início de outubro, a despeito da desconfiança. “Naquele domingo, lavei 250 pratos”, relatou a funcionária de um restaurante local, satisfeita com o retorno do movimento.

Há dois anos acumulam-se na sede da Asper R$ 235 mil em materiais de pesca que haviam acabado de chegar quando ocorreu a catástrofe humana e ambiental. Sem poder pescar, qual é o pescador que vai investir o que não mais tem para comprar anzol, linha e tarrafas?

“Temos caixa de isopor, anzol, colete, cola, tinta, chumbo. Tudo de material de pesca nós temos. E vamos vender para quem agora?”, questiona Leone Carlos, 70 anos, presidente da Associação de Pescadores de Regência (Asper).

Tudo o que eles querem é uma análise do peixe. “A estratégia nossa é aguardar para ver se eles tiram a análise do peixe para você poder pescar. Saindo a análise, o pescador vai poder comprar o material e botar sua rede para pescar e o peixe, para vender”, diz Leone.

E por mais que a esperança esteja presente, eles reconhecem que o desânimo bate de vez em quando, como diz Zé Sabino. “É aquele lance, não abandonar o barco. Mas a situação está muito crítica. Dá vontade, tem hora, de desanimar. Mas mesmo estando à deriva, há sempre uma luz no final do túnel.”

PESCADORES TENTAM SE REINVENTAR

Gente que nunca conheceu outra função hoje busca alternativas à pesca para sustentar a si e aos seus. As novas profissões são variadas: são as que surgem.

O pescador Romauro Ponciano de Oliveira, 42, não recebeu o cartão da Samarco e hoje vive de bicos, desde ajudante de pedreiro a entregador. O problema é que não é toda semana que aparece alguma oportunidade.

Monique Rodrigues dos Santos César, 31, hoje vende hambúrguer. Ela já mantinha uma lanchonete. “Mas antes vendia porção de peixe”, afirma a pescadora.

Foto: Carlos Alberto Silva

Élcio José Souza de Oliveira, o Zé Sabino, 53, tira a renda de um sítio no meio do rio. “Planto milho, feijão, abóbora, melancia. É um complemento”, diz.

Mas nem todo mundo consegue. “Nem fazendeiro não quer dar emprego. Porque eles não têm condição de dar emprego. Emprega hoje e amanhã está na rua”, diz Irineu Rodrigues dos Santos, 61, pescador.