> >
Depressão toma conta de universitários

Depressão toma conta de universitários

Ansiedade e síndrome do pânico fazem parte da academia

Publicado em 3 de março de 2018 às 21:53

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

Ao mesmo tempo em que chegava à maioridade, Diego Nunes ingressava, em 2011, na faculdade de Cinema. Mas no meio do caminho, entre a dedicação exigida pelo curso e o desejado diploma, as crises de ansiedade, atribuídas ao acúmulo de funções e ao estresse, o fizeram adiar seus planos: “Eu precisei atrasar minha formação para cuidar da minha saúde mental”. Ao decidir pegar menos matérias e iniciar a terapia, o jovem encontrou a saída para se livrar da doença. “A universidade nos proporciona experiências muito ricas, mas o meu despreparo e a minha falta de vivência acadêmica foram meu maior problema”, analisa o jovem de 25 anos.

Este não é um relato solitário, mas sim um exemplo que se soma a muitos outros quadros de ansiedade, depressão, síndrome do pânico e fobias desenvolvidos dentro das universidades. Apesar de não haver dados concretos sobre esta realidade no Estado, a experiência de especialistas nos consultórios e nas salas de aula os leva ao consenso: o número de universitários e de pós-graduandos que sofrem com transtornos psicológicos é tão crescente quanto preocupante.

Para o coordenador do curso de Psicologia da Católica de Vitória – Centro Universitário, Alexandre Aranzedo, as causas do adoecimento mental não se restringem às paredes das instituições de ensino, mas sim a um conjunto de fatores sociais e pessoais, que se potencializam devido às responsabilidades exigidas pelos cursos.

“Muitos desses jovens estão experimentando a primeira escolha que fizeram na vida. Eles estão construindo uma identidade profissional e, ao mesmo tempo, não estão imunes ao que acontece lá fora. Vejo alunos que casam, descasam, entram ou perdem emprego, mudam de cidade e às vezes têm que lidar com cobranças da família”, explica.

De acordo com o psicólogo e professor da Emescam e da Universidade de Vila Velha (UVV), Roger Machado, a maioria dos transtornos psicológicos se manifesta nos primeiros quatro períodos da faculdade. “Essa entrada na vida adulta, que em muitos casos coincide com a entrada na faculdade pode causar angústia, ansiedade e insegurança, que levam às psicopatologias. A cultura das universidades exige muito mais autonomia dos estudantes. Ele têm que se virar mais, independente dos cursos”, afirma.

CONSEQUÊNCIAS

Os efeitos do adoecimento, segundo Roger, vão desde dificuldades de dar conta da vida acadêmica, até o consumo de drogas lícitas e ilícitas, além do uso indiscriminado de psicotrópicos. “É comum ver nos corredores alunos usando antidepressivos, ansiolíticos e até mesmo a ritalina, que é usada em casos de déficit de atenção e hiperatividade. Eles acreditam que assim vão aumentar o seu desempenho quando, na verdade, estão provocando alterações no sistema nervoso sem necessidade.”

Na pior das hipóteses, a situação pode levar ao suicídio. “Vale lembrar que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos 50 anos o risco de suicídio em jovens aumentou 50%”, alerta o psicólogo.

A preocupação se amplia no cenário nacional. Segundo o jornal “Estadão”, apenas na Universidade Federal de São Carlos (UFScar) foram registradas 22 tentativas de suicídio nos últimos cinco anos. Neste mesmo período, cinco estudantes concretizaram o ato nas universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do ABC (UFABC). Já a “Folha de São Paulo” divulgou que, de janeiro a abril do ano passado, seis estudantes de Medicina da USP tentaram tirar suas próprias vidas.

SURPREENDENTE

Coordenador do projeto de extensão da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que realiza a triagem e o acompanhamento psicológico de estudantes da instituição, Adriano Pereira Jardim afirma que desde a criação do programa a severidade dos problemas que nele chegam são surpreendentes. Casos de bipolaridade e de diferentes fobias também são registrados. Na avaliação do psicólogo, para além de serem levados a pensar criticamente e a enfrentar desafios no ensino superior, as características dos jovens dessa geração os tornam mais vulneráveis.

