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Educação domiciliar: escola é trocada por aula dentro de casa

Educação domiciliar: escola é trocada por aula dentro de casa

No Espírito Santo, 220 famílias escolheram educar os filhos

Publicado em 30 de junho de 2018 às 23:12

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Educação domiciliar: o modelo ainda não é legalizado. ( Vitor Jubini )

Bhenjamim, aos 4 anos, lê, escreve e está aprendendo a tocar piano. Hadassa, aos 2, começa a ter os primeiros contatos com as letras. Mas os irmãos não frequentam a escola. Seus pais são adeptos do

homeschooling – a educação domiciliar. O modelo de ensino, embora não seja legalizado, contempla pelo menos 7 mil famílias no Brasil. A estimativa é que, no Espírito Santo, o número já passe de 220.

Os números, apurados pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), podem ser ainda maiores na avaliação do presidente da entidade, Rick Dias. Segundo ele, é possível que chegue ao dobro. Isso porque muitas famílias ainda hesitam em revelar que adotam o método, preocupadas com retaliações.

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Há muito mais famílias praticando. Aos poucos, elas vão sendo encorajadas a aparecer

Rick Dias, presidente da Aned
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Comum nos Estados Unidos, Canadá e países europeus, a educação domiciliar suscita por aqui um grande debate entre educadores, juristas e famílias sobre os reflexos dessa modalidade de ensino na aprendizagem e o impacto na socialização de crianças e adolescentes que deixam de frequentar a escola.

APRENDIZADO

Rick Dias sustenta que as famílias adeptas ao homeschooling buscam autonomia para educar seus filhos, conforme seus valores, e acreditam que têm melhores condições de proporcionar o aprendizado do que o ambiente escolar.

Na casa do oficial de Justiça Thiago Helker e da pedagoga Fernanda Ursulino Helker, pais de Bhenjamim e Hadassa, a intenção é favorecer um aprendizado individualizado, que atenda à curiosidade das crianças e desenvolva nelas diversas habilidades que, provavelmente em turmas grandes de escola, não seria possível.

Eles se dividem nas atividades com as crianças, que envolvem musicalização, leitura, escrita e tem até um esqueleto de corpo humano para estudos. “É uma experiência muito gratificante. A gente fica feliz com o interesse deles em aprender”, ressalta Fernanda, que não exerce a profissão para se dedicar exclusivamente aos filhos.

“Fazemos tudo no ritmo deles. Nada é forçado. O processo é individualizado e atende a curiosidade das crianças”, completa Thiago.

A própria Fernanda viveu a experiência do homeschooling quando criança. Hoje, ao avaliar o método, acredita que sua mãe, por princípios religiosos, fez a melhor escolha. “Tive o privilégio de ter um professor só para mim”, lembra a pedagoga, ao mencionar o fato de ter um profissional que a auxiliava em casa.

O presidente da Aned conta que há oito anos tirou os dois filhos, na época com 9 e 11 anos, de uma escola de Belo Horizonte, em Minas Gerais. “Meu único arrependimento foi não ter feito isso antes”, garante. A mais velha, Lorena, entrou na faculdade de Jornalismo aos 16 anos após fazer Enem e assegurou a vaga com uma ação na Justiça porque não tinha histórico escolar. Desistiu do curso e hoje faz Relações Internacionais.

SOCIALIZAÇÃO

Questionado sobre uma crítica frequente ao modelo, que seria a falta de socialização, Rick Dias afirma que os pais podem promover o convívio das crianças e adolescentes com outras pessoas, independentemente da escola. Rick Dias fala, mais uma vez, de sua própria experiência: os seus filhos fizeram oficinas de fotografia, de música, frequentam museus, vão à igreja. 

Vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marianne Rios Martins traz ainda outra preocupação.

“Educação na escola não é apenas conteúdo curricular, mas formação para a cidadania. Não é só a escola que oferece o convívio, mas lá se encontra a pluralidade de ideias. A partir do momento em que se criam essas células segregadas, deixa-se de oferecer a oportunidade das crianças de se desenvolverem como cidadãos”, avalia.

ENTREVISTA

Presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), Rick Dias afirma que a entidade tem a intenção de desmistificar a prática do homeschooling no país. Um dos pontos que ele ressalta é que qualquer família, e não apenas as de classe média e alta, pode ensinar os filhos em casa.

Quais são os fatores que levam as famílias a optar pelo homeschooling?

Nenhuma família retira os filhos da escola apenas por um motivo. É uma série de fatores, alguns positivos, outros não. Dos positivos, seria buscar a educação personalizada, voltada a atender o potencial e as áreas de interesse da criança. Afinal, cada um tem um dom, um talento. Atende também o ritmo da criança e seu estilo de aprendizado. Algumas são mais visuais, outras auditivas e, assim, é feito o trabalho. Entre os negativos está a insatisfação com a qualidade do ensino escolar e o ambiente de violência, como bullying.

Em que o senhor considera que a educação do país está falhando?

A educação brasileira é muito conteudista. Há coisas que são ensinadas e nunca aplicadas. Educar em casa não é ensinar conteúdo, é treinar o filho para o aprendizado. Ele não vai apenas memorizar, e os pais não são professores, são mediadores. Por isso sempre falo que pode-se ter poucos recursos financeiros e acadêmicos e, ainda assim, educar o filho em casa. A ideia é dar autonomia a ele para estudar, e os pais supervisionam.

Alguns apontam que esse modelo é elitista, mas o senhor diz que qualquer pessoa pode fazer.

É um dos mitos do homeschooling. Eu sou prova viva. Larguei tudo o que estava fazendo para me dedicar à Aned e, logicamente, minha vida financeira ficou complicada, mas não é preciso ter dinheiro. Toda cidade tem agenda cultural, há muita programação gratuita. Meus filhos fizeram curso de fotografia e música pela prefeitura, sem pagar. Tem as bibliotecas da cidade, enfim, muitas opções. Mas há que se abrir mão de empregos melhores, provavelmente, para se dedicar naquele momento à educação dos filhos. É uma escolha, e pai e mãe têm que concordar.

E como é a rotina de estudos em casa?

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É preciso disciplina, sim, mas a rotina melhor é a que funciona bem na casa de cada um. Não há um método específico. Na minha casa, não passávamos mais de 2 horas e, se meus filhos cumprissem as metas antes disso, já estavam liberados. O ambiente precisa ser bacana, se não é até antididático.

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