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Música como veículo de transformação de vidas

Música como veículo de transformação de vidas

Arte mudou a história de Eduardo Lucas, que quer retribuir

Publicado em 25 de março de 2018 às 00:00

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Músico Eduardo Lucas da Silva. (Fernando Madeira)

Aos 28 anos, o capixaba Eduardo Lucas da Silva dá conta de mais de 200 alunos na Faculdade de Música do Espírito Santo (Fames), onde estudou, e também de outros 80 jovens de um projeto social. O trompetista, mestre em Música (UFRJ), ainda administra uma editora de partituras, toca com o Regional da Nair e a banda No Seu Abracinho, voltada para crianças. Abaixo, o músico conta sua trajetória, desde São Pedro V, até a oportunidade de transformar sua vida em melodia.

Eu sou da região da Grande São Pedro, mais especificamente São Pedro V. É uma área que tem muitos talentos desconsiderados. Minha família mora lá há 30 anos. Com 15, eu tinha outros sonhos. Tinha interesse de estudar Direito, mas frequentava uma comunidade religiosa e quis fazer alguma coisa para ajudar. Pensei em aprender a tocar um instrumento musical. Mas era tudo muito escasso, não tinha professor e a faculdade de Música não parecia algo acessível.

Então ouvi falar do projeto Banda Júnior, da Polícia Militar, que existe desde 1999 e atende crianças em situação de vulnerabilidade social. Meus pais me levaram e fizemos a matrícula. Isso era 2005. Minha família não tem músicos, mas minha casa era uma casa de shows. Meu pai tinha um bailão em São Pedro, conhecido como bailão “Sonho Doce”. Tinha forró, sertanejo, samba e pagode todo final de semana. Mais para frente também passou a ter baile funk. Sempre gostei muito de música por causa desse ambiente.

Minha entrada na Banda Júnior foi um divisor de águas. Eu não levava muito a sério o estudo e a música me deu um outro foco, foi uma paixão à primeira vista. Pensei ‘poxa, quero fazer isso para o resto da minha vida’. Fiz vestibular na Fames em 2007, para o curso básico. Em 2010, prestei vestibular para o bacharelado e passei. Junto disso, comecei a tocar em casamentos, no carnaval, tudo para ajudar em casa. Minha mãe é cozinheira e eu precisava ajudar de alguma forma. Cheguei a trabalhar na feira.

 Entrei no bacharelado já pensando que queria seguir carreira acadêmica. Me sinto à vontade lecionando. Me formei em 2013, mas estava desempregado. Veio a questão ‘e agora, o que vou fazer?’. Não tinha passado no concurso da orquestra, comecei a tocar na noite com a banda Kalifa. Recebi convites para ir para outras bandas, mas a Vale me fez a proposta de trabalhar com a regência de uma banda de alunos do projeto social Vale Música. Aceitei o desafio. Quando cheguei, em 2014, tinha 12 alunos.

Vislumbrei o grande potencial do projeto, mas tinha que estudar. Aqui no Estado infelizmente não temos curso que forme maestros. Como tinha começado a trabalhar na Vale, juntava um dinheirinho e ia para São Paulo para me aperfeiçoar. Fazia um curso no Conservatório de Tatuí. De 12 componentes, a banda sinfônica do projeto social foi para 50. Fazemos apresentações regulares, com temas fechados. Já fizemos homenagem aos cem anos do samba, trilha sonora de filme, tributos a Elis Regina...

Minha vivência foi muito de música erudita, mas sempre flertando com a música popular. Por isso, montamos uma jazz band. Agora além da banda sinfônica, temos essa jazz band dedicada ao repertório de música brasileira e internacional, com 30 pessoas. Quero mostrar para essas crianças o que é música popular. Muitos que vêm de lugares carentes não têm acesso a isso.

Atendemos crianças de 7 até os 18 anos. Se eles desejarem ser músicos profissionais, podem ficar no projeto até os 23. A intenção é ocupar um espaço que poderia ser ocupado por coisas indevidas. Nos voltamos para a socialização através da música.

Com o projeto social, mesmo que ele não se torne músico profissional, ele vai ter vivido aquilo ali. Aprende sobre disciplina, sobre estética, como trabalhar em grupo... Para mim é um peso grande. Sou negro, pobre, vindo de região de conflito social. Às vezes saímos de concertos muito tarde e tenho que levar alguns em casa. Passo em cada lugar e penso que nossas histórias são semelhantes. Cabe a mim mostrar a eles que foi possível. A música para muitos é uma questão de sobrevivência.

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O ser humano tem uma necessidade de se expressar. Quando damos voz ao adolescente, ele se sente importante e inserido na sociedade. Ele vai se comportar de uma maneira adequada a isso. Temos que lembrar que mais de 70% das mortes no Brasil são de negros. Criticam cotas, mas olhamos para os dados e vemos que o Brasil é sim preconceituoso. O negro não ocupa lugar de destaque, não tem voz ativa na sociedade. Precisamos de oportunidades para mostrar do que somos capazes. Mostro isso para os meus alunos. Sou otimista em relação ao humano. Temos jeito. Precisamos apenas conversar e nos entender.”

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