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Justiça obriga escola a respeitar nome social de adolescente

Justiça obriga escola a respeitar nome social de adolescente

Decisão ordena que cadastros escolares sejam alterados, sob pena de multa

Publicado em 30 de janeiro de 2018 às 02:10

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“Eu já não ouço mais quando me chamam pelo meu nome antigo. É constrangedor, pois eu não pareço uma mulher” . (Fernando Madeira)

Pela primeira vez no Espírito Santo uma decisão judicial em caráter liminar (provisório) concedeu a um adolescente transgênero o direito de ser chamado por seu nome social – aquele que ele escolheu para si mesmo – dentro de uma instituição de ensino. Esta é a primeira conquista de Arthur, que aos 16 anos iniciou uma batalha na Justiça para que seu nome de batismo seja definitivamente substituído pelo atual em todos os documentos.

“Não me arrependo nem um pouco do que fiz. Estamos vivendo em uma sociedade que tem muitos problemas para aceitar o que é diferente, e eu preciso lutar de todas as maneiras possíveis para ser respeitado”, comemora o rapaz, cuja história foi contada com exclusividade por A GAZETA em outubro do ano passado.

O posicionamento favorável da Primeira Vara de Infância e Juventude de Vitória, onde está o processo, foi dado no último dia 19, pouco mais de três meses após Arthur ter ingressado com o pedido por meio da Defensoria Pública do Espírito Santo.

O antigo nome de Arthur, bem como seu sobrenome e a identificação da escola não serão revelados para preservá-lo.

Na decisão liminar, a juíza Regina Lúcia de Souza Ferreira ressalta que a espera pela finalização do processo de troca definitiva de nome e de gênero poderia trazer “inúmeros transtornos emocionais“ a Arthur.

“Diante dessas considerações e com o fito (propósito) de dar efetividade ao comando constitucional que garante a todos o direito à liberdade e de igualdade, bem como de não ser tratado de maneira desumana ou degradante, e tendo em vista que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de preconceito, concluo pelo deferimento do pedido liminar”, argumentou.

A juíza então ordenou que o nome social seja incluído nos cadastros escolares e que seja respeitado por “professores e demais profissionais da instituição de ensino”, sob pena de multa a ser arbitrada em caso de eventual descumprimento da decisão.

DESCOBERTA

O adolescente, que nasceu mulher e aos 15 anos se reconheceu como transexual, afirma que o processo de reflexão sobre sua identidade durou um longo tempo. À medida que descobria as mudanças físicas decorrentes de seu crescimento, o descontentamento com a imagem feminina aumentava. E, enquanto tentava descobrir as respostas para tamanha insatisfação, alguns momentos dolorosos foram inevitáveis, como uma grave depressão sofrida em outubro de 2016.

Com o apoio da família e acompanhamento psicológico e psiquiátrico, o adolescente superou o episódio e, dois meses depois, enquanto passava as férias com o pai na Bahia, encontrou a palavra que o definia. “Mandei uma mensagem para a minha mãe e perguntei o que era transgênero. Eu já conhecia isso desde os 11 anos, mas até então não tinha certeza, pois os relatos e experiências de cada um são muito diferentes. Mas ali eu me reconheci”, conta.

Daí em diante, as mudanças foram constantes na vida de Arthur: primeiro, veio a tarefa de contar para a família e aos amigos sobre sua descoberta. Depois, o momento aliviante de mudar o guarda-roupa. Mas a maior dificuldade, que ainda é enfrentada, é o fato de ele continuar sendo chamado pelo nome de batismo, especialmente na escola onde estudava.

Mesmo após tentativas da mãe de Arthur e da própria Defensoria Pública, o tradicional colégio particular de Vitória consentiu apenas em chamá-lo pelo seu sobrenome. Mas até esse acordo foi descumprido por um professor em sala de aula. Os constrangimentos constantes – incluindo a obrigação de usar o banheiro para deficientes físicos – foram o estopim para que a família ingressasse na Justiça.

“Eu já não ouço mais quando me chamam pelo meu nome antigo. É constrangedor para mim, pois eu não pareço uma mulher”, diz Arthur.

Por tantos motivos, o jovem decidiu mudar de escola este ano, mas afirma que a liminar obtida poderá ser um instrumento de mobilização e de apoio para outros transexuais que enfrentam a mesma situação. “Não fui o primeiro e nem serei o último a passar por essas situações. O que eu mais quero é ser respeitado. Ninguém pode nos apagar”, ressalta.

Para a mãe de Arthur, que é psicóloga, somente com acesso à informação a sociedade começará a quebrar antigos paradigmas. “Meu filho não é um caso isolado. É preciso entrar em contato, conhecer antes de condenar. Só assim reduziremos os índices de violência contra transexuais que são tão altos no país. Eu espero que meu filho estude, se divirta, namore, como qualquer outro adolescente. Porque isso (a transexualidade) é só um detalhe na vida dele. Ele é muito mais do que isso.”

JUÍZA CONSIDEROU RESOLUÇÃO DO MEC 

Em sua decisão, a juíza Regina Lúcia de Souza Ferreira fundamenta sua posição a partir de resolução publicada pelo Ministério da Educação (MEC) em 17 de janeiro deste ano que autoriza o uso do nome social nos registros escolares da educação básica e também na resolução número 12, de 2015, do Ministério dos Direitos Humanos, que já previa o mesmo direito a transexuais e travestis.

“A decisão demonstra a força desses instrumentos normativos perante às instituições de ensino. Ela mostra que o respeito à identidade de gênero e aos seus direitos correlatos deve existir e que isso não depende da vontade da escola. São normas obrigatórias, ainda mais para instituições que prestam um serviço de relevância pública, como a educação”, avalia o defensor público Douglas Louzada.

Dos 55 casos de transexuais que são acompanhados pelo Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública, 42 já estão na Justiça, mas somente um deles, o de Arthur, refere-se a uma pessoa menor de idade.

ESCOLA NÃO SE MANIFESTA 

 

Procurada por A GAZETA para comentar a decisão da Justiça, a escola particular na qual Arthur estudava em Vitória informou que não se manifestaria sobre o assunto.

Quando a primeira reportagem sobre o caso foi publicada, a instituição de ensino informou que prestava todo o apoio necessário ao aluno, mas que, por se tratar de um menor de idade, a alteração do nome só poderia ser feita após as exigências legais serem cumpridas.

ENTENDA

HISTÓRIA

A luta para mudar o nome

Aos 16 anos de idade, Arthur buscou o auxílio da Defensoria Pública do Estado para mudar oficialmente seu nome, após se descobrir transexual. Pouco mais de três meses depois, houve uma decisão liminar (provisória) da Justiça ordenando que a escola respeitasse o nome social.

OS TERMOS

Transexual e transgênero

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Possuem o mesmo significado: são usados por quem se identifica com um gênero diferente de seu sexo biológico.

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