Janela da Fé é o nome da pintura que, para além de arte, transformou o corpo nu de uma mulher em uma forma de protesto contra a censura à liberdade artística. Entre os 25 quadros que compõem a exposição Universo Feminino, inaugurada ontem na Casa da Memória, na Prainha de Vila Velha, a obra atraiu os olhos do público para uma polêmica: a aprovação, pela Câmara de Vereadores do município, de uma lei que veda o apoio do poder público a espetáculos, exibições e considerados nocivos à moral pública.
Originalmente, a mulher retratada pelo artista Ademir Torres estaria nua deitada em uma cama, tendo como plano de fundo o Convento da Penha. Mas, desta vez, em protesto à lei, tarjas com a palavra censurado foram colocadas em suas partes íntimas. Nós poderíamos ter tirado a obra, mas seria mais uma agressão à arte. O corpo de uma mulher tem uma simbologia forte, mas não há nada sexual, agressivo, defende o vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha (IHGVV) e líder da Comissão de Artistas e Segmentos Culturais do Estado, Manoel Goes.
O projeto
Apelidado pela classe artística de Lei da Censura, o Projeto de Lei de autoria do vereador Reginaldo Almeida foi aprovado por unanimidade pelos 17 legisladores, que derrubaram o veto do prefeito Max Filho. Entre seus objetivos, estão a proibição da utilização pública de imagens sagradas para profanação e da exibição de cenas com imagens sexuais ou de cunho da mesma, pornográficas, que incluam a participação de crianças.
Segundo Reginaldo Almeida, a proposta não é impedir exposições de nudez, como é o caso do quadro Janela da Fé, mas sim proibir a veiculação de crimes contra a dignidade sexual, como a pedofilia. Não há censura. Quero resguardar o respeito à família e às crianças de Vila Velha, impedindo que aconteça o mesmo que houve em outros Estados, com um homem nu sendo tocado por uma criança, argumenta.
Mas, para Manoel Goes, a tentativa de cercear a liberdade de expressão é clara. A partir do momento em que a lei limita a criação, ela é censura. Pornografia é uma coisa, pedofilia é outra e arte é algo muito diferente, diz.
Ademir Torres, que cedeu a obra para a exposição, também concorda. Sou da época da ditadura e vi a censura no teatro, na TV. Esse tipo de proibição em pleno século 21 não deve existir. Proibir nunca, proibir por que?, questiona.
Prefeitura diz que legislação não é válida
Mesmo sem a aprovação do prefeito Max Filho, os vereadores decidiram aprovar por conta própria, em dezembro do ano passado, o projeto de lei que restringe os conteúdos a serem veiculados em apresentações artísticas em Vila Velha. No entanto, o procurador-geral do município, José de Ribamar Lima Bezerra afirma que para a prefeitura a nova lei não é válida neste momento e acredita que em breve ela será derrubada.
Em entrevista ao colunista Leonel Ximenes, o procurador afirmou que no dia 21 de fevereiro a prefeitura protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça (TJ-ES), solicitando que os efeitos da lei sejam suspensos. Até que a decisão não saia, o princípio do Controle de Constitucionalidade do Poder Público prevalece, anulando a legislação.
Segundo Ribamar, a competência de regular a censura é da União e, por isso, não cabe aos legisladores municipais a criação de projetos desse tipo. Por conta disso, o projeto se torna inconstitucional.
Ribamar também acrescenta uma outra irregularidade: O projeto de lei também atribui ao Ministério Público a função de fiscalização. Ele invade a competência de outros entes, explica.
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