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Um corpo de praia: sem vergonha do corpo, elas rejeitam os diminutivos

Um corpo de praia: sem vergonha do corpo, elas rejeitam os diminutivos

Cheinha? Sem vergonha de seus corpos no verão, elas rejeitam os diminutivos e não se constrangem em dizer: gorda, sim

Publicado em 21 de janeiro de 2018 às 00:39

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Eliete Britto, 36, não liga mais para o que os outros dizem: "A partir do momento que eu me sinto bem, está ótimo". (Vitor Jubini)

Vamos combinar os termos? Não estranhem o uso da palavra gorda. Não estamos acostumados, sabemos. Mas passaremos longe de expressões como “cheinha”, “fortinha” ou “pessoa de rosto lindo”. Será simplesmente gorda. Ok? “As pessoas precisam aceitar essa palavra: gorda. O diminutivo machuca”, afirma a modelo plus size Preta Ellen, 31 anos, sobre a importância de não se amenizar um termo que não deveria ser negativo.

Combinado isso, vamos conhecer mulheres que, como a Ellen, libertaram-se das inegáveis pressões sociais para seguir um determinado padrão estético e hoje são felizes (e lindas) do jeito que são, gordas e à vontade o suficiente para aproveitar, por exemplo, um dia de praia nesse verãozão, sem se intimidar com o olhar julgador.

“Sempre fui gorda. Nunca tive problema com o meu peso. Uso biquíni tranquilamente, curto minha praia. E acho que as gordas não têm que se esconder de ninguém, somos bonitas assim mesmo, temos que ter autoestima, segurança e vamos curtir o verão”, defende a revendedora de roupas plus size Eliete Britto, 36.

“Não tenho problema com o biquíni. Há pessoas que têm. Mas eu nunca tive, desde nova sempre usei. O corpo é meu, eu que tenho que me permitir”, diz Ellen.

Se para algumas o caminho foi mais tranquilo, para outras a questão foi mais longa. “Fiquei sem ir à praia ou piscina dos 18 até os 24 anos. Se era festa na piscina, churrasco, ia com roupa normal e inventava uma desculpa para não ir de biquíni”, relata a jornalista Lis Vicente Trancoso, 32.

O processo de aceitação de Lis começou na universidade, onde, como diz, encontrou “pessoas que julgavam menos”. Hoje a visão dela é outra. “Decidi que não ia deixar de curtir a vida por conta da cobrança idealizada dos outros. Tenho vergonha em algumas situações? Tenho. Mas eu tento abstrair e sigo em frente. Sei que hoje sou bonita. Sempre fui.”

Bariátrica

Tanto Preta Ellen quanto Eliete quase passaram por uma cirurgia bariátrica. Sem fazer juízo de valor sobre quem passa pelo procedimento, indicado para tratar obesidade, ambas desistiram ao perceberem que, para si, não seria o adequado.

“Fui fazer a redução de estômago e uma moça que faz trabalho com plus size me convidou para fazer um editorial. E foi a partir daí que acabei florescendo. E logo depois desfilei de destaque de ala de escola de carnaval, em 2015. Aí eu falei: ‘Não, não quero mais’”, relata Preta Ellen.

No caso de Eliete, ela quase fez a cirurgia para agradar um ex. “Estive duas vezes para fazer bariátrica por um antigo casamento meu, que me cobrava. Terminei porque não mudei meu corpo por causa de uma pessoa. Então decidi me amar.”

Palavras difíceis

Elas relatam as palavras difíceis que costumam ouvir, geralmente travestidas de conselhos preocupados. “Controla a sua alimentação. Você não tem medo de o seu marido te trocar por uma mais magrinha?”, já ouviu Lis, casada há dois anos.

Para Preta Ellen, as frases costumam ser: “Nossa, você é gordinha, mas nunca está sozinha” ou “você é grande, deve ser difícil arranjar uma pessoa grande para você”, conta ela (que hoje está em um relacionamento). “Só que a ousadia já vem de berço, de você ter o amor-próprio”, brinca.

Outra clássica: “Você tem um rosto tão lindo!”. Eliete corrige: “Você é toda linda”. “As pessoas dizem ‘Ah, você é linda, mas podia emagrecer pela saúde’. Gente, vocês não são médicos para saber. Quem sabe da minha saúde sou eu e meu médico. A partir do momento em que estou bem de saúde e me sinto bem, para mim está ótimo, estou feliz”, ela dá o recado.

Preta Ellen, 31, libertou-se das pressões sociais e agora é modelo plus size. (Vitor Jubini)

Autoestima

Ninguém diz que é fácil, mas Ellen, Eliete, Lis e outras aos poucos quebram o estigma. “Sempre fui gorda. Sou plus size geral. Calço número especial, sou alta. Até ter essa aceitação foi um trabalho mais particular”, relata Ellen, que finaliza: “Quando você tem autoestima, sabe de que é capaz de fazer alguma coisa, o tamanho ou seja o que for não influencia, você se impõe”.

MODISMO FITNESS REFORÇA OBSESSÃO POR MAGREZA

Quem é ligado em redes sociais já deve ter se deparado com uma profusão de imagens de corpos sarados, ditos perfeitos. Já deve ter ficado tentado a seguir essas pessoas nas redes. E, por fim, tentado ser igual.

“O que vemos hoje é a esse modelo corporal que é o que precisa ser desejado. Não só mulheres, mas homens também, com barriga tanquinho, todo mundo muito forte. É uma profusão dessas imagens de corpos perfeitos que são principalmente divulgados pelas redes sociais”, diz o psicólogo e psicoterapeuta corporal Ernesto Grillo Rabello.

Ele completa: “Isso reforça esse estado obsessivo com a imagem corporal. O Facebook e principalmente Instagram têm um papel que não pode ser ignorado”.

Bombardeio

O psicólogo aponta que esse bombardeio de imagens “cria um certo estado de dívida consigo mesmo”. “Por mais que a pessoa tente se aceitar, se encontrar de outras maneiras, que não seja por meio das imagens de corpo perfeito, ela está sempre sendo bombardeada por essas fotos”, diz.

Ele comenta a associação do conceito de saúde ao “ser fitness”. “Se a gente for pensar na tradução da palavra ‘fit’, do inglês, tem sentido de conformidade, de se encaixar. O que é esse modelo? É todo mundo querendo se encaixar da mesma maneira. E esse modelo nunca vai ser estanque (bem fechado), porque varia de acordo com a situação do mercado.”

Tanto que o comum é associar saúde ao corpo considerado magro. Quando não necessariamente é assim. “As pessoas acham que se você é gorda é doente. Faço treino funcional, corro, danço até o chão, e as pessoas acham que quem é gorda não faz nada disso”, relata a modelo plus size Preta Ellen.

No fim das contas, como levanta o psicólogo, questionamentos sempre são bem-vindos. “Estou me colocando em dívida comigo? Sendo amoroso comigo mesmo? É o exercício da pessoa com ela mesma, a dimensão do cuidado para não entrar no 8 ou 80: ou a fica obcecada com essa produção corporal ou larga tudo e não faz atividade física, não cuida da alimentação, o que também não é legal.”

MOVIMENTO NAS REDES AJUDA MULHERES A ASSUMIR SEUS CORPOS 

Se as redes sociais potencializam o apego a uma determinada imagem, elas também são ferramentas para que mulheres se autoafirmem do jeito que são. Exemplo disso é o movimento “body positive”, que incentiva a aceitação do próprio corpo do jeitinho que ele é.

No Instagram, há perfis de mulheres que postam fotos de seus corpos sem retoques e discursam contra a ditadura da magreza. A funkeira Jojo Todynho é uma das que não tem problema em publicar fotos suas de roupas coladas e biquíni.

A jornalista Lis Vicente Trancoso comenta o uso das redes sociais no processo dela de autoaceitação. “Elas me ajudaram a me autoafirmar, por incrível que pareça. Como o perfil é meu e eu posso colocar o que eu estiver a fim, me sinto livre para postar foto de mim do jeito que eu quiser. E acabo me sentindo mais bonita.”

É o mesmo caso de Eliete Britto, que faz questão de mostrar o corpo no Instagram, no perfil “gordeliciasplussize”.

“Confesso que também fujo daqueles perfis de corpo padrão, magros, musculosos. Assim me sinto mais representada e ainda mais bonita”, afirma Lis.

O psicólogo, psicoterapeuta institucional e mestre em Psicologia Institucional Ernesto Grillo Rabello avalia a questão. “As redes sociais têm o seu lugar sim. Até porque todos nós de uma maneira ou de outra estamos conectados através delas.”

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“Claro que há também um movimento de captura do capitalismo que faz com que isso seja vendido e etecetera. Mas não deixa de ser um movimento de resistência que está ganhando força”, conclui o profissional.

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