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Eduardo Bueno: 'ligação dos brasileiros com a sua História é frágil'

Eduardo Bueno: "ligação dos brasileiros com a sua História é frágil"

Jornalista por formação e autor de 33 livros, Peninha, como é conhecido, alcançou fama pelo conhecimento em História e faz sucesso com irreverência em um canal de curiosidades sobre o tema no YouTube

Publicado em 22 de abril de 2018 às 00:28

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O jornalista ficou conhecido após vender 380 mil exemplares do livro "A viagem do descobrimento". (Al Hamdan/Divulgação)

Autor de 33 livros sobre a História do Brasil, o jornalista Eduardo Bueno acredita que os brasileiros esquecem que no dia 22 de abril é comemorado o descobrimento do país já que a data não é um feriado nacional. Confundido com historiador, Peninha, como é mais conhecido, ficou famoso após o lançamento do livro “A viagem do descobrimento”, de 1998, que teve mais de 380 mil exemplares vendidos. Na ocasião, o jornalista ganhou R$ 3 milhões, mas assume que gastou toda a riqueza em um ano.

Atualmente com o Buenas Ideias, um canal no Youtube com o quadro “Não vai cair no Enem”, para tratar sobre os fatos curiosos da História do Brasil, Peninha tem mais de 130 mil seguidores e quase cinco milhões de visualizações.

O jornalista, que se declara o maior fã de Bob Dylan no país e é apaixonado pelo Grêmio, conversou com A GAZETA sobre assuntos polêmicos, além de assumir que tem prazer de torcer contra o Brasil na Copa.

Os brasileiros esquecem que hoje, 22 de abril, é o Dia do Descobrimento?

Eu acho que esquecem sim, especialmente porque no dia 21 de abril tem um feriado (Dia de Tiradentes). A ligação dos brasileiros com a sua História é tão tênue, tão frágil, que na verdade quando tem o 21 de abril não é o Tiradentes. É um feriado e ponto. As pessoas estão interessadas apenas no feriado. O que é uma pena porque poderiam curtir o feriado e lembrar o significado de Tiradentes e no caso do descobrimento, mais ainda, porque claro que você pode discutir a data. Quando lancei meu livro “A viagem do descobrimento”, teve toda aquela discussão que não tinha sido descobrimento porque os índios já estavam aqui. Também tem o outro lado que é óbvio que foi um descobrimento. Nós não estamos falando tupi, nem holandês, nem inglês, nós falamos português.

Como você avalia essa data?

A palavra correta é inexorável. Não tem como mudar porque já aconteceu. Independentemente de achar inexorável, acho que foi bem positivo. Óbvio que acabou resultando em um extermínio dos índios, mas, independentemente disso, foi melhor do que se fosse francesa, holandesa. É uma vertigem que o brasileiro tem de achar que o colonialismo pode ser diferente. Colonialismo é sempre ruim. Quem constrói o país é o povo que depois vem habitá-lo.

De onde veio a ideia de explorar a História do país?

Minha ligação com a História do Brasil é muito intensa e profunda há muitos anos. Mas eu era um jornalista, essa profissão mal paga. Sempre estudei e li muito sobre a História do Brasil. Quando foi se aproximando o ano 2000, a data de completar 500 anos do descobrimento, eu resolvi escrever o livro “A viagem pelo descobrimento”, da Coleção Brasilis, que explodiu. A coleção toda junta vendeu um milhão de exemplares. Fiquei muito conhecido na área.

Foi nesse momento que você mais ganhou dinheiro?

Foi. Ganhei uns R$ 3 milhões, mas consegui perder com uma rapidez impressionante em um só ano. Eu sou uma besta. Dinheiro é para quem sabe ter e gosta do dinheiro. Mas eu gastei. Tenho três filhas, dei para elas, dei para as mães delas. O resto eu gastei, outra parte eu perdi.

Como decidiu ir para a internet?

Eu tinha essa ligação com a História, mas isso não significava que ia para a internet. Eu não tenho paciência para internet. Não tenho nenhuma rede social, não tenho Facebook e nunca vou ter. O WhatsApp eu uso para falar com a família, não tenho grupo, eu odeio grupo. Sou um individualista nato, tanto é que meu ídolo é o Bob Dylan, que faz tudo sozinho. Eu também faço tudo sozinho, mas garanto que ele não tem a Nathalia Silva. Ela tem um papel muito importante. É ela que faz as edições dos vídeos, que são muito boas.

O “Não vai cair no Enem” nasceu por causa do futebol. Na última Copa do Mundo, o SporTV me convidou para fazer um programa diário, o Extraordinário. Cada dia ia um dos caras do Casseta&Planeta para participar. Foi o Marcelo Madureira, do Casseta, que teve a ideia do canal. A produtora que grava os vídeos é dele. E ele quem quase me obrigou a fazer. Falava que minha linguagem e o meu jeito tinham que estar na internet. Perguntei a ele se ele iria me chamar de Felipe Neto (youtuber).

Mas se você odeia rede social, por que o YouTube?

Do YouTube eu gosto porque fico vendo o Bob Dylan, gols do Grêmio... Na verdade 90% do tempo eu fico falando do Grêmio ou do Bob Dylan. Quando eu não estou falando de um dos dois, eu estou falando de História do Brasil. Eu li mais de dois mil livros sobre a História do Brasil. Aí o Madureira falou: “Em vez de você ficar falando para as paredes, grava essa merda e vamos ganhar dinheiro com isso.” Mas quero deixar claro que dinheiro não veio ainda.

As curiosidades dos seus vídeos deveriam ser trabalhadas nas escolas?

O estímulo da escola tinha que ser mais dinâmico. Todo mundo me diz que, se tivesse tido um professor como eu, teria aprendido muito melhor. Mas também tem aqueles que me dizem “você me lembra um professor bom que eu tive e gosto de História por causa dele”. O interesse das pessoas no colégio é maior se o professor for legal ou não. O problema é que tem um monte de professor muito chato, que faz a História ficar chata. Mas nunca tive professor legal no primário e no ginásio. Eu me interessei sozinho. Você pode descobrir por si. O que tem de informação disponível na internet... Você só precisa saber separar. Mas as pessoas não querem ler.

Por que você não interage com os internautas?

Quando Madureira me convidou eu disse que tinha uma condição: não leio e nem respondo comentários. Eu emito informação, eu não recebo informação. Não leio porque me irrita. Há muitos anos eu recebo muito elogio, e eu já não dou bola para elogio há muito tempo. Há muitos anos eu recebo críticas. Não sou uma pessoa comum, as pessoas se dividem. É muito ridículo porque eu fico dando mais atenção para quem me critica do que para quem me elogia. E com quem me critica eu fico a fim de discutir, em cinco minutos eu chamo para um duelo. Já vou para baixaria. A minha tolerância é de três minutos. As pessoas radicais despertam o meu radicalismo.

Você pensou em cursar História?

Não. Eu nunca disse que sou historiador. Eu sou jornalista. Meu olhar sobre a História é um olhar jornalístico. Portanto, está repleto de generalizações e simplificações. O jornalista tem tendência a generalizar e simplificar, e isso não é necessariamente um defeito, embora possa ser também. Eu sempre fui apaixonado pela História e eu era jornalista. Juntei os dois. Me recuso a me chamar de historiador porque historiador é o cara que faz a investigação na fonte primária, vai no arquivo, lê documentos antigos. Eu não. Sou um mero divulgador, mas espero que não um diluidor da História.

Já pensou em ser professor?

Não. Se eu fosse professor eu ia enlouquecer os alunos e a mim também. Eu nasci para ser jornalista. E jornalismo é destino.

Em ano de eleições, como você avalia o cenário atual?

Eu sempre achei o Brasil meio perturbador e trágico, mesmo em períodos de estabilização suposta como na época do Plano Real, do FHC, quando o país parecia que estava estabilizado, e o primeiro reinado do Lula. Sempre tive o pé atrás, mas nunca tão atrás quanto agora. Faltam seis meses para as eleições, e a gente não tem nenhuma opção sequer mediana. Se aparecer um medíocre já é um sonho. Acho que a primeira mobilização da cidadania no Brasil tinha que ser contra o Bolsonaro. Na minha opinião, ele é uma ofensa para o Exército Nacional. A luta deve ser coletiva contra ele, depois sem ele, qualquer um é só ruim. Ele é desastroso.

O pensamento “todos os políticos são iguais” afasta as pessoas da política?

Acaba afastando por nojo. As pessoas vão tomando nojo de uma atividade que é essencial. Mas é essencial em países ainda em construção. Em países já resolvidos, como a Dinamarca e a Suécia, a política nem é tão essencial assim porque ela realmente está a serviço da cidadania, que é exercida pelo povo. Em países de segunda categoria, que nem o Brasil, você precisa da política. É uma desgraça porque ao precisar da política ela não te dá nada em troca. A gente que tem que pegar as rédeas desse processo político, e a única maneira é com o conhecimento, com a informação. E a informação está onde? Na educação. Não só na educação de base, mas a educação no sentido pleno, da qual os jornais fazem parte. Você vê a diminuição da importância dos jornais, que é muito trágica, e as pessoas lendo nessa merda do Facebook.

A História se repete?

Sim. Ela se repete simultaneamente como farsa e como tragédia. A frase é do marxismo. No Brasil, ela é uma farsa trágica ou uma tragédia farsante.

Há solução para o país?

Óbvio. O Brasil é um país grandioso com um destino grandioso. O Brasil não vai conseguir evitar o sucesso. Nem eu mesmo vou conseguir evitar meu sucesso financeiro por mais que eu me sabote. O Brasil e eu estamos condenados ao sucesso.

E, na Copa, sua torcida é para o Brasil?

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Agora vou perder os poucos fãs que eu tenho, mas um dos meus esportes favoritos é torcer contra o Brasil. Primeiro porque eu sou gremista, e o Grêmio nem faz parte direito do Brasil. Segundo que eu tenho uma paixão enorme pelo Uruguai, e eu odeio o futebol brasileiro. Tenho todo um prazer em ver os brasileiros que botam todas as suas esperanças no futebol em vez de botar na construção de um país melhor. O Brasil é um país de merda por nossa causa, porque nós não exercemos cidadania, porque não construímos nossa História com as nossas próprias mãos, porque somos tutelados, submissos a uma ordem injusta e aí, quando chega a Copa do Mundo, as pessoas ficam “viva o Brasil”.

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