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Para escapar da morte, 51 pessoas mudam de identidade no ES

Para escapar da morte, 51 pessoas mudam de identidade no ES

Programa de proteção à testemunha completa 20 anos no Estado

Publicado em 23 de março de 2018 às 01:17

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Cena de homicídio: maioria das testemunhas protegidas no programa, 68%, é de casos de assassinatos. (Fernando Madeira)

Para escapar da morte, só este ano, um total de 51 pessoas no Estado tiveram que mudar por completo as suas vidas. Largaram o emprego, os estudos ou deixaram para trás familiares e amigos para viverem em sigilo absoluto, em outras localidades, abrigos ou casas alugadas pelo Estado. Deixaram de existir até nas redes sociais quando ingressam no Programa de Proteção às Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas (Provita).

Uma condição imposta após terem presenciado ou denunciado um homicídio, um ato de corrupção ou um outro tipo de crime que pôs em risco suas vidas. Quando o programa começou, em 1998, eram apenas oito protegidos, realidade que mudou com o aumento da violência. “O aumento do número de pessoas ameaçadas acompanha o crescimento da violência”, relata Bruno Toledo, diretor da ONG Centro de Apoio aos Direitos Humanos (CADH), que coordena o programa capixaba.

Nestes 20 anos, um total de 480 pessoas passaram pelo programa. No início, relata Toledo, a maioria era das grandes cidades e ameaçados pelo crime organizado. Já nos anos 2000, começaram a surgir as vítimas do tráfico e, nesta última década, aliado à criminalidade, surgem as vítimas de violência contra a mulher. “Também percebemos uma interiorização, com cidades médias do interior sendo protagonistas neste cenário”, explica Toledo.

Só ingressam no programa os casos, extremos, com risco iminente e concreto de morte. A maioria (68%) ainda referem-se a homicídios. Outro dado importante no perfil dos ameaçados: 60% possuíam renda de até dois salários mínimos. Para Toledo, uma das principais conquistas do programa nas últimas duas décadas, em que cerca de 1.200 pessoas ameaçadas tiveram suas situações analisadas para ingressar no Provita capixaba, foi nunca terem perdido uma testemunha. “Nunca tivemos uma morte”, destaca.

ACESSO

No Estado o programa foi criado dois anos após o projeto nacional, em meio ao enfrentamento contra a impunidade e ao crime organizado. Mas não segue o modelo que se vê em filmes, onde a garantia à vida é assegurada por órgãos federais americanos, como o FBI. “Aqui o programa nasce para garantir a vida de quem era ameaçado pelos agentes do estado, era contra a violência estatal”, explica Toledo.

O projeto é financiado por meio de convênios entre governo federal e estadual, que garantem os recursos, e ainda com a ONG, que coordena o programa. Os protegidos, segundo legislação federal, recebem alimentação, saúde, atendimento psicológico e dinheiro do governo para pagar despesas. Em paralelo, há uma série de regras que precisam seguir, sendo uma das principais evitar qualquer tipo de contato com a vida anterior. Nos casos ainda mais extremos a lei autoriza até a troca do nome da pessoa.

A legislação federal estabelece ainda que pode haver troca de cidades ou, quando necessário, serem levados para outros Estados. “O Espírito Santo, por ser referência nacional, também recebe testemunhas ameaçadas em outros estados, até mesmo do programa nacional, destinado aos estados que não contam com o Provita”, explica Toledo. 

Delegados, juízes, promotores, organizações de direitos humanos podem indicar o ingresso ao programa, mas os casos são avaliados por um conselho, da qual fazem parte representantes do Ministério Público estadual e do federal, da Secretaria de Direitos Humanos, do Judiciário e de setores de segurança. Uma curiosidade: os casos são avaliados por números. “Só quem cuida diretamente dos protegidos tem acesso aos nomes e as localizações deles. Uma garantia não só para os ameaçados, mas também para que os membros do conselho não sejam obrigados a revelar”, explica Toledo.

FUTURO

O secretário de Estado de Direitos Humanos, Julio Pompeu, considera o Provita Capixaba um programa exitoso. “Muitos foram para a cadeia graças ao testemunho destas pessoas, que tiveram suas vidas protegidas”, relata.

A meta do programa, este ano, é de absorver até 60 casos. Hoje já contam com 51 pessoas. A expectativa é de ampliar este número de vagas. Algo que poderá ser possível, pondera o secretário, com uma ampliação dos recursos federais. “Hoje o Estado banca a maior parte dos recursos. Queremos expandir estes recursos com uma ampliação da participação da União, de forma que cada um banque pelo menos 50% das despesas”, relata.

Outro ponto importante, segundo ele, é garantir que não haja a interrupção dos convênios, o que pode comprometer a rede de atendimento. “Hoje conseguimos ter uma folga financeira para evitar a interrupção do atendimento. Mas é preciso melhorar a engenharia jurídica para melhorar o fluxo dos convênios a cada período de renovação”, relata.

São alguns dos temas que vão ser abordados em um seminário, que acontece durante o dia de hoje, no Palácio da Fonte Grande. Participam membros do programa capixaba e de representantes do governo federal.

ENTENDA

REQUISITOS PARA ENTRAR NO PROGRAMA

- Gravidade da ameaça à integridade física ou psicológica

- Dificuldade de prevenir ou reprimir a ameaça pelos meios convencionais

- Importância da testemunha ou vítima para a produção da prova

- A vítima ou testemunha precisa concordar com a entrada no programa

IMPEDIMENTOS

- Conduta incompatível com as restrições de comportamento exigidas pelo programa

- Condenados em cumprimento de pena

- Indiciados e acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades

MEDIDAS DE PROTEÇÃO

- Segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações

- Escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos

- Transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção

- Preservação da identidade, imagem e dados pessoais

- Ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda

- Suspensão temporária das atividades funcionais (trabalho), sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar

- Apoio e assistência social, médica e psicológica

- Sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida

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- Apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal

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