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Depoimento de mãe sobre preconceito gera comoção nas redes sociais

Depoimento de mãe sobre preconceito gera comoção nas redes sociais

Taiana Vergara Dietrich foi convocada para uma reunião na escola da filha onde a mãe de um coleguinha criticava a inclusão proporcionada pela unidade de ensino

Publicado em 23 de março de 2018 às 12:52

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Taiana é bacharel em Direito e começou a estudar Psicologia por conta da filha, Ana Clara. (Acervo Pessoal)

Convocada a uma reunião de pais para comentar alguns questionamentos feitos pela mãe de outro aluno, na escola onde a filha de 10 anos estuda, em Vitória, a universitária Taiana Vergara Dietrich, 39 anos, teve uma surpresa. Achava que seriam discutidos temas cotidianos, mas o assunto central, na verdade, era outro: a inclusão praticada a crianças como a filha dela, a Ana Clara, que tem síndrome de down e autismo.

Convivendo mais uma vez com o preconceito tão de perto, Taiana narrou a história em sua página no Facebook e recebeu apoio de muitos internautas. A publicação já tem quase 900 compartilhamentos e mais de 1.400 reações na rede social. Ao Gazeta Online, ela relatou o que aconteceu.

"Na reunião comecei a me dar conta que o maior questionamento de uma das mães era a maneira que era feita a inclusão da escola. Ela começou a questionar muito e a exigir uma postura. Nesse momento, ela não falou nada da minha filha, mas exigia uma postura da escola. Até então, eu não estava entendendo direito. Ela dizia que já reclamou três vezes e a escola não se posiciona. Quando a escola falou que vai continuar a ser inclusiva, em determinado momento, ela e o marido dela se alteraram e foram embora", conta Taiana.

'CRIANÇA QUE NÃO APRENDE NADA'

Após a reunião, em conversa com outros pais, a universitária soube que a mãe em questão já tinha feito comentários pejorativos sobre a Ana Clara. "Conversando com outras mães que já tinham filhos ano passado na escola e ouvindo relatos de grupos de WhatsApp que depois me mandaram, eu soube que essa mãe já teve essas atitudes preconceituosas, questionando a inclusão desde o ano passado. Aí que eu fui saber coisas que ela falou. Ela não entendia 'por que uma criança que não aprende nada e fica sentada no fundo da sala vai para a escola', que é a minha filha", afirma.

SURPRESA

Vendo o carinho dos alunos com a menina, Taiana não esperava ouvir esses comentários. "Posso dizer que foi uma surpresa para mim, porque a minha filha está adorando a escola e as crianças adoram a minha filha, inclusive o filho dessa pessoa. A recebem todos os dias com abraços e beijos, sentam junto com ela."

Aspas de citação

Uma das crianças disse que ela vai ensinar a Ana Clara a falar. Como eu vinha vendo esse amor e essa inclusão, não esperava que, por parte dos pais, que na teoria são pessoas mais instruídas do que as crianças, houvesse esse preconceito

Aspas de citação

"Eu ainda achava que iriam questionar algumas outras coisas na reunião, não a inclusão, o direito de uma criança com necessidades especiais frequentar o ensino regular. Ela tem esse direito por lei", defende.

Em contrapartida, Taiana elogia a postura do colégio. "A escola se posicionou de uma forma muito digna. Eles buscam a educação dentro e fora de aula. E eles vão lançar no próximo mês uma campanha para falar sobre a diversidade, a inclusão escolar."

A ANA CLARA

A mãe conta que Ana Clara é uma menina doce, não fala e fique quietinha no fundo da sala. O desenvolvimento dela é diferente do dos outros alunos, mas nem por isso as crianças exaltam diferenças. Muito pelo contrário. "A mãe de um coleguinha dela se colocou à disposição para dizer como é ter um filho convivendo com a diversidade. O filho dela é o que mais conversa na sala e é o melhor amigo da Ana. Ele cuida dela. Quando eu chego, ele pega a mochila dela e diz 'tia, deixa que eu levo ela para sala. Meu pai adora crianças especiais, ele é dentista, e eu sou igual a ele'", lembra do carinho do menino que aprendeu em casa a amar.

DINÂMICA DENTRO DA SALA DE AULA

Taiana explica que um estagiário de Psicologia acompanha a menina durante a aula. "Ele dá continuidade a todo tratamento que a Ana já faz com as psicólogas em casa. Ensina a criança autonomia, tudo que se ensina é através de reforço positivo. A escola que me dá um estagiário, que fica em tempo integral com a Ana Clara, aplicando todo esse currículo adaptado que ela tem. Boa parte do tempo que ela fica em sala não é fazendo as atividades dos outros alunos, e sim as atividades dela. Mas ela está inserida, se sente pertencente aquela sala."

E as outras crianças convivem super bem. "É emocionante a recepção das crianças quando eu chego com ela. Um dia ela faltou para ir ao médico e todos vieram perguntar por que ela faltou, falaram que sentiram falta, abraçaram. É uma criança que não fala, então, teoricamente, ela não dá nada em troca imediatamente, uma criança quietinha que eles sentam juntos e ficam brincando."

BENEFÍCIOS PARA AMBOS OS LADOS

Se ter uma criança com necessidades especiais dentro da sala do filho "normal" incomoda alguns pais, a psiquiatra infantil, Fernanda Mappa, que acompanha a Ana Clara, enfatiza que essa convivência traz muitos benefícios para todos os lados, inclusive no futuro profissional.

"O mundo está nos dizendo que as pessoas precisam ser dotadas de relacionamento interpessoal: conseguir se relacionar de uma forma boa, positiva, sensível à necessidade do outro. Essa criança que conviveu com a inclusão vai chegar no Ensino Médio com característica que outras crianças não vão ter", avalia.

As vantagens também alcançam crianças como a Ana Clara. "Comportamento é algo que pode ser aprendido e copiado. Tanto que a gente repete muito o comportamento dos nossos pais, mesmo sem perceber e até condenando. Antigamente, a perspectiva era de colocar essas crianças que eram 'lerdas', como se dizia, em instituições à parte, eram excluídas. O que elas podiam fazer era copiar o desenvolvimento de outras crianças com o desenvolvimento, muitas vezes, mais comprometido do que o dela. Quando a gente coloca uma criança com o desenvolvimento 'atrasado' com comportamento 'normal', a tendência é que ela copie comportamentos dentro da idade cronológica dela."

Para a Ana Clara, por exemplo, segundo a psiquiatra, o padrão de aprendizagem, cognitivamente falando, não é muitas vezes ler, escrever ou interpretar um texto, mas vai ser ter independência de ir ao banheiro e receber um abraço como algo carinhoso. "Porque a gente entende tudo com muita facilidade, mas para ela não é fácil entender que um abraço é um ato de carinho e de troca."

MAIS QUE PORTUGUÊS E MATEMÁTICA

Hoje, nos surpreendemos com a intolerância e a falta de empatia em diversas situações do dia a dia, mas esse olhar para com a necessidade do outro pode começar e, de maneira muito rica, também na escola.

"Muitas vezes, se restringe o ambiente escolar a só aprender, única e exclusivamente, Matemática, Geografia... E o ambiente escolar precisa ser muito mais do que isso. Ele precisa possibilitar o entendimento de que eu tenho habilidade e tenho dificuldade. Então, se eu olho para uma criança que tem uma dificuldade muito maior do que a minha, consigo desenvolver desde a primeira infância uma coisa que a gente está perdendo demais, que é a empatia - a capacidade se colocar no lugar do outro e perceber o sofrimento dele. Isso é uma característica que faz a diferença para qualquer criança. A gente está com muita dificuldade de fazer com que a criança entenda que ela tem dificuldade, habilidade e que pode ir além", diz a médica.

Com essa convivência, de acordo com a psiquiatra, as crianças reforçam o espírito de equipe."A criança fica mais tolerante, resiliente, outra característica que está se perdendo, que é você conseguir se moldar a uma situação, como isso é difícil hoje em dia."

Na página da Taiana no Facebook e em vários dos compartilhamentos, é possível ver que, de toda essa polêmica, o mais importante é a oportunidade de conviver com crianças como a Ana Clara e tantas outras. Uma pena são os adultos que, diferentemente dos pequenos, dispensam essa chance.

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