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Cesar Ibrahim: 'O desafio dos pais é exigir de si uma conduta madura'

Cesar Ibrahim: "O desafio dos pais é exigir de si uma conduta madura"

O psicanalista e mestre em Psicologia diz que está havendo uma perda progressiva da autoridade e que a disciplina se adquire nos primeiros anos de vida

Publicado em 16 de junho de 2018 às 23:53

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Pesquisando a vida de adolescentes há 34 anos, o psicanalista e Mestre em Psicologia Cesar Mussi Ibrahim sabe a importância da família, escola e instituições sociais na formação deles.

O carioca vai ministrar a palestra “Desafios contemporâneos na educação de crianças e adolescentes”, nesta terça-feira (19), às 9h, no auditório da Rede Gazeta. Mais informações no telefone 3321-8333. O evento é uma parceria entre a Rede Gazeta e a Casa do Saber Rio.

Ibrahim promete falar da importância dos valores que as famílias e a escola passam para a criança e sobre a importância da formação de uma base para uma vida mental saudável. Uma das principais questões será mostrar aos pais que eles não vão deixar de serem amados por seus filhos ao colocarem os limites e os necessários “nãos”. Já que não dá a condição ao sujeito de saber que nem tudo pode e que pela vida afora ele se deparará com outros “nãos” da sociedade, como no trabalho, no trânsito, na escola, na sociedade... Confira a entrevista. 

A disciplina nos primeiros anos de vida é mesmo fundamental para a formação de um ser humano equilibrado? Ou isso se adquire ao longo da vida?

A disciplina se adquire no primeiros anos de vida. É preciso entender o que está sendo chamado de disciplina, porque a de senso comum é um pouco diferente dessa moldura da que a autoridade e educação vão oferecendo pouco a pouco para criança na construção da saúde mental. Não é propriamente uma disciplina espartana ou do senso comum, mas a restrição progressiva dos impulsos mais primitivos que toda a criança saudavelmente tem. E que, pouco a pouco, a função da educação é restringir uma parcela desse impulso de modo a poder colocar a criança num meio civilizatório, entendendo os códigos que determinam a relação entre os humanos. Ou seja, que a criança não poderá funcionar à imagem e semelhança daquilo que ela gostaria. Há que respeitar a diferença, a liberdade do outro, as restrições civilizatórias e, mais tarde, as restrições sobre a sexualidade.

Os pais têm dificuldades de lidar com filhos adolescentes?

Não. A maioria dos pais, em geral, têm relação (pai e filho) bem razoável e em harmonia. Tem um percentual de jovens que apresentam dificuldades de todas as ordem, acatamentos às regras sociais e acadêmicos, mas não são maioria. Existe esse estigma de que o adolescente é difícil e que esse é um período complicado. Mas na grande maioria dos casos, a criança atravessa o período de adolescência, entra na vida adulta e faz esse ritual de passagem como sempre fez na história da humanidade. A adolescência é uma construção social muito recente. Esse conceito de adolescência é um conceito da pós-modernidade.

Como agir em relação às questões do adolescente, por exemplo, quando ele acha que é normal fumar maconha dentro de casa?

A princípio, o uso do álcool, da maconha e de outras substâncias químicas que são proibidas pela lei não tem muita discussão. Antes dos 18 anos não pode beber. Se o pai permite que a criança beba em casa ou em local público, ele está incidindo numa infração penal. Essa situação não deve nem ser apresentada.

Muitos pais erram por não quererem dizer o tão famoso “não”. Ceder pode fazer com que os pais “percam” a autoridade? Qual o limite para os pais?

Existe a necessidade criteriosa do exercício da autoridade. E o que estamos assistindo hoje, especialmente depois da segunda metade do século XX, é a perda progressiva da autoridade não só dos pais pelos filhos. Mas, de uma maneira geral, há a fragilização da autoridade, à medida que as instituições sociais foram descortinando um horizonte de igualdade, liberdade e todas as possibilidades de usufruto dos prazeres. A autoridade foi se enfraquecendo e, com isso, dificultando a tarefa de professores, governantes, do Estado e das instituições sociais de uma maneira geral. É fundamental na constituição da saúde mental de uma criança que o exercício da autoridade seja feito pelos adultos que estão a sua volta. Não precisa ser arbitrária, violenta, mas deve ser firme, de modo que possa fazer com que a criança se frustre diante da inevitabilidade de ter que ser contrariada. A criança não pode comer o que quer, dormir na hora que bem entende, jogar videogame na intensidade que gostaria. A autoridade é fundamental para instituir os fundamentos da saúde mental, caso contrário vai se desdobrar ao longo da adolescência em transtornos, distúrbios, dificuldades de se adequar a vida, ao mercado de trabalho, a fazer uma trajetória acadêmica que exige muita renúncia aos prazeres.

Na sociedade contemporânea, as crianças são criadas com aparatos tecnológicos de última geração, que viraram objetos de desejo. Ao mesmo tempo que muito pais não conseguem impor limites básicos como horário para jantar ou tomar banho. Estamos num caminho errado?

A tecnologia não domina. A questão é como qualquer forma de prazer - oral, experimentando pelo chocolate, açúcar; virtual, assistindo a televisão; ou sexual, na verdade nos primórdios da sexualidade através da masturbação. São múltiplas as formas de prazer disponíveis para os filhos, principalmente os de classe média. Mas todas as formas de prazer devem ser regulamentadas. Não pode comer o que bem entende, não pode tomar refrigerante o tempo todo, não pode ficar vendo série ao longo da madrugada... Essa não é uma questão com os eletrônicos, é uma questão com a vida. A vida é feita de prazeres e deveres desde que existe a humanidade. Os prazeres são bem-vindos, mas toda a forma de prazer deve ser regulamentada.

Os limites têm que ser impostos pelos pais?

Esses limites devem ser impostos pela civilização, pelas emissoras de televisão, na hora que coloca a margem etária de possibilidade. Essa delimitação é colocada pela Estado, família, escola e instituições sociais de uma maneira geral. Isso não é função exclusiva da parentalidade. É função civilizatória, não se restringe aos pais.

Muitas vezes esses mesmos aparatos tecnológicos são usados pelos pais como babás, já que enquanto as crianças estão entretidas neles, elas não “dão trabalho”. É mais fácil deixar a criança conectada do que dar atenção a ela?

É muito mais fácil, você liga a televisão e vai fazer o que bem entende, enquanto a criança fica hipnotizada. Ao mesmo tempo é terrivelmente prejudicial para o desenvolvimento intelectual, já que a paralisia da Galinha Pintadinha – ou do videogame – vai acabar paralisando o desenvolvimento emocional e intelectual da criança. Sem dúvida, é muito mais fácil e cômodo para os pais. Mas à medida que trabalham 12 horas por dia, dá para entender esse uso como forma de entretenimento das crianças, que exigem muita atenção.

Qual a sua opinião sobre a geração criada por babás e educadas somente pela escola?

Na verdade não existe uma geração educada só por babás ou escola. Os pais, de certa forma, fazem algumas intervenções. Mas esse é o padrão dos últimos 30 anos, não dá para dizer que as crianças são melhores ou piores do que as do século XX. O que acontece é que o mundo está passando por muitas transformações, e isso gera uma visão de mundo distinta daquela que era própria das crianças dos séculos 19 e 20. Ela não é nem melhor ou pior, é só diferente, produz um outro tipo de ser humano. Com relações sociais e afetivas e com exercício de sexualidade distintos da geração que não teve acesso à mídia digital.

O jovem acostumado a ter tudo o que quer está fadado a uma realidade distorcida? Por quê?

Está fadado a uma realidade distorcida pelo fato de o mundo real lá fora ser implacável e proporcionar permanentemente frustrações. Se criam filhos dentro de uma redoma onde todas as necessidades são satisfeitas, o sujeito está fadado a percorrer o mundo na direção do insucesso.

Quais os principais desafios que pais têm na educação de crianças e adolescentes na atualidade?

Fundamentalmente os desafios mais básicos não se encontram na relação dos pais com os filhos. Está na relação dos pais com eles próprios. Um dos principais desafios da contemporaneidade é a fragilidade dos adultos. E essa espécie de adolescência de pessoas de 30 e 40 anos, que se encontram num estado emocional infantilizado, vivendo as custas dos pais, dependentes dos pais. Na verdade, quem gerou essa situação foram os próprios pais. O desafio número um dos pais é exigirem de si próprios uma conduta mais amadurecida na condição de pais e mães.

Nossos jovens estão abusando de jogos eletrônicos, mídias sociais, álcool e substâncias químicas? Qual o resultado disso?

Estão. Eventualmente tem abuso. O resultado do uso abusivo de substâncias químicas - e não estou falando só de álcool ou maconha, mas do açúcar, da gordura que está nos alimentos, do refrigerante... – é uma trajetória desmedida, sem freio, que vai produzir efeitos colaterais adversos na relação que o sujeito estabelece com o mundo, na medida que não foi restringido suficiente. A causa é a dificuldades de pais e adultos frustrarem a onipotência do desejo da criança.

Existe uma receita de sucesso para construirmos adultos equilibrados e consequentemente um futuro melhor para todos nós?

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Não existe uma fórmula. É muito trabalhoso, se eu propusesse alguma fórmula, seria uma falácia. O sucesso é produto de muito esforço dos pais, muita determinação dos professores, de muito sacrifício da história da civilização humana durante gerações para produzir humanos, e a humanidade que temos hoje, que tem dificuldades imensas. Os homens continuam se matando, avançamos muito tecnologicamente, mas as relações humanas continuam tão bárbaras como sempre foram.

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