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Caso Marielle: a técnica que trouxe pista importante sobre o caso

Caso Marielle: a técnica que trouxe pista importante sobre o caso

O papiloscopista Carlos Magno Alves Girelli desenvolveu uma técnica de identificação de digital em cartuchos de munição

Publicado em 24 de abril de 2018 às 21:06

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O policial federal do Espírito Santo Carlos Magno Alves Girelli foi responsável por conseguir uma das pistas mais importantes sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, ocorridos em março, no Rio de Janeiro.

Girelli é papiloscopista e, em entrevista à Rádio CBN Vitória (92,5 FM), explicou sobre as funções da profissão e revelou detalhes da técnica de identificação de digitais em munição que está sendo utilizada na investigação do Caso Marielle.

O que faz o papiloscopista?

A principal atividade do papiloscopista é o exame e a análise de impressões papilares, produzidos pelos dedos, pelas palmas das mãos e plantas dos pés. As dos dedos são as impressões digitais. O exame consiste tanto na parte de obtenção dessas impressões, a revelação de superfície das mais diversas, também nos exames para tentar identificar a autoria dessas marcas deixadas em locais de crime ou até mesmo documentos. Essa é a principal atividade do papiloscopista. Também é executado por esses profissionais o retrato falado, representação facial humana, projeções de envelhecimento, de disfarce e também toda a gestão do banco de dados de informações criminais.

A nossa impressão digital é única?

Sim, desde a formação da pele. Os desenhos são únicos e formados entre a 10ª e 20ª semana de gestação. Ela persiste por toda vida. Essas impressões são únicas; os desenhos que se formam nos dedos e palmas das mãos e plantas dos pés, essas linhas, esse desenho é único.

E as pessoas que dizem que não têm digital? Isso é muito comum em exames...

Geralmente são questões provisórias, temporárias, as vezes a pessoa tá lidando com produto químico e isso ataca a pele naquele momento, mas a impressão tá ali.

Quanto ao Caso Marielle: o cartucho de munição fica com a digital quando a arma é carregada?

Isso. A nossa pele é coberta por secreções. A palma da mão e os dedos, nessa região da pele espessa, sempre tem muito suor. Quando tocamos uma superfície de forma involuntária, você acaba transferindo para aquela superfície. Ao fazer isso com o cartucho e municiar uma arma de fogo, você transferiu depósitos do seu dedo para o estojo de munição. O que é difícil nesse caso, é que o manuseio das pequenas evidências, o que sobra, é pouca coisa. Ao inserir o carregador na arma, aciona o gatilho e efetua o disparo, você tem uma série de fenômenos físicos e químicos dentro da arma que gera atrito e deforma/danifica a impressão digital.

E sobre a sua pesquisa/tese de doutorado?

Ela teve início em 2013, em Brasília, na época fui recrutado para desenvolver pesquisa na área. Fizemos um grande teste de vários reagentes, tanto em cartucho quanto em chapas de latão. Esse trabalho foi publicado em um periódico científico, ganhou visibilidade, teve apresentações no exterior. Daqui pra frente vamos começar a aplicar isso. Desde então, tem sido desenvolvido todo um trabalho.

Vocês já chegaram a uma técnica ideal de coleta desses cartuchos?

Sim. Hoje temos bem estabelecido como base dos resultados dos vários testes que fizemos, qual é a melhor sequência a aplicar na situação concreta. A Polícia Civil aqui do ES passou um ano estudando os cartuchos utilizados em locais de crime, aplicávamos três técnicas em sequência. Também foi desenvolvido o método de fotografia, foi patenteado, mas é um pouco complicado porque não dá pra se livrar dos reflexos, é difícil. Ao fazer uma fotografia, você vai ter uma imagem distorcida.

Como você chegou no Caso Marielle?

O delegado da Divisão de Homicídios do RJ tomou conhecimento por alguma forma e pediu um apoio técnico formalmente à PF no RJ, que por sua vez fez o contato com o ES. Nos reunimos com os colegas da Polícia Civil do RJ e passamos sábado e domingo o dia inteiro em laboratório analisando esses cartuchos.

Quantos dias depois do assassinato?

Alguns poucos dias.

Dizem que quanto mais próximo da ocorrência, mais preservado você tem tudo.

Sim, a impressão digital é um material orgânico que tende a ter uma degradação com o tempo. Quanto menos mexer, melhor. Passamos sábado e domingo inteiros analisando e fazendo centenas de fotos dos cartuchos.

Quantos cartuchos foram analisados?

No total, processamos nove estojos de munição. Um estojo apresentou impressões digitais com qualidade suficiente para identificação. Nós temos uma impressão passível de se levar à identificação do autor do toque na superfície - que ainda não foi identificado. Fazer uma pesquisa em um banco de dados é difícil por conta da raridade de cada minúcia. O que a gente consegue em local de crime, aplicamos técnicas para revelar.

Como é esse banco de dados?

O nome do banco de dados é AFIS (Automated Fingerprint Identification System), que significa Sistema de Identificação Automatizada de Impressões Digitais). O AFIS é um sistema que a Polícia Federal tem e todas as Polícias Civis de todos os estados também têm terminais disponíveis. Ele transforma as imagens em números e compara esses números com aquelas outras impressões. Então no caso de ter um fragmento com poucos pontos e uma infinidade de impressões digitais com muito mais pontos, ele começa a enxergar algumas coisas que não têm nada a ver. Então, nesse caso específico, o que temos que começar a fazer é reduzir. Se foi no Rio de Janeiro, vamos pesquisar no Rio de Janeiro. Vamos aplicar filtros para tentar reduzir o universo de suspeitos e tentar fazer com que o AFIS apresente uma digital mais próxima que pode ser da fonte e esteja mascarada no meio de outras. Esse é um trabalho de "formiguinha" que demora mesmo.

E quanto ao retrato falado? Tem o retrato que você recebe e tem aquele relato de uma vítima ou testemunha. Qual é o pior?

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O relato você tem dois subjetivismos. Um: a capacidade da pessoas descrever o suposto infrator e suspeito. Dois: a capacidade de absorção de quem tá confeccionando. O profissional tem que ser bom, tem que dominar as ferramentas. A PF desenvolveu um software que tem sido usado até em outros países, que se chama HORUS. Depois da montagem preliminar, e faz os primeiros ajustes, ele é exportado pra um software de edição de imagens e o operador tem que ser bom nisso. Aí ele vai começar a mexer em sobrancelha, puxar orelha, mexer em cabelo, colocar óculos, colocar boné, olhos, cicatriz. Tudo que a pessoa puder descrever vale.

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