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'A diversificação dos meios de transporte é o segredo do equilíbrio'

"A diversificação dos meios de transporte é o segredo do equilíbrio"

Secretário do Ministério de Minas e Energia, Márcio Félix afirma que não existe um modelo ideal para a política de preços da Petrobras, mas destaca a importância da previsibilidade dos valores para os consumidores

Publicado em 9 de junho de 2018 às 22:41

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Diante da crise que se alastrou pelo país com a greve dos caminhoneiros, o governo federal precisou tomar medidas emergenciais para acabar com a manifestação que provocou um grave desabastecimento de combustível e comida. A categoria reivindicava mudanças na política de preços da Petrobras e ganhou apoio de uma parcela da população que também questiona os reajustes diário nos preços dos combustíveis.

Mudar esse cenário para evitar um novo quadro de paralisação, porém, não é uma tarefa tão simples. Segundo o secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, Márcio Félix, as necessidades vão desde uma renovação no transportes de cargas à quebra do monopólio da Petrobras, que detém 98% do refino no Brasil. Confira a entrevista:

A Petrobras, ao ter uma política de reajuste diário, está pensando nos seus negócios. O que não seria problema se ela não fosse uma empresa monopolista. Se existissem outras empresas fazendo refino, hoje estaríamos discutindo política de preços?

Cada empresa tem sua política, revelada ao público ou não, em relação aos seus produtos, aos seus negócios. Com tudo o que aconteceu, foi mostrado que o país, não só os caminhoneiros, quer uma forma diferente dos preços chegando ao consumidor. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) será responsável por analisar isso com base no artigo 8, da Lei 9.478, que diz que cabe à agência cuidar também dos consumidores, inclusive em relação a preço. Assim, abriu pela primeira vez uma tomada pública de contribuições para, se for o caso, estabelecer uma regulamentação para a periodicidade, a frequência, de quantos em quantos dias, e em que condições teremos reajuste de preços na refinaria, até porque temos uma situação de monopólio nesse setor. A Petrobras tem 98% da capacidade de refino no país. Uma situação particular.

Diante dessa crise envolvendo a política de preços da Petrobras, qual seria o modelo mais correto a ser adotado pela petroleira? Existe um formato ideal?

Não existe um modelo ideal. Ele pode variar de cada época, de cada país. Cada cultura tem um determinado modelo. Os Estados Unidos são um país que deixa tudo flutuar pelo mercado. Quando teve um furacão na cidade de Houston, nos Texas, os preços dos combustíveis dobraram nas bombas por causa da procura que foi muito grande. Existem países que têm grande intervenção no preço dos combustíveis. Não é o caso do Brasil, que já teve. Mas hoje queremos ter uma economia de mercado e procurar de alguma forma amortecer essas variações bruscas.

O Brasil é um país que depende muito do transporte rodoviário, que é baseado em óleo diesel. A previsibilidade dos preços é importante. Essa discussão está sendo feita agora e vamos ver qual será o resultado. Tivemos que tomar medidas emergenciais para que saíssemos daquela situação de paralisação do país. Agora, está tudo voltando à normalidade.

Qual é a solução para esse monopólio, abrir esse mercado, vender refinarias da Petrobras?

Esse é um tema delicado. Nosso Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nunca avaliou a situação. O Espírito Santo tem um exemplo emblemático que foi a aquisição da Garoto pela Nestlé. Foi discutido como isso funcionaria pelo fator de concentração de mercado. Mas não temos experiência, não temos histórico no Brasil, de ações do Cade contra quem já detém o monopólio, de o Conselho exigir o fatiamento da empresa. Mas essas discussões vão acontecer uma hora.

A Petrobras é beneficiária desse sistema, mas ela acaba amarrada a esse modelo construído ao longo de décadas e que não se desfaz de um dia para o outro. O importante agora é o país se manter abastecido de combustíveis fundamentais para a economia, de gás de cozinha, de óleo diesel, de gasolina e de querosene de aviação. Sem eles, nossa economia, ou de qualquer país do mundo, não anda.