“É uma geração menos tolerante às frustrações, que não sabe lidar com elas e que, em função da tecnologia, tem mais dificuldades de socialização. Tudo começa com um problema menor. Eles têm que ler um texto, preparar um trabalho, formar um grupo e, se não conseguem resolver, isso vai se acumulando até chegar ao adoecimento”, revela.

AMBIENTE HOSTIL

Apesar disso, Jardim afirma que o ambiente acadêmico da forma como se estrutura hoje ainda é hostil, fazendo com que os problemas se estendam a professores e servidores. É justamente isso o que defende o psicólogo da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis da Ufes, Gabriel Waichert, que acredita que a cobrança cada vez mais incisiva é adoecedora por si só. “A pressão só aumenta. Mas neste contexto de incertezas no qual vivemos, o aluno sequer tem garantias do que acontecerá com ele no futuro”.

Segundo a Quarta Pesquisa do Perfil Socioeconômico e cultural dos Estudantes de Graduação, realizada em 2014 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior e pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis, 82,05% dos 287.087 estudantes entrevistados em universidades públicas do Sudeste relataram ter dificuldades emocionais, que interferiram em suas atividades acadêmicas nos 12 meses anteriores.

Para Waichert, esse é o reflexo de um modelo de instituição pública que ainda segue padrões tradicionais. “A universidade foi criada para atender a elite. Isso vem mudando, mas percebemos que esse tabu social ainda se reflete aqui. Vemos que os problemas são muito mais intensos nos grupos que têm dificuldade para se manter aqui: quem não tem renda para ter autonomia, precisa trabalhar, dividir o tempo com a família e a universidade não aceita isso.”

Segundo o especialista, os transtornos de cunho psíquico se manifestam em todos os cursos, mas aparecem com mais intensidade naqueles onde a exigência é historicamente maior, como na área da saúde e engenharia. E, conforme o grau de formação aumenta, as exigências crescem, prejudicando os pós-graduandos. “Hoje falamos de um produtivismo da pós. Professores exigem produção como uma esteira de fábrica. São artigos, provas e leituras num rigor que segue a cultura da dedicação exclusiva. Mas isso não é normal e não está dando certo”.

CUIDADO

SINAL DE ALERTA

Fique atento a si mesmo

O primeiro passo para vencer o adoecimento mental é reconhecer que ele existe. Por isso, o psicólogo e professor da Ufes, Adriano Pereira Jardim, lista algumas mudanças de comportamento que podem indicar quadros de ansiedade e depressão.

Sintomas

Não dar conta de tarefas cotidianas, como acordar, pagar contas, organizar a rotina e cumprir tarefas;

Alterações do sono (tanto dormir demais quanto ter insônia);

Alteração dos padrões alimentares (comer acima do normal ou perda de apetite);

Falta de ânimo;

Comportamento agressivo e irritabilidade;

Ruminações: pensamento negativo persistente

NÃO PERCA TEMPO

Busque ajuda

Piora - Uma vez desencadeado, o problema psicológico tende a aumentar. Por isso, quanto mais rápida a busca pela terapia, melhores e mais rápidos serão seus efeitos.

Tempo -

Quando a doença está em estágio inicial, a psicoterapia tem duração média de 3 a 6 meses. Já em casos mais complexos, o tratamento gira em torno de um ano a um ano e meio.

EVASÃO PREOCUPA UNIVERSIDADES

Com o surgimento dos problemas psicológicos, o desânimo de prosseguir com os estudos é quase inevitável. E para evitar que o desfecho dessas histórias seja o abandono, instituições de ensino já se mobilizam na tentativa de prestar auxílio aos alunos.

De acordo com o professor Roger Machado, a evasão escolar é hoje uma das maiores preocupações das instituições, em especial das particulares, e pode ser desencadeada pelo adoecimento mental. “Eles correm o risco de desistir do próprio sonho.”

Em muitos centros de ensino o acolhimento é feito por meio do auxílio psicoterápico gratuito, que é prestado às comunidades, como no caso da UVV e da Católica de Vitória – Centro Universitário. Mas a proposta começa a ir além, conforme mostra o professor Alexandre Aranzedo. “Na Católica, nossa preocupação maior é com a promoção da saúde desses sujeitos. Por isso buscamos um contato mais próximo com os alunos. Assim podemos identificar rapidamente qualquer mudança de comportamento e orientá-lo da melhor forma”, diz.

Na Faesa, o núcleo pedagógico é acionado quando o aluno sinaliza que deixará o curso por problemas emocionais.

Através do acompanhamento psicopedagógico e do contato com a família, é possível concluir se o afastamento será ou não necessário. “Nós trabalhamos com motivação. Estamos trabalhando em um projeto para expandir essa equipe de atendimento. Nossa preocupação é que esse número de alunos tende a aumentar”, afirma a pedagoga Claudia Freitas.

Segundo ela, uma campanha também será feita para mobilizar a comunidade acadêmica em torno do assunto. “Falar sobre transtorno mental ainda é um tabu que precisa ser rompido. Precisamos desmistificar isso através de palestras e campanhas”, diz Claudia.

Depressão durante a residência

“Iniciei o mestrado em 2017, mas eu já vinha de uma pós-graduação de dois anos em formato de residência na área da Saúde. Eu já tive problemas de depressão aos 26 anos, fiz tratamento e estabilizei, mas na residência isso voltou, só que de forma diferente. Foi uma depressão mais leve acompanhada de ansiedade e de crise de pânico. Procurei ajuda assim que percebi e fui direto ao psiquiatra. Acho que o problema não é gerado por uma coisa só, mas na residência, como a gente trabalha e estuda, há muita cobrança, prazos rigorosos. Isso também acontece no mestrado e desencadeia um cansaço mental grande. Faço acompanhamento psiquiátrico e psicológico. Mas também já passei por um psicanalista, fiz acupuntura, experimentei ioga, biodança. Tenho muitos colegas na mesma situação. Alguns admitem e buscam tratamento e outros vão levando”, mestranda de 35 anos.

Cobrança de familiares e amigos

“Eu me formei como Técnica em Edificações e sempre passei por dificuldades financeiras. Um ano depois, entrei na faculdade. Mas no meio do curso vieram o desemprego e os problemas, que se somaram às questões familiares. Depois de muita insistência, consegui fazer meu pai pagar para mim. Mas atrasei minha formatura em um ano. Houve um semestre em que, das seis matérias que peguei, eu só passei em uma. Existe uma cobrança de familiares e amigos de que por eu ter quase 30 anos eu já devia estar formada.

Não tenho ânimo para nada, fico deitada até tarde, passo o dia lendo e tenho insônia. Quando vem a época da rematrícula eu pioro. Quando me formar será um peso a menos. Vejo muitas colegas nessa mesma situação. Temos que lidar com as nossas expectativas e com as dos outros”, universitária Talita Ramos, 28 anos.

ANÁLISE

Instituições devem priorizar qualidade de vida

Este vídeo pode te interessar

“O papel das instituições educacionais é prover ensino de qualidade, com garantia de acesso, permanência e aprendizagem aos alunos. Por isso, elas devem primar pela qualidade de vida deles. Embora muito importante, a oferta de atendimento psicológico, pedagógico ou de assistência social, visando o atendimento de estudantes já em processos de sofrimento, dificuldades ou exclusão, não é suficiente. O cuidado deve começar, principalmente, na organização dos cursos e, inclusive, na formação de professores. Isso não quer dizer que eles tenham que prestar auxílio psicológico, mas sim que um profissional que é capaz de dar uma boa aula, de orientar bem e de passar os conteúdos de forma envolvente promove saúde para todos. A saúde mental deve ser levada em conta desde a montagem da grade curricular, que muitas vezes gera uma carga horária excessiva e leva à cobranças exageradas. É preciso promover uma universidade acessível.”, analisou a Presidente da Comissão de Educação do Conselho Regional de Psicologia, Suzana Maria Gotardo.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais