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Punição a motorista infrator pode levar até cinco anos

Punição a motorista infrator pode levar até cinco anos

Lei permite recorrer de penas em várias instâncias

Publicado em 23 de janeiro de 2018 às 11:36

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O motorista Neucimar Peres Freire, 46 anos, preso por dirigir embriagado e provocar acidente com morte em Jacaraípe, na Serra, no último domingo (21), já foi flagrado outras duas vezes por conduzir após ingerir bebida alcoólica. (Bernardo Coutinho )

A cada acidente, a cada família destruída por sucessivas infrações de trânsito sem que nenhuma sanção seja aplicada, aumenta a sensação de impunidade. No país, o infrator pode levar até cinco anos para ser punido.

É esse o prazo previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para dar publicidade de medidas administrativas, como a suspensão da habilitação, para o motorista infrator.

Segundo José Eduardo de Souza Oliveira, diretor de Habilitação e Veículos do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), isso ocorre porque existe um rito a ser cumprido, também previsto em lei, para que o motorista possa se defender. Assim que é multado, ele pode apresentar a defesa prévia ao órgão de trânsito. Se for rejeitada, o motorista ainda pode recorrer à Junta Administrativa de Recurso de Infração (Jari) e, depois, ao Conselho Estadual de Trânsito (Cetran).

Caso a multa seja confirmada e, entre as medidas administrativas esteja prevista a suspensão, o condutor ainda pode recorrer novamente em todas as três instâncias para não perder o direito de dirigir.

No total, seis recursos podem ser aplicados. Para o professor de Direito e Membro do Conselho Estadual de Trânsito, Fabiano Contarato, tamanha morosidade é lamentável.

“Infelizmente, o Código de Trânsito, o legislador, está mais preocupado com a arrecadação das multas - porque essas são certas, se você não pagar, vem no seu licenciamento - do que em coibir que motoristas desse nível continuem no sistema viário”, critica ele, que completa: “Mais uma vez essa é a prova de que o congresso legisla em causa própria e privilegia o patrimônio ao invés da vida humana”.

Segundo o advogado especialista em Trânsito, Paulo André Cirino, caso o condutor decida utilizar todos os recursos, a suspensão de uma carteira no Espírito Santo não duraria menos de um ano e meio para acontecer. “Com certeza, a demora é prejudicial. Mas, em novembro de 2017, entrou em vigor a deliberação 163 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que reduziu para três recursos quando a autuação é feita pelo Detran se o infrator for proprietário do veículo. Isso não vale para a Polícia Rodoviária Federal ou para o Departamento de Estradas e Rodagem (DER)”, ressalta.

De acordo com a Polícia Militar, somente em 2017 foram aplicadas 27.962 multas no Estado, das quais 5.858 são por dirigir com veículos não registrados ou com licenciamento vencido, como era o caso da S10 conduzida por Neucimar Peres Freire.

José Eduardo considera que o maior problema é o descumprimento da legislação. “Se as pessoas respeitassem mais as leis, haveria menos morte no trânsito e todos estaríamos mais tranquilos”, ressalta.

1.158 carteiras suspensas por embriaguez

Mais de 40 mil motoristas perderam o direito de dirigir no ano passado, sendo que 1.158 por embriaguez ao volante ou por se recusar a fazer o teste do bafômetro. “A grande maioria foi por multas aplicadas em 2014 e 2015”, aponta José Eduardo de Souza Oliveira, diretor do Detran.

Do total de infratores punidos, 38.391 tiveram a carteira suspensa e deveriam entregar o documento ao Detran para cumprir a sanção que, desde novembro de 2016, tem período mínimo de seis meses de suspensão e pode chegar a dois anos.

“O condutor pode ter a carteira suspensa por dois motivos: ou por atingir 20 pontos em 12 meses, ou por cometer infrações com previsão de suspensão direta, como dirigir sob efeito de álcool ou se recusar ao bafômetro”, explica José Eduardo.

O diretor acrescenta que o prazo só começa a ser contado a partir do momento que o motorista entrega a habilitação. Ele tem 48h para fazer a devolução e, ao longo da suspensão, tem que se submeter a curso de reciclagem. Caso não entregue e seja flagrado dirigindo, a carteira é cassada. Neste caso, ele é obrigado a ficar dois anos sem dirigir e a fazer novos exames para se habilitar novamente. Em 2017, 1.644 motoristas receberam essa punição.

Pena por morte poderá ser paga com doações

A partir de 20 de março, motoristas que assim como Neucimar Peres Freire provocarem mortes ou lesões corporais por dirigirem embriagados ou drogados terão punições mais brandas.

Nesta data entra em vigor a Lei 13.546, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), criando uma punição específica – de cinco a oito anos de reclusão – para esses infratores. Segundo especialistas, a mudança, que a princípio parece boa, na verdade é uma carta branca para a impunidade, já que ao transformar todos os crimes em culposos (quando não há intenção de matar), ela elimina as chances de os criminosos irem para a cadeia e a reclusão pode ser convertida em outros tipos de punição.

O professor de Direito Fabiano Contarato explica que a lei extingue a possibilidade de indiciamento dos motoristas por dolo eventual. Este crime é previsto pelo Código Penal quando o indivíduo, mesmo sem a intenção de matar, assume tal risco por seu comportamento. A prisão pode chegar a 30 anos.

Uma vez que a legislação estabelece que a prisão para crimes culposos seja convertida em penas restritivas de direito, os infratores acabam pagando por seus crimes com medidas como doações de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários. “É um retrocesso”, pontua Contarato.

O especialista em Trânsito Paulo André Cirino afirma que se hoje o CTB já protege excessivamente os infratores, agora a situação tende a piorar. “Haverá uma impunidade cada vez maior. Quem sofrerá com isso são as famílias das vítimas”.

Sobrevivente ia para sua festa de aniversário

A família de Ghilbert Oliveira, funcionário do lava a jato de Wileçon um dos sobreviventes do acidente, já havia preparado a festa de aniversário surpresa dele, na noite de domingo, quando recebeu a notícia do acidente trágico.

Ontem, segunda-feira, ele completou 19 anos. O lavador de carros contou, em entrevista ao Gazeta Online, do que ele se lembra do momento do acidente.

“Eu me lembro que eu estava atrás do carro. A gente tava vindo na nossa mão certa, a S10 vindo na contramão e colidimos de frente. Só me lembro que me segurei bem firme na poltrona, do banco da frente do carona e vi a hora que colidiu. Aquela pancada, e ali apaguei.”

Ele contou que foi tudo muito rápido. “Aquela cena lá é horrível. Só me lembro o momento da freada e do clarão no meu rosto. E eu já apagando, só escutando o barulho do impacto. Foi muito ruim.”

Ghilbert afirmou que só conseguia pensar na família. “Estava pensando no meu filho, na minha esposa, como eles iam ficar aqui, porque eu não sabia se ia ficar vivo depois do acidente. Eu desci do carro no susto. Fiquei sentado lá. O meu corpo todo começou a doer.”

No domingo, dia do acidente, duas vítimas que estavam na caminhonete , Nadiele Moreira e Samia Alves Pimentel, também fizeram aniversário.

 

“Logo ele estará nas ruas fazendo novas tragédias”

Irmão de Wileçon, motorista que morreu no acidente, critica brechas na lei brasileira. 

A dor da família do dono de lava a jato Wileçon Ferreira da Silva também se mistura com a indignação contra o causador do acidente. “Enquanto as leis brasileiras não mudarem vai continuar assim. Amanhã ele estará na rua novamente e fazendo outra tragédia”, desabafou o comerciante Paulo Ferreira da Silva, irmão de Wileçon.

Paulo foi quem compareceu ontem no Departamento Médico Legal (DML), em Vitória, para fazer a liberação do corpo do irmão para o velório, na Serra.

Há seis anos sem ver o irmão, ele recebeu a notícia da morte do caçula da família poucas horas após o acidente. “Fiquei sem chão na hora. Ficou todo mundo desesperado, principalmente a nossa mãe. uma senhora de 71 anos. Ela não consegue falar mais, está toda desesperada”, lamentou.

Junto de Wileçon, estavam no Corsa a esposa dele, a salgadeira Luciene Ferreira da Silva, 48, o filho dela, Rhandres Marcos Ferreira da Silva, 10, a filha de Wileçon, a estudante Nauane Nascimento Ferreira da Silva, 14, e o funcionário do lava a jato Ghilbert Alerrandro Gomes de Oliveira, 19, que já recebeu alta.

“É muito triste, ainda mais sabendo de como foi causado. Sei que o motorista do outro carro estava bêbado. As pessoas deveria dirigir com atenção, para não causar tanta desgraça no trânsito”, disse.

Wileçon está sendo velado na Igreja Assembleia de Deus em Costa Dourada, na Grande Jacaraípe. O enterro será hoje, às 10h, no cemitério de São Domingos

Cirurgia

Familiares de Nauane estiveram ontem no Hospital Jayme dos Santos, na Serra, onde a adolescente continua internada em estado grave. “Ela passou por uma cirurgia no fêmur e está sedada. Aguardamos a recuperação para que possa passar por uma cirurgia no maxilar, que ela também lesionou”, contou uma prima da menina, Patrícia Oliveira.

Nauane mora em Minas Gerais com a mãe, mas há uma semana estava no Espírito Santo passando férias com o pai. “Apesar de morarem longe, os dois estavam sempre em contato. Ela ainda não sabe da morte do pai, está sedada. Mas mesmo assim falamos para ela que tudo vai ficar bem porque precisamos que ela se recupere primeiro”, contou a tia de Nauane, Elaine Gonçalves.

No mesmo hospital está internada Luciene, esposa de Wileçon. Ela passou por uma cirurgia no abdômen e o quadro de saúde é estável. “O cinto de segurança segurou a minha tia, mas o impacto da batida foi tão forte que ela teve lesão na barriga e precisou passar por cirurgia” , contou Carolina Ferreira, sobrinha de Luciene.

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Rhandres está internado no Hospital Infantil de Vitória. O estado de saúde é estável.

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