Mesmo que estejamos migrando com mais rapidez para uma matriz energética renovável, temos que tomar cuidado ao fazer essa discussão. A Petrobras colocou à venda em seu programa de desinvestimento parte de suas refinarias. Hoje, temos um mercado mais aberto nas áreas de exploração e de produção. Apesar de a Petrobras ser dominante no setor de petróleo e gás, na área de distribuição só tem um terço do mercado. É um mercado aberto há muito tempo. Temos 42 mil postos. Era, aliás, para existir uma competição maior entre eles (em relação ao preço). O Cade e os Procons trabalham para isso.

Se houvesse uma fragmentação do setor, seria difícil a Petrobras manter essa política de reajuste?

Desde 1997, quando o mercado de petróleo e gás foi aberto, passou a se importar combustível. Mas nunca como nos últimos três anos, porque antes o preço ao consumidor estava congelado, embora o valor no mercado internacional estivesse subindo bastante. A Petrobras estava arcando com esse prejuízo. Comprova mais caro e vendia mais barato. Isso prejudicou muito a empresa. Quando o preço do barril de petróleo caiu no mercado internacional, ficando abaixo do valor vendido do Brasil, a Petrobras manteve por um tempo os preços mais altos para recuperar o que perdeu. Aí começou a entrar importação. Depois, a Petrobras começou a fazer ajustes mensais, quinzenais, até chegar ao limite de se tornar quase diário na tentativa de achar um novo equilíbrio. Com a abertura do mercado há 20 anos, a gente experimentou uma abertura no setor de produção e exportação, que está se intensificando agora. Mas no refino não houve mudança. O quadro de monopólio não mudou em 60 anos. Para fazer refinaria no Brasil, precisa-se garantir uma política com regras de mercado, com o mercado fazendo seu preço. Ninguém investe se há intervenção.

O Brasil tem que discutir seu modal de transporte, se vai ficar manter o rodoviário como o principal ou se vai desenvolver ferrovias, cabotagem. Temos que usar outros meios de transporte para usar outros combustíveis. A diversificação é o segredo para se ter mais equilíbrio, para não sofrermos com essas mudanças bruscas.

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Se o preço do petróleo subir, o colchão tributário amortece essa variação. Mas, quando o preço cair, isso não faz com que o preço do combustível caia. Não existe mágica

Márcio Félix, ministro de Minas e Energia
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Para sair dessa crise provocada pela greve dos caminhoneiros, o governo decidiu subsidiar o diesel, algo que custará R$ 13 bilhões para a economia. Parte dos valores será usada para compensar a Petrobras em 30 centavos por litro pelo congelamento no preço do combustível por 60 dias. Como fica a situação das importadoras, que estão entrando na Justiça para pleitear o mesmo repasse?

As medidas provisórias, o decreto que acabou de sair na quinta-feira, 7, da subvenção dos 30 centavos também vale para as importadores. Não é um decreto para a Petrobras. É para todo a empresa que quiser aderir a esse acordo. Quem não aderir terá um preço maior. Mas essa é uma solução temporária, transitória. Não há recurso disponível para manter isso por mais tempo. Mas o prejuízo que o país estava tendo seria maior se o movimento (dos caminhoneiros) se alastrasse. Não há recurso para que isso se repita. O diesel é a base do transporte rodoviário nacional. O diesel mais barato pode ajudar no transporte coletivo, transporte escolar, no transporte de carga.

Apesar do alto custo da negociação com os caminhoneiros, por que o preço de R$ 0,46 mais barato ainda não chegou às bombas?

Temos que entender que existe um prazo para isso acontecer, estimamos em duas semanas após o acordo. Cada empresa tinha estoques que foram comprados a preços antigos. Não existe uma subvenção para esse estoque. Era necessário vendê-lo para adquirir outro com preço menor. Mas outra questão é que os Estados cobram ICMS sobre o valor de referência, sobre o preço médio encontrado nas bombas. É uma média do passado. Demora alguns dias para que os Estados ajustem suas tabelas aos novos preços.

O Espírito Santo se adiantou e colocou o menor preço de referência do Brasil. São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul também fizeram ajustes. O Rio de Janeiro reduziu a alíquota de ICMS de 16% para 14%. Mas alguns Estados aumentaram a tabela no passado e não ajustaram ainda. Das refinarias já sai um diesel com custo menor, mas ele sai com o ICMS calculado por cada Estado com base no preço médio ponderado ao consumidor final. É o que falta para que os R$ 0,46 cheguem.

Os Estados que não baixarem essa tabela não se consegue transferir os R$ 0,46. Em alguns dias, o desconto chegará de forma mais generalizada. Os Procons devem começar a ir aos postos e vão aplicar as medidas mais duras. Mas é bom deixar claro que ninguém está tabelando preços nos postos. Cada posto terá que aplicar o desconto em relação ao preço do dia 21 de maio.

E o colchão tributário para estabilizar o preço dos combustíveis? Vai acontecer ou é uma ideia que já foi descartada?

A proposta não foi descartada. Mas esse colchão depende de poupança. O país tem um déficit gigantesco nas suas contas públicas. Não tem expectativa de que isso mude nos próximos anos. De onde tirar o dinheiro para fazer esse colchão? Cobram-se os impostos em cima do preço médio do barril de petróleo. Se o preço subir, o colchão amortece essa variação. Mas, quando cair, isso não faz com que o preço do combustível caia. Não há mágica.

Havia o rumor de que o governo usaria o dinheiro da cessão onerosa do pré-sal para formar esse colchão. Isso é verdade?

Primeiro que esse dinheiro não está na nossa mão para utilizarmos. Ele depende de uma série de coisas. Talvez nem consiga entrar neste ano ainda. Além disso, não seria justo usar esses recursos para subsidiar o combustível. As necessidades do país são gigantescas. Não vejo espaço para isso. Vamos caminhar para achar uma situação de equilíbrio sem se valer de recursos estratégicos para o país.

Como o investidor internacional tem olhado para o setor de petróleo e gás?

O Brasil tem sido um dos países mais atraentes de investimento na área de exploração e produção offshore. O leilão de quinta-feira, 7, foi um exemplo disso. Arrecadamos mais de R$ 11 bilhões nos dois leilões. São empresas que estão vindo para cá, pagando participação muito elevada para o governo. O Brasil tem atraído investimento crescente na área marítima. Na distribuição, existem investidores, é um mercado bastante ativo. No setor de gás natural, temos alguns negócios em curso. Onde não andamos foi no refino. A Petrobras chegou a anunciar algumas refinarias no Maranhão, no Ceará e no Rio de Janeiro. Não saíram do papel ainda. De Pernambuco foi feita e metade dela foi concluída.

Como o mundo tem olhado para o Espírito Santo?

O Espírito Santo é um local bem localizado geograficamente. Faz essa interligação entre o Sudeste e Nordeste e entre Leste e Centro-oeste por ferrovia, por gasoduto sudeste-nordeste. O Estado tem a vantagem de receber benefícios da Sudene. Mas é a sinergia entre os setores que chamam a atenção. O Estado tem uma boa produção de óleo e gás, infraestrutura de processamento, ferrovia, siderurgia, celulose, um forte setor metalmecânico. Tem muita empresa de logística. É bom local para investir.

E novos investimentos no setor de óleo e gás estão previstos para o Estado?

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O Estado tem um bom ambiente de negócios. A questão é de ter área a ser oferecida. No último leilão realizado, não tínhamos áreas do Espírito Santo, mas temos ofertas permanentes em terra. O Estado tem três empresas de exploração e produção terrestre. Uma que desponta como grande nacionalmente, a Imetame. O interessante é que a economia capixaba está usando suas sinergias para desenvolver novos negócios. Só precisa ter novas áreas geologicamente viáveis para atrair novos investimentos de exploração e produção. O Estado já tem grande produção e muitos projetos em curso. Espero que aconteçam novas descobertas nos blocos exploratórios que estão em concessão. É necessário novas plataformas, barcos de apoio, helicóptero, gente para trabalhar, além de garantir royalties. Isso tudo movimenta a economia.

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