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Tragédia na BR 101: motorista dirigiu 14h seguidas antes de acidente

Tragédia na BR 101: motorista dirigiu 14h seguidas antes de acidente

Investigação da maior acidente já registrado em rodovia no ES aponta série de irregularidades

Publicado em 22 de março de 2018 às 23:02

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A carreta de granito que provocou o acidente em Guarapari, em junho, estava com pneus carecas e com 11 toneladas de excesso de carga. (Bernardo Coutinho - 22/06/2017)

Nove meses após o mais grave acidente rodoviário do Espírito Santo, envolvendo uma carreta carregada de granito, um ônibus de viagem e duas ambulâncias, na BR 101, em Guarapari, o Ministério do Trabalho aponta mais uma irregularidade que pode ter contribuído para a morte das 23 pessoas: o motorista havia trabalhado 14 horas seguidas na véspera e não descansou o tempo mínimo necessário antes de pegar a estrada.

O auditor fiscal Bernardo Velasco, do Grupo Especial de Fiscalização do Trabalho em Transportes (Getrac), conta que, para apurar as circunstâncias do acidente, foi feita uma retrospectiva dos dias de trabalho de Nadson Santos Silva, que também morreu naquele 22 de junho. As informações foram obtidas a partir do relatório de rastreamento via satélite da frota da Jamarle, empresa para a qual o caminhoneiro prestava serviço.

Por lei, motoristas profissionais só podem dirigir por até 12 horas, já contando a jornada extra. Em vários dias, Nadson excedeu esse tempo na estrada. Entre os dias 14 e 16 de junho, ele trabalhou 24 horas sem descanso, apenas com algumas paradas, possivelmente para refeição, considerando o curto intervalo.

(Bernardo Coutinho)

O percurso que o caminhoneiro fazia, levando pedras de Baixo Guandu a Cachoeiro de Itapemirim, tinha um pouco mais de 300 quilômetros e, segundo o auditor, Nadson conseguiu ir e voltar algumas vezes nessas 24 horas.

Já às vésperas do acidente, Velasco disse que o caminhoneiro rodou 15 horas seguidas, entre os dias 19 e 20 de junho, e no dia 21, mais 14 horas. O intervalo para descanso entre uma jornada e outra, que tem de ser de no mínimo 8 horas, também não foi respeitado. Pouco antes do acidente, Nadson havia descansado entre 23h39 e 2 horas. Então, ele pegou a estrada e, quatro horas depois, no quilômetro 343 da BR 101, invadiu a contramão e bateu de frente com um ônibus da viação Águia Branca, que seguia de São Paulo para Vitória, e com ambulâncias dos municípios de Jerônimo Monteiro e Alfredo Chaves. A carreta estava carregada com um bloco de pedra de cerca de 35 toneladas.

“Nossa análise do acidente é feita à luz das normas trabalhistas e procura identificar as condições daquele empregado que se acidentou. No caso desse acidente, conseguimos alguns dados que nos permitiram fazer uma retrospectiva do trabalho do motorista da carreta que provocou o acidente, mas não quer dizer que a culpa é dele”, pontua Bernardo Velasco.

O auditor explica que, na verdade, as condições de trabalho oferecidas a Nadson pela Jamarle propiciaram o acidente. “A condição do veículo, a jornada excessiva de trabalho. A propósito: a primeira infração da empresa é justamente não controlar a jornada do trabalhador”, observa.

Os dados levantados pelo Getrac foram enviados em um relatório à Superintendência Regional do Trabalho no Espírito Santo para que seja dado encaminhamento à Polícia Civil, a fim de contribuir para as ações na esfera criminal. Além disso, também será remetido ao Ministério Público do Trabalho, que pode atuar tanto para solicitar reparação de danos à Jamarle quanto estabelecer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

(Bernardo Coutinho)

O relatório ainda será remetido ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que, na avaliação de Velasco, tem interesse em apurar as responsabilidades de acidentes de trabalho porque é o órgão que concede benefícios aos segurados e esses recursos podem ser cobrados, posteriormente, dos culpados.

Na última semana, os irmãos Jacymar Pretti, 63 anos, e Lecir Braz Pretti, 49, donos da carreta, foram presos preventivamente, após serem indiciados por 23 homicídios dolosos e 18 tentativas de homicídio.

IRREGULARIDADES

Assim como na Jamarle, as irregularidades mais frequentes nas transportadoras de cargas e passageiros são relacionadas à jornada dos motoristas que, em geral, são excessivas. É o que apontam os relatórios do Grupo Especial de Fiscalização do Trabalho em Transportes (Getrac).

“A rotina e a forma de trabalhar de certas empresas visam realmente produzir o máximo, mas às custas do motorista. Por mais que a remuneração também seja por produção, o motorista acaba cometendo infrações e extrapolando os limites de segurança, como o da jornada, colocando todos em risco”, ressalta o auditor fiscal Bernardo Velasco. 

(Bernardo Coutinho)

As empresas são obrigadas, por lei, a controlar a jornada do trabalhador, mas muitas são negligentes nesse monitoramento justamente porque querem que a carga chegue mais rápido ao destino. A Jamarle, por exemplo, não tinha nenhum documento que comprovasse o acompanhamento do trabalho realizado pelo Nadson Santos, que se envolveu no acidente da BR 101, em junho do ano passado, nem dos demais funcionários, segundo Velasco. 

Outra falha identificada na Jamarle pela fiscalização do Getrac foi em relação à manutenção da frota de caminhões. É preciso ter registro dos reparos realizados, mas a empresa foi autuada porque não tinha nada documentado e não era possível saber quando os veículos tinham passado por revisão. "É preciso manter uma equipe minimamente técnica para identificar os problemas e controlar isso, além de ter um registro de todas as manutenções feitas. As revisões precisam ser periódicas", frisa o auditor.

FISCALIZAÇÃO

De olho no transporte de cargas no Estado, uma equipe do Grupo Especial de Fiscalização do Trabalho em Transportes (Getrac) está atuando em conjunto com a Superintendência Regional do Trabalho do Espírito Santo. No momento, cerca de 25 empresas do setor, todas situadas na Grande Vitória, são alvo de investigação.

A ação não é resultado de denúncia, mas de planejamento das ações do Getrac, que identificou a necessidade de começar o trabalho pelo Espírito Santo. 

(Bernardo Coutinho)

"A fiscalização dessas empresas ainda está em andamento. Estamos na etapa de análise de documentação para verificar as condições de trabalho dos motoristas", afirma o auditor fiscal Bernardo Velasco.

Além da jornada de trabalho, a fiscalização também  busca informações sobre descanso e repouso, férias, regularidade nos pagamentos de salários, assim como questões ligadas à saúde e segurança dos profissionais. 

Questionado, Velasco disse que qualquer irregularidade poderá ser apontada ainda durante a fase de análise documental e, ao final da fiscalização, as empresas que tiverem descumprindo as normas trabalhistas serão autuadas. 

O ACIDENTE

O acidente aconteceu no km 343 da BR 101, em Guarapari, às 6 horas do dia 22 de junho. Morreram 23 pessoas e outras 18 ficaram feridas.

A colisão envolveu a carreta conduzida por Nadson Santos, um ônibus da viação Águia Branca e duas ambulâncias. A batida interditou os dois sentidos da rodovia e o tráfego precisou ser desviado no km 335, no trevo que dá acesso ao município.

(Bernardo Coutinho)

Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a carreta carregada com bloco de pedra, de aproximadamente 35 toneladas, vinha do sentido Vitória - Rio de Janeiro, quando invadiu a contramão e bateu de frente com o ônibus, que seguia de São Paulo para Vitória, e ambulâncias dos municípios de Jerônimo Monteiro e Alfredo Chaves. Após a curva, a rocha atingiu o ônibus, que tombou e começou a pegar fogo.

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