> >
'Rompimento de barragem teve proporções catastróficas', diz ex-ministra

'Rompimento de barragem teve proporções catastróficas', diz ex-ministra

Em visita ao Espírito Santo, a ex-ministra francesa Ségolène Royal falou em entrevista exclusiva para A GAZETA sobre a necessidade de as nações serem mais severas com empresas poluidoras

Publicado em 19 de maio de 2018 às 20:48

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

“É uma paisagem magnífica!”, exclamou a ex-ministra francesa Ségolène Royal da varanda de uma casa na Ilha do Boi, em Vitória. Com a orla da Capital ao fundo, ela falou sobre o desastre do Rio Doce e a poluição pelo pó preto e defendeu a taxação pesada das indústrias poluidoras. “É preciso que os Estados e a comunidade internacional sejam extremamente severos”, afirmou.

Membro do partido socialista, em 2007, Royal foi a primeira mulher a chegar ao segundo turno das eleições presidenciais francesas. Perdeu para Sarkozy por pouco menos de 4% dos votos válidos.

Foi numa casa na Ilha do Boi que Royal passou uma noite após voltar de uma viagem à região da bacia do Rio Doce, entre Minas Gerais e Espírito Santo, para visitar iniciativas de preservação de nascentes e bacias tocadas pelo fotógrafo Sebastião Salgado. Antes de pegar o voo em direção à Patagônia Argentina, onde representa a França em uma reunião dos países membros do tratado da Antártica, a ex-ministra do Meio Ambiente recebeu a reportagem de A GAZETA para uma entrevista exclusiva.

Em tom sério, ela comentou ainda a crescente onda de movimentos políticos nacionalistas e a prisão do ex-presidente Lula.

Qual é o motivo da visita da senhora ao Espírito Santo?

Passei pelo Espírito Santo a caminho da Argentina, para a reunião anual dos países membros do tratado da Antártica, na Patagônia. Eu havia prometido há muito tempo de vir visitar a ONG de Sebastião Salgado (Instituto Terra). Estou na América Latina por cerca de 10 dias e essa etapa no Brasil é muito importante para mim. Eu acompanhei de longe muitos trabalhos que estavam sendo feitos aqui e acredito que o que existe na região do Rio Doce é uma ação exemplar da aplicação do Acordo de Paris. Há uma vertente bem importante sobre o reflorestamento e sobre o impacto na sociedade em geral. É uma realização exemplar. Uma ação que a gente deve se inspirar e multiplicar.

Depois de ser ministra do Meio Ambiente durante dois anos, a senhora criou no fim do ano passado a própria ONG de preservação ambiental. Há alguma ação prevista aqui no Brasil e, principalmente, no Espírito Santo?

Claro. Há sim um projeto de cooperação entre as duas organizações. Sebastião Salgado, inclusive, faz parte do comitê de padrinhos da minha ONG. Uma das ideias que nós temos é de implementar a energia solar dentro da área de atuação do Instituto Terra (região da bacia do Rio Doce). É uma ferramenta muito importante que pode ser utilizada para a autonomia energética das casas mas também na captação da água, tanto na região de Aimorés, Minas Gerais, quanto no Espírito Santo.

Vitória é uma capital que sofre com o problema da poluição com pó de minério por causa das indústrias que existem próximas à cidade. Na experiência da senhora, como essa questão pode ser resolvida?

É preciso melhorar os mecanismos de filtragem do ar que sai das usinas. Os filtros de ar precisam ser cada vez mais eficazes, pois esse é um problema importante de saúde pública.

Há dois anos houve o rompimento de uma barragem que acabou derramando lama com minério dentro do Rio Doce. A senhora soube desse fato?

Me contaram no local o que havia acontecido com o Rio Doce. Esse rompimento desencadeou um problema ecológico de proporções catastróficas. Por isso eu quis ver o trabalho que tem sido feito com os agricultores. Como eles estão trabalhando para recuperar e preservar as nascentes do rio. É uma questão pela qual eu me interesso pois na região da França onde eu governei durante muito tempo havia também um projeto de proteção da captação de água e percebi que são usadas as mesmas técnicas aqui. Na agricultura, em qualquer que seja a latitude, há uma relação entre a agricultura e os recursos hídricos e finalmente temos os mesmos problemas.

Houve problemas parecidos na França? Como isso foi e é tratado lá?

Tivemos experiências parecidas na França. As mudanças nos paradigmas industriais são sempre dolorosas pois são indústrias pesadas, porém necessárias, mas que ao mesmo tempo poluem muito. Qual é a solução? Melhorar as tecnologias de produção desta indústria. É preciso que as indústrias sejam obrigadas a investir dinheiro para limitar a poluição provocada por elas. Não há nenhuma desculpa para que o progresso tecnológico não englobe também a limitação da poluição. Não há porque não encontrar um bom filtro que funcione efetivamente para limpar o ar também. Mas o que acontece com frequência é que os donos das empresas investem apenas na rentabilidade dos seus produtos e não no ponto qualitativo para o planeta. E eles estão errados, porque um dia ou outro esse custo virá dobrado. Eu disse isso durante a COP 21 (2015) a todos os donos das grandes indústrias que estão enrolando em abordar essa questão: a indústria automotiva que não quer produzir carros elétricos, a indústria da construção civil que não quer fazer os serviço de isolamento térmico porque o custo aumenta, as indústrias de produção de energia que não querem mudar a fonte da energia. Eu disse “se vocês não fazem agora, o custo será dobrado no futuro”. É preciso que os Estados e a comunidade internacional sejam extremamente severos, porque, no fim das contas é um favor às empresas. A empresa que conseguir criar o filtro de ar com melhor performance do mundo, por exemplo, vai entrar na frente nesse mercado.

Qual o papel do Estado nessa questão?

O Estado tem seu papel, é evidente. Principalmente taxando mais as empresas que poluem mais. O dia que investir em tecnologia para impedir a poluição for mais barato que pagar os impostos, as indústrias vão passar a investir nas tecnologias de proteção do meio ambiente. Funciona assim na agricultura na França. Há atualmente uma queda de braço com o setor da agricultura extensiva para que eles parem de usar pesticidas químicos, os agrotóxicos. A gente fala “invistam em maneiras de aumentar a produção sem o uso de agrotóxicos porque um dia, eles serão proibidos, mais cedo ou mais tarde”. É preciso investir na indústria do futuro e não na indústria do passado.

A senhora entrou na luta contra o aquecimento global e, apesar de todas as evidências científicas, ainda há um grupo de pessoas que acredita que é tudo uma grande mentira...

Há uma pessoa.

Mas é uma pessoa muito importante no cenário econômico mundial...

Sim, claro. Mas ele (Trump) faz isso porque as indústrias do carvão e do gás de xisto financiaram sua campanha. Negando o aquecimento global, ele “devolve um favor”. Mas o que a gente pode observar é que os chefes das empresas americanas, os Estados americanos e até as cidades americanas acordaram para o assunto após as declarações do Trump. Essa mobilização contra o aquecimento global acontece tanto entre os Estados quanto na sociedade civil. É preciso manter a esperança, pois este é um bom sinal. Mas é preciso dobrar os esforços para que sejam as cidades, as empresas e os cidadãos que liderem esse movimento de mudança.

Como a senhora vê a proliferação dos movimentos nacionalistas e de extrema direita na política mundial?

Os movimentos nacionalistas sempre existiram, mas eles se apresentam de formas diferentes de acordo com o local e o período histórico. Acredito que uma sociedade inclusiva, que não deixa ninguém para trás, onde todo mundo tem a sensação de ter sua parte de responsabilidade, seu lugar no trabalho, seu lugar dentro da sociedade é uma sociedade livre desses movimentos. Há também a questão da educação, que deve contrapor a questão das redes sociais. As redes sociais podem ter um grande impacto sobre as pessoas que já têm alguma fragilidade, que não têm a chance de ter uma educação estruturada. A gente fala pouco disso, mas é preciso investir na educação, isso nunca foi tão importante. Esses grupos, neonazistas e extremistas, cada vez que a mídia fala deles, eles recebem mais e mais adesão de novos membros. Então é preciso ter cuidado. Essas pessoas sempre existiram, mas agora elas têm acesso às redes sociais e os grupos são apelativos para pessoas que se sentem sozinhas, perdidas, que têm necessidade de integrar um grupo. Elas podem se sentir atraídas.

A senhora, enquanto representante do partido socialista francês, chegou a acompanhar a situação do presidente Lula aqui no Brasil?

Eu não gostaria de me intrometer nas questões políticas brasileiras. Eu conheci o Lula durante o Fórum Social Mundial (Amazonas, 2009).

A senhora sabe que ele foi preso? O que acha da prisão?

Acho triste a prisão dele. Não conheço o detalhe do processo, mas acredito que é triste um chefe de estado que fez tanto pelo país esteja na prisão. Me dói o coração.

A senhora escreve atualmente um livro de memórias. O que pretende incluir no seu relato?

Isso não posso falar, você vai ter que esperar para ler. Mas adianto que é bem feminista. Afinal de contas é a carreira e a história de uma mulher em um mundo de homens, um mundo político dominado por homens. Eu acredito que é muito importante, por um lado pela liberação do lugar de fala das mulheres, e também porque acho que a hora chegou para esse projeto. Vou trazer meu relato para que a política mude, que seja mais equilibrada. É preciso promover outros valores na política, para que o mundo seja mais igualitário.

Este vídeo pode te interessar

 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais