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Desapropriação coloca produtores e governo em pé de guerra no ES

Desapropriação coloca produtores e governo em pé de guerra no ES

Construção de barragem no Rio Jucu cria guerra com o Estado

Publicado em 7 de junho de 2018 às 01:58

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O piscicultor Julio César Velten vai receber R$ 1,38 por cada metro quadrado. (Ricardo Medeiros)

Produtores rurais e moradores de Viana e Domingos Martins, na Região Serrana do Estado, terão que deixar as propriedades para dar lugar à construção da nova barragem do Rio Jucu. Além de serem forçados pela Justiça a sair de suas terras, eles reclamam do baixo valor oferecido nas desapropriações pela Cesan. Muitos já foram notificados e têm que desocupar tudo em 10 dias. Há casos em que o prazo já se encerrou.

Ao todo, 70 propriedades serão desapropriadas para a construção da barragem de 23 bilhões de litros. Para parte deles, foram oferecidos menos de R$ 2,00 pelo metro quadrado. Eles afirmam que o valor de mercado varia entre R$ 10,00 e R$ 15,00.

Alguns dos afetados são os proprietários rurais do distrito de Córrego da Onça, em Viana, região onde se pretende formar o lago da represa. No local, há plantação de banana, aipim, pimenta, tomate e couve.

Segundo o piscicultor Julio Cesar Velten, de 48 anos, as pessoas são favoráveis à criação da barragem, mas querem um valor justo pelas terras. Sua propriedade tem 68 mil metros quadrados, dos quais 540 ficam de frente para o Rio Jucu. O valor ofertado pela Cesan foi de R$ 94 mil, o equivalente a R$ 1,38 por metro quadrado.

JUSTIÇA

Julio Cesar acrescenta que parou de trabalhar na propriedade há cerca de um ano, desde que as terras foram declaradas pelo Estado como de utilidade pública. O impasse está na Justiça e alguns moradores resolveram contratar um perito por conta própria.

“Desde os 15 anos eu vivo da profissão, mas não sei como vou continuar sem a propriedade, o valor pago não vai dar para comprar outro terreno no mesmo padrão. Outro problema é que a Cesan quer pagar somente 60% do previsto para a indenização por não termos escritura, apenas recibo de compra e venda registrado em cartório”, diz.

A aposentada Maria da Penha Paiva comprou um sítio na região por R$ 60 mil há dois anos. No local, construiu uma casa, plantou e agora a Cesan quer pagar R$ 31 mil com tudo que está na área. O prazo para ela sair já expirou, mas a moradora está na Justiça recorrendo da decisão. “Não tem cabimento, espero que o valor seja corrigido e tenha um valor mais justo.”

FONTE DE RENDA

 Assim como eles, outros proprietários não aceitaram as ofertas de indenização. O produtor rural Ademir Helmer, de 57 anos, de Domingos Martins, tem a propriedade como forma de lazer e renda. Ele afirma que depende do Rio Jucu para extração de areia e ainda não sabe como vai seguir a vida.

Nos planos do produtor, a propriedade serviria como fonte de renda também para os três filhos. “Se eu ficar sem o terreno, fico sem condição de trabalho. Eu não sei o que vai acontecer com a gente. Eu não sei o que vou fazer da vida. Não teve negociação com a Cesan”, desabafa.

Além das propriedades rurais, o condomínio de chácaras Som das Águas, em Domingos Martins, também começou a ser desapropriado. A maioria dos proprietários é de aposentados que mora no local e escolheu a terra para viver o resto da vida.

Foi no local que o aposentado Saulo Campos de Freitas, de 52 anos, realizou o sonho da casa própria. Para isso, teve que fazer três empréstimos que somam R$ 50 mil, e a dívida ainda está sendo paga. Ele alega que o valor oferecido pela Cesan daria apenas para comprar outro terreno.

“A princípio, quando a gente comprou, o intuito era esse, de deixar a correria das grandes cidades e procurar um pouco de paz. Cerca de oito a nove meses depois de vir para cá, surgiu a notícia da construção da barragem”, conta o aposentado.

Enquanto o impasse não é resolvido, os moradores do local estão vivendo com a insegurança. O número de arrombamentos cresceu depois que alguns proprietários deixaram as chácaras.

INSATISFEITOS DEVEM RECORRER, DIZ CESAN

 Os moradores que não estiverem satisfeitos com o valor proposto pela desapropriação das terras devem recorrer na Justiça para ter o terreno reavaliado. É o que indica o presidente da Cesan, Amadeu Wetler.

“Enquanto empresa pública, a gente optou por não realizar negociações diretas com pessoas que não tinham a comprovação da titularidade da terra. Os moradores podem fazer suas ponderações no processo judicial.”

Segundo Wetler, esse é o caso da maioria dos ocupantes dos dois quilômetros quadrados que serão inundados na construção da barragem do Rio Jucu. Ele afirma que 50 dos 70 ocupantes não tinham escritura, apenas um registro precário, como uma nota ou comprovante de compra e venda.

As 50 áreas sem documentação já tiveram a desapropriação judicializada, e a decisão foi de posse para o Estado. “Ainda resta a negociação com os proprietários que tem as escrituras de seus terrenos.”

Para avaliar o valor das terras, a Cesan contratou uma empresa especializada que estipulou o valor das propriedades, segundo a empresa, “dentro da norma brasileira”.

“O cidadão tem todo o direito de discordar da nossa avaliação, mas isso tem que ser feito dentro do processo judicial. É preciso um advogado e recorrer para que o judiciário determine um perito para fazer outra avaliação”, diz Wetler.

Quanto à redução no valor da indenização apontada por alguns ocupantes, o presidente da Cesan diz que é essa é uma questão legal. “A lei estipula que na venda de um terreno que o proprietário não tem escritura o valor seja reduzido em 40%. Não fomos nós que estipulamos isso.”

OBRA

Segundo Wetler, a Cesan aguarda a aprovação da Caixa Econômica, que vai liberar os recursos para o Estado, para iniciar o processo licitatório que vai escolher a empresa responsável pela obra da barragem.

“Uma vez escolhida a empresa, estamos prevendo que a obra dure três anos no total”, disse.

Pequenas áreas serão inundadas durante a obra, mas o alagamento total do terreno deve acontecer apenas no final.

O presidente da Cesan ressaltou que, dentre as áreas analisadas para a construção da barragem, a escolhida foi a que menos apresentou impactos, pois prejudica menos proprietários.

“É a única alternativa que nós temos para dar segurança hídrica para a população atendida pelo Rio Jucu, que engloba Cariacica, Vila Velha e a ilha de Vitória”, explica.

A barragem vai ter capacidade para 23 bilhões de litros de água e vai atender a 1,2 milhões de pessoas.

Ano passado, uma obra no sistema Reis Magos garantiu vazão maior para a população da Serra e da parte continental da Capital. No entanto, segundo Wetler, apenas o Rio Jucu poderá abastecer com segurança o restante da Região Metropolitana.

“Setenta proprietários pode parecer muito, mas se você considera as outras alternativas, podia abranger muito mais gente”, finalizou.

ENTENDA

REPRESA

Rio Jucu

A represa será construída no limite entre os municípios de Viana e Domingos Martins. O reservatório terá capacidade de armazenar 23 bilhões de litros de água.

SEGURANÇA

Região Metropolitana

A água da barragem será utilizada para abastecer 1,2 milhões de moradores de Cariacica, Vila Velha e da ilha de Vitória.

DECRETO

Utilidade Pública

Um decreto assinado em março 2017 declarou a região que será alagada – de dois quilômetros quadrados – como área de utilidade pública. A partir de então se iniciou o processo de desapropriação.

OCUPAÇÃO

Precário

Segundo a Cesan, dos 70 ocupantes das terras, apenas 20 têm a posse regularizada, ou seja, tem a escritura do terreno. O restante tem posse precária.

IMPASSE

Valor do terreno

Produtores rurais e moradores afirmam que o valor oferecido pela Cesan para as terras é abaixo do valor de mercado.

SAÍDA

Próximos dias

A Justiça estipulou que os proprietários saiam voluntariamente 10 dias após receberem a notificação. Após o prazo pode haver o auxílio de força policial caso as pessoas resistam em ficar no imóvel.

JUSTIÇA

Perícia particular

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Proprietários de terra e a Cesan brigam na Justiça devido ao valor oferecido. Um dos pontos questionados é sobre 40% que seriam retirados dos valores das indenizações pela falta de escritura das terras. Alguns moradores resolveram contratar perito por conta própria e entrar com recurso.

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