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Samu 192: R$ 825 mil vão pelo ralo com viagens perdidas

Samu 192: R$ 825 mil vão pelo ralo com viagens perdidas

Gasto é com envio de ambulâncias para chamados desnecessários

Publicado em 15 de abril de 2018 às 21:53

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Três das ambulâncias do Samu da Grande Vitória; serviço recebeu mais de 170 mil trotes ano passado. (João Paulo Rocetti)

Enquanto de um lado a população exige qualidade nos serviços de saúde públicos, o que é um direito básico, de outro quase R$ 825 mil, pelo menos, são gastos anualmente por trotes e chamadas sem necessidade ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192). Essa é a conta do desperdício em 2017, por todas as vezes em que a ambulância foi acionada, a equipe de atendimento se deslocou até o suposto paciente, e a viagem foi perdida nos 18 municípios do Estado em que o serviço atende.

Um levantamento obtido junto à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) pela Lei de Acesso à Informação aponta que 5.536 atendimentos realizados pelo Samu, em 2017, não tiveram conclusão de destino para hospitais ou postos de saúde. Entre as razões, paciente não encontrado – muito comum em casos de trotes – ou que foi socorrido por outra pessoa, mas não houve cancelamento do pedido.

O custo de saída da ambulância básica da base é de R$ 149, considerando uma hora de atendimento, sem os gastos com material. O cálculo leva em conta, entre outros itens, despesas com manutenção, com a central de regulação e suporte administrativo. Multiplicando esse valor à quantidade de deslocamentos desnecessários feitos pelo Samu, chega-se a um valor de R$ 824,8 mil que poderia ser investido em outras áreas da saúde ou mesmo na melhoria do serviço.

Coordenadora geral do Samu, Julianna Oliveira observa que, além do desperdício de dinheiro, há um outro custo bastante alto com trotes e saídas sem necessidade.

“Costumo dizer que existe o prejuízo financeiro, mas existe um ainda maior que não conseguimos definir com valores: o da assistência. Ou seja, aquela pessoa que deixou de ser assistida porque a ambulância foi fazer um atendimento que não existia”, ressalta.

TROTES

No ano passado, o Samu recebeu 881.759 ligações e, dessas, 173.632 eram trotes, representando 19,69% das chamadas. Em boa parte, a central de regulação consegue filtrar, mas há ainda um percentual - não especificado pela Sesa - que tem a capacidade de enganar os atendentes e médicos reguladores.

Julianna Oliveira disse que a Sesa está buscando formas de reduzir ainda mais a prática, sobretudo com ações educativas em escolas, embora nem todos os trotes sejam feitos por crianças. A coordenadora do Samu conta que há muitos adultos que também adotam essa prática que compromete a qualidade do serviço.

“Hoje, com as ferramentas que a gente dispõe, não é possível identificar o trote em todos os momentos. Por isso, também é importante um trabalho de conscientização para que as pessoas deixem de passar trote. Uma ligação assim pode impedir o atendimento a quem realmente precisa.”

Outro aspecto que Julianna Oliveira destaca é para aqueles que acionam, verdadeiramente, o serviço. Informar corretamente o endereço e esperar em um ponto de referência contribuem para uma resposta mais rápida do Samu, além de evitar que a ambulância retorne à base pelo fato da equipe não conseguir localizar o paciente.

O Samu 192 conta com 30 ambulâncias e, atualmente, está disponível para 18 municípios do Estado.

ATENDIMENTO

Quando acionar o Samu

Emergências

Parada cardiorrespiratória, dor forte no peito (infarto), dificuldade de respirar/engasgo, suspeita de Acidente Vascular Cerebral (AVC - derrame), intoxicação (envenenamento), queimadura grave, choque elétrico, acidente de trânsito com vítima, queda grave e fratura, afogamento, surto psiquiátrico, ferimento causado por arma de fogo ou arma branca, trabalho de parto com risco de morte para a mãe ou para o bebê.

Onde tem atendimento

18 municípios

Afonso Cláudio, Anchieta, Brejetuba, Cariacica, Domingos Martins (atendido pela unidade de Marechal Floriano), Fundão, Guarapari, Itaguaçu, Itarana, Marechal Floriano, Piúma, Santa Maria de Jetibá, Santa Teresa, Serra, Venda Nova do Imigrante, Viana, Vila Velha, e Vitória oferecem o serviço e atendem a 2,1 milhões de pessoas, o que corresponde a 56% da população.

Expansão

Neste semestre

O serviço será ampliado na região metropolitana de saúde, passando a atender Laranja da Terra, Ibatiba, Conceição do Castelo, Santa Leopoldina. A previsão é que até o final de junho o Samu entre em operação nesses municípios.

UM GIRO NA AMBULÂNCIA

Ainda não eram 15 horas quando a central do Samu, na última quarta-feira, recebeu um chamado para atender ocorrência na Ilha dos Aires, Vila Velha. A vítima, em uma bicicleta, havia batido em um carro e estava desacordada. No plantão, a equipe formada pelo condutor socorrista Jamerson Douglas Silva e a técnica em Enfermagem Juliana Klipel Languer sai da base de Vitória, em sua ambulância, já paramentada com máscara e luva. A reportagem de A GAZETA embarca junto.

Sirene acionada, o primeiro e constante obstáculo até chegar ao local da ocorrência é o trânsito. Passando pelo Centro de Vitória, Cinco Pontes, São Torquato, Paul e outros bairros de Vila Velha, muitos motoristas ignoram a ambulância e não dão passagem – outros até entram na frente, e Douglas é obrigado a ficar mudando de faixa a todo instante para ganhar tempo.

Mesmo assim, em pouco mais de 20 minutos, a unidade do Samu chega ao endereço e Douglas e Juliana iniciam os procedimentos de atendimento.

Queixando-se de dor, o autônomo de 60 anos, que havia batido com sua bicicleta em um carro estacionado, tem a coluna cervical imobilizada e é colocado na prancha para remoção. Antes de ser levado para a ambulância, porém, disse que estava com ânsia de vômito. Ele é virado de lado para que possa vomitar e não se engasgar, mas o enjoo passa.

Já na ambulância, sua pressão arterial é aferida, bem como a taxa de glicemia. Depois, o autônomo é colocado no soro. Juliana pergunta se ele sente dores no peito e na cabeça, mas o grande incômodo que apresenta é em relação ao cordão cervical para imobilização. Ele queria retirá-lo, e fica agitado ao saber que, somente após passar por avaliação médica, poderá se livrar do recurso.

O autônomo, mais uma vez, diz que tem vontade de vomitar. Ele é virado de lado e a sensação passa. Enquanto a equipe aguarda o retorno da regulação médica, que recebeu todas as informações sobre o paciente via tablet, também tenta mantê-lo calmo diante das manifestações de medo de morrer. A orientação da central é para levá-lo ao Hospital de Urgência e Emergência, antigo São Lucas, em Vitória. Preso à maca por cintos, o autônomo é acompanhado de perto por Juliana para fazer o trajeto até o hospital. Uma sobrinha segue junto na ambulância. Às 16 horas, ele dá entrada na emergência.

EQUIPE

 

Juliana e Douglas formam uma equipe que há cinco anos atua no Samu. Juntos, fazem uma média de cinco atendimentos diários, embora a técnica de enfermagem recorde-se de um plantão com 12 ocorrências. Considerando a escala e o tempo de dedicação ao serviço de emergência, ambos estimam uma média de 4.125 atendimentos ao longo desse período.

“É até difícil dizer um que mais tenha me marcado porque são muitas histórias. São pessoas que estão ali, são vidas que temos que cuidar. Normalmente, o que vêm à cabeça são os casos mais trágicos, como o de um pai que morreu no Dia dos Pais, quando saiu para passear com a família. Mas também já atendi parto, e é lindo”, afirma Juliana.

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Douglas, com seus 30 anos de carreira como socorrista, já ultrapassou os 24 mil atendimentos. Para fazer os percursos rapidamente, e com segurança, passou por cursos de condução de veículo de emergência e de direção defensiva.

